O apoio

Henrique Custódio
Ainda o arraial das legislativas não foi desmontado e já pulam, nos jornais e noticiários, multas e desvairadas propostas a sugerir o rumo imediato da Pátria. É o costume e uma banalidade imensa, sobretudo quando nos detemos nos comentadores encartados que, à uma, vertem compulsivamente as suas elocubrações nos espaços de que dispõem. Merecem talvez uma espreitadela, se nos dispusermos a aturar-lhes o que, das suas sentenças, estamos fartos de saber.
Todavia, há personalidades com opiniões a pedir outra atenção.
É o caso do presidente da CIP, Francisco Van Zeller, também conhecido como «o patrão dos patrões» - ironia que peca por defeito, porque o homem não se limita a mandar nos patrões: manda, sobretudo, em nome dos patrões.
Pois foi em nome deles que Van Zeller já veio à estacada, dando conselhos a Sócrates em relação ao seu próximo Governo: em nome da «estabilidade» - essa abantesma brandida por todos os poderes, para ficarem com o poder todo -, o PS «não deve fazer acordos à esquerda», especificando que preferia acordos à direita, nomeadamente com o CDS ou com o PSD. E para que não restassem dúvidas sobre a autoridade dos seus conselhos, recordou que as empresas (e o patronato) é que pretendem e reivindicam a tal «estabilidade».
Após a Revolução de Abril, tempos houve em que o patronato, na sua implacável luta pela restauração de poder e privilégios, se sentia, apesar de tudo, compelido a reconhecer formalmente a subordinação do poder económico ao poder político, aliás claramente inscrita na Constituição da República.
Hoje, o «patrão dos patrões» não se limita a ignorar e a desprezar, olimpicamente, essas formalidades democráticas: já dá públicos conselhos aos governos de José Sócrates, sem rebuços e com a sobranceria dos latifundiários a distribuir ordens aos abegões.
Van Zeller sabe, evidentemente, com quem está a lidar.
Aliás, o conhecimento do presidente da CIP sobre o Governo de José Sócrates é minucioso e completo, ao ponto de também deixar instruções sobre alguns ministros. Não todos, evidentemente, apenas os mais «convenientes». No caso, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, e o ministro do Trabalho e Segurança Social, Vieira da Silva, de quem o patrão da CIP afirma, sem disfarces, que «devem manter-se no novo Governo».
Em ambos os casos se compreende a conveniência assinalada por Van Zeller.
O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, foi o entusiástico executante da política de Sócrates a favor da banca, dos banqueiros e do grande capital, ao ponto de se tornar conhecido na gíria sindical como o «Teixeira dos Bancos». Apesar de ter sido uma segunda escolha para o cargo – o que não o impediu de exultar de felicidade quando foi repescado -, o homem provou à saciedade que era a «escolha certa» para os interesses do grande capital. O retorno aí está: Van Zeller quere-o no novo Governo.
Quanto ao ministro do Trabalho, Vieira da Silva, basta dizer que desempenhou com igual fulgor dois papéis seguidos: na oposição, demoliu vigorosamente, em nome do PS, o Código de Trabalho com que a direita pretendia desregulamentar as relações laborais a favor do patronato; no Governo PS, impôs esse mesmo Código do Trabalho e ainda o agravou, contra os trabalhadores. É, naturalmente, uma escolha óbvia para Van Zeller.
Quem deixou de ser uma escolha óbvia para o eleitorado, foi José Sócrates, que viu ser-lhe retirado meio milhão de votos, 24 deputados e a maioria absoluta.
Mas, como se vê, continua com todo o apoio do «patrão dos patrões».


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