A campanha «non stop»

Correia da Fonseca
Este ano, Setembro não é apenas o mês da Festa do Avante!, é também o mês das eleições legislativas. E Outubro não é só o mês em que se celebra mais um aniversário do derrube da monarquia, é também o mês das eleições autárquicas. Sendo assim, há já várias semanas que a televisão nos vem fornecendo notícias do que se designa por «pré-campanha»: são quase exclusivamente breves reportagens acerca das andanças por esse Portugal fora dos líderes dos partidos mais estimados pelas operadoras de TV: José Sócrates (ou alguém por ele) a inaugurar, Paulo Portas de regresso aos beijinhos nos mercados, Manuela Ferreira Leite a não dizer nada de jeito enquanto muda a cor do vestuário do cinzentão para o vermelhusco com breve escala pelo rosa, Louçã na habitual abordagem de causas avulsas que não impliquem um compromisso de conjunto. Também Jerónimo de Sousa, até porque a sua ausência pareceria mal, mas com a sua imagem sempre intercalada com a de militantes maiores de sessenta anos. As estações portuguesas de televisão já perceberam que é inútil continuarem a sugerir que o PCP é uma espécie de clube para a chamada terceira idade, que não podem continuar a excluir das imagens que transmitem os jovens que vêm afluindo ao Partido, mas ainda assim não conseguem desligar-se dos seus velhos hábitos e resistir à atracção que cabelos brancos e rugas vincadas parecem exercer sobre as suas câmaras. De qualquer modo, é de crer que ao não eliminarem totalmente o PCP e Jerónimo dos seus noticiários como talvez o coração lhes pedisse, e limitando-se a impregnar de anticomunismo por vezes discreto mas sempre presente a generalidade das suas programações, as estações se convençam ao menos um pouco de que estão a acatar as regras elementares de um pluralismo informativo democrático. Esta difícil mas não impossível tranquilidade de consciência decorrerá de um equívoco elementar, básico e cuidadosamente mantido: a confusão entre liberdade de informação e liberdade de manipulação. Tudo indica e a cada passo se confirma que dormem muito bem com isso.

O vírus

Não se pense, porém, que a batalha ideológica diariamente travada pela televisão contra o projecto comunista se limita ao apoucamento do PCP e da sua gente, complementado por um regular bombardeamento da imagem remanescente da derrotada URSS como se ela, a União Soviética, ainda estivesse aí a estimular por todo o mundo, com a sua presença, esperanças e combates. Esta perseverança do anti-sovietismo é muito curiosa porque vem provar que o capitalismo e os seus media ainda não se recompuseram do susto. Contudo, nem as coisas se ficam por aí nem esses aspectos são porventura o mais importante. A questão é que as programações das diversas estações, por vezes quase se podendo dizer que de uma ponta a outra e nunca apenas nos serviços noticiosos, são indirectamente apologéticas do capitalismo nas seus diversos sectores de vivência e nas suas várias «frentes», dos supostos valores das sociedades capitalistas e até de alguns dos seus vícios tidos como condenáveis mas ainda assim atraentes. Na verdade, o way of life do capitalismo, mais ou menos inspirado no modelo norte-americano, é uma espécie de oxigénio respirado pela TV que nos é fornecida. Também, se o quisermos fazer até para estarmos sintonizados com o grande susto do momento, podemos chamar-lhe vírus, e então diremos que o vírus de uma mundividência capitalista este infiltrado por vezes em minúsculos pormenores. Mas não só, sublinhe-se. Quando o senhor Presidente da República profere veementes estímulos ao «empreendedorismo», isto é, à iniciativa privada que, quando pequena, já nasce sob o signo de um cruel fracasso futuro, dá sinais de estar completamente infectado. Mas por estas e muitas outras é que a televisão desempenha de facto um importante papel interventivo que corresponde a uma campanha ininterrupta, non stop, em favor do capitalismo. Escusado será dizer que o verdadeiro pluralismo impediria esse exercício e que, sendo as coisas como são, é preciso resistir-lhe para preservação da lucidez. Porque a resistência começa sempre pela identificação de abusos e opressões, aqui fica o aviso.


Mais artigos de: Argumentos

A mudez crua da verdade

O Estado português está num estado desgraçado. É o resultado de 35 anos de políticas de sabotagem do sistema democrático. Sobre o que realmente se passa, governos e Igreja continuam a entender-se bem, como antes do 25 de Abril, e seguem a estratégia segura de calarem a verdade dos factos. Apesar das camuflagens...

Chocados tecnologicamente?

Com o governo Sócrates, os fragmentos do Plano Tecnológico seguiram melhor ou pior um curso que vinha de trás, na onda de fundo das tecnologias da informação. A avaliar pelos índices publicados parece ter acelerado a informatização do aparelho de Estado, a disponibilização de aplicações de e-government – as declarações...