Comentário

O referendo irlandês

Ilda Figueiredo
Em plena fase da campanha eleitoral para as eleições autárquicas em Portugal, realizou-se um novo referendo na Irlanda.
Para compreender o resultado obtido é preciso não esquecer as circunstâncias em que decorreu. É preciso ter em conta quatro questões essenciais: o desrespeito pelos resultados do referendo de 13 Junho de 2008 sobre o mesmo projecto de tratado; as pressões a que o povo irlandês foi sujeito desde então; a crise económica e social e as suas graves consequências na Irlanda; a importância para os líderes da União Europeia de prosseguir os objectivos da dita constituição europeia.
A primeira questão a salientar é o desrespeito pela democracia e pela vontade popular expressa no referendo de 13 de Junho de 2008, em que, maioritariamente, o povo irlandês recusou, de forma clara, o projecto de tratado de Lisboa. Como então dissemos, essa circunstância deveria ter conduzido ao abandono daquele projecto de tratado, dado que é necessária a unanimidade de todos os estados-membros para que um tratado europeu possa entrar em vigor. Aliás, a exemplo do que tinha acontecido com a rejeição pelos povos da França e da Holanda nos referendos de 2005.
A segunda questão a sublinhar refere-se às pressões e chantagens utilizadas sobre o povo irlandês após o primeiro referendo de 2008, em que mais de 53 por cento dos votantes disseram «Não» ao projecto de Tratado de Lisboa, assim chamado por ter sido assinado em 13 de Dezembro, no final da Presidência Portuguesa, em Lisboa. A vitória que agora conseguiram os apoiantes do «Sim» não pode ser desligada da escandalosa dimensão dos meios utilizados na sua campanha, da utilização maciça de meios do Estado irlandês e da União Europeia e de inaceitáveis manobras de ingerência e chantagem sobre o povo irlandês protagonizadas pelos principais promotores do tratado de Lisboa e pela própria Comissão Europeia. Inclusivamente, o Conselho chegou a aprovar um conjunto de possíveis propostas de alteração do projecto de tratado de Lisboa, a incluir num hipotético futuro tratado de adesão da Croácia, para tentar fazer crer ao povo irlandês que já estavam ultrapassadas muitas das suas dúvidas. Mas, na verdade, tais propostas não têm qualquer valor jurídico. O que foi a votos neste segundo referendo foi o mesmo projecto de Tratado de Lisboa que tinham recusado no primeiro referendo do ano passado.
A terceira questão está estreitamente ligada à crise económica e social e às suas graves consequências na Irlanda, com o agravamento do desemprego e da pobreza. Os partidários do «Sim» utilizaram a pressão psicológica para criar um clima de medo face a uma nova recusa, escamoteando que as políticas contidas no projecto de tratado de Lisboa são as mesmas que estão na origem da crise: o capitalismo.
A última nota que importa sublinhar é a importância da retoma do projecto da dita constituição europeia para os líderes da União Europeia, os quais não olham a meios para obter os meios necessários ao aprofundamento do projecto capitalista, militarista e federalista da União Europeia.
Conclusão: o resultado deste referendo ao tratado de Lisboa, realizado na Irlanda, coloca novas exigências a todos aqueles que prosseguem a luta pela democracia, pela defesa dos direitos sociais e laborais, pela soberania, a paz e a cooperação na Europa. Mas não significa, de forma alguma, o fim da luta contra este projecto, que apenas poderá entrar em vigor quando a República Checa e a Polónia também concluírem o processo de ratificação.
É uma luta que vamos prosseguir, em colaboração com todas as forças progressistas, apostadas na defesa dos direitos dos trabalhadores e povos dos países da União Europeia, dos valores da democracia, da paz e da cooperação, da soberania nacional.
É uma luta que precisamos de intensificar, na defesa de uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos, contra as renovadas ameaças aos direitos sociais e laborais, à soberania, à paz e à cooperação.


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