A mudez crua da verdade

Jorge Messias
O Estado português está num estado desgraçado. É o resultado de 35 anos de políticas de sabotagem do sistema democrático. Sobre o que realmente se passa, governos e Igreja continuam a entender-se bem, como antes do 25 de Abril, e seguem a estratégia segura de calarem a verdade dos factos. Apesar das camuflagens estatísticas, o desemprego ultrapassou os 10% e afasta-se rapidamente desse número mágico. Aumenta a taxa de exploração do trabalho e vencimentos ou pensões da maioria desvalorizam-se constantemente. O apoio aos desempregados diminui com as alterações à lei dos subsídios. As famílias portuguesas estão cada vez mais endividadas. Agravam-se as desigualdades entre escalões profissionais, a injustiça da distribuição da riqueza, o endividamento externo, o défice público, a agricultura e as pescas são votadas ao abandono. Os escândalos sucedem-se a uma cadência louca. Em todos os casos tornados públicos, Governo e Igreja remetem-se ao mutismo ou cultivam as práticas fantasistas do «faz de conta»... Um exemplo evidente é o do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social transformado em sucursal da Igreja Católica. Distribui esmolas do Estado e paga investimentos sociais que logo transfere para as instituições da «sociedade civil solidária e católica».
Se estas contas estiverem certas, então, «a ruína espreita-nos nas curvas da História». É preciso romper com tudo isto e mudar.

Uma mudez ensurdecedora ...

A Igreja Católica portuguesa, como é sobejamente conhecido, reclama-se campeã do sector social e solidário. A ser assim, isto significaria que todo o aparelho apostólico – sacerdotes e leigos – deveria logicamente dar um firme apoio às causas dos trabalhadores, dos pobres, dos humildes, dos explorados e daqueles a quem um sistema profundamente injusto nega o direito à integração social e ao trabalho. E, como igreja, obrigatório seria que condenasse qualquer Estado que pagasse com o dinheiro dos trabalhadores as fraudes dos banqueiros, salvando os bancos e arruinando a economia.
A Igreja não só não procede assim - «anunciando e denunciando», como frequentemente prega nos púlpitos - mas é parte activa nos negócios que encapotadamente tanto dinheiro dão aos ricos. É por isso que nunca o Governo tem dinheiro para responder ao essencial mas todas as verbas aparecem, como por milagre, quando se trata de concluir meganegócios pouco transparentes ou de dar protecção aos bancos falidos, às manobras das «deslocalizações», ou à segurança dos paraísos fiscais. Por exemplo, estamos em plena e ameaçadora crise financeira mas já tudo se apronta para desenvolver um ambicioso projecto que parte da área das comunicações sociais e depois se espalha, como o cancro, por outros espaços da actividade económica, mesmo as mais imprevistas. É o caso da anunciada compra e venda da TVI.
Sucintamente: a partir da transacção da TV católica (venda feita à Prisa, também católica) o projecto do monopólio dos conteúdos (noticiários, publicidade, lazeres) procura alastrar a todas as redes de telecomunicação dos países lusófonos. Simultaneamente, os investimentos disponíveis (e que dizem inesgotáveis) aplicar-se-ão em áreas vitais da economia, como as do petróleo, do biogás ou das energias alternativas, da informática, do marketing, do desporto ou da moda. Trata-se de dominar o Mundo. É o imperialismo capitalista, em todo o seu esplendor, que surge dos confins da miséria de uma crise financeira mundial.
Isto não significa, necessariamente, que seja a Igreja o único protagonista desta intriga à escala planetária. Mas que participa na teia da conspiração, lá isso é evidente... Tanto se lhe dá que o projecto, a ter êxito, acarrete a centralização do poder, a destruição de milhares de postos de trabalho e o aprofundamento do fosso entre pobres e ricos.
É altura de rompermos com tudo isto. É tempo de mudar e de vencer. É tempo de votar. Mas também é tempo de sabermos dizer «não» e de o gritarmos aos quatro ventos! Ruptura e mudança exigem o fim da mudez.


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