Comentário

Trapaceiros...

Pedro Guerreiro
As conclusões do Conselho Europeu de 18 e 19 de Junho deverão ficar para a história como (mais) um exemplo de cinismo e hipocrisia da União Europeia.
Depois de ardilosamente terem decidido as «razões» pelas quais o povo irlandês rejeitou a proposta de «tratado de Lisboa», eis que o Conselho Europeu dá o «tiro de partida» para a nova operação de chantagem com vista a impor a este povo o que este povo já rejeitou.
Convenientemente, foram afastadas todas as razões para a rejeição do «tratado de Lisboa» que resultam do seu efectivo conteúdo, tendo sido minuciosamente escolhidas, apenas e só, «razões» formuladas de forma ambígua e inócua, simplesmente para repetir parte do que está e o que não está na proposta de tratado e, desta forma, não alterar, nem uma vírgula que fosse, do seu conteúdo.
Isto é, os irlandeses vão ser obrigados a referendar a mesmíssima proposta de tratado que rejeitaram (aliás, como já o foram aquando da ratificação do Tratado de Nice).
Mais, os irlandeses vão ser obrigados a referendar o mesmo tratado, sem que lhe seja efectivamente assegurada qualquer segurança jurídica quanto às «decisões» agora adoptadas pelo Conselho Europeu.
Em vez de, como era sua obrigação, integrar as ditas e mais que artificiais e buriladas «garantias jurídicas» num protocolo anexo à proposta de «tratado de Lisboa», procedendo a novo processo de ratificação, o Conselho Europeu «declarou» o que não pode assegurar, ou seja, que a sua «decisão» se transformará em protocolo no momento da conclusão de um novo tratado de adesão à UE (se e quando este se verificar), pois esta é uma competência de cada Estado.
Mesmo quanto à intenção de alterar o artigo sobre a composição da Comissão Europeia (assegurando o princípio de um comissário por país), o Conselho Europeu condiciona-a à entrada em vigor do denominado «tratado de Lisboa» (quando o que devia fazer era alterar esta proposta de tratado para consignar este mesmo princípio), o que é uma pura chantagem!
Já para não falar da oca e hipócrita «declaração solene» (dir-se-á, para irlandês ver...) sobre «os direitos dos trabalhadores, a política social e outros temas», que não é mais do que um autêntico exercício de mistificação e encobrimento dos reais objectivos e consequências das políticas neoliberais e da integração capitalista europeia que é a UE.
Desta forma, não alterando o conteúdo da proposta de tratado e obrigando o povo irlandês a referendá-la de novo, o Conselho Europeu procura evitar a reabertura do processo de ratificação deste tratado (a que se anexaria um protocolo) em cada um dos 27 países, com medo de que este fosse de novo rejeitado.
As manobras em torno da designação de Durão Barroso para a presidência da Comissão Europeia não deixam de se inscrever igualmente no quadro das pressões para a entrada em vigor do denominado «tratado de Lisboa» (por exemplo, quando se discute o dito equilíbrio entre a direita e a «social-democracia» na divisão das responsabilidades institucionais ao nível da UE que seriam criadas com este tratado).
Fica assim a nu porque é que a UE insistiu no prosseguimento dos processos de ratificação: para procurar isolar, pressionar e chantagear (de novo) o povo irlandês.

Não ao embuste! Não ao tratado da UE!

O NÃO expresso pelo povo irlandês ao denominado «tratado de Lisboa», em 2008 – o único que, por obrigação constitucional, não foi impedido de se pronunciar por referendo – constitui um obstáculo maior na imposição de uma proposta de tratado que aprofunda o federalismo, o neoliberalismo e o militarismo da UE.
As forças progressistas na Irlanda terão de novo uma dura e exigente batalha pela frente: consciencializar e mobilizar o povo irlandês para a rejeição de um embuste e de um autêntico desrespeito à vontade democrática e soberanamente expressa no referendo realizado em 2008.
O que se exige e se impõe é o fim das artimanhas, das conspirações e das chantagens que procuram impor a «constituição europeia»/«tratado de Lisboa». Tal só será possível de alcançar pela luta dos trabalhadores e dos povos.
As razões que levaram à rejeição de uma proposta de tratado cujas orientações e políticas agridem e desrespeitam as soberanias nacionais e a democracia, as conquistas laborais e sociais dos trabalhadores, o direito a produzir e a defender a capacidade produtiva ao nível nacional e a paz, são mais válidas que nunca... na Irlanda ou em Portugal.


Mais artigos de: Europa

<i>Total</i> despede grevistas

Confrontada pela terceira vez, este ano, com uma greve espontânea na refinaria de Lindsey, na Grã-Bretanha, a multinacional francesa, Total, decidiu despedir 647 grevistas que se recusam a retomar o trabalho desde 11 de Junho.

Indignação popular

Mais de cinco mil pessoas manifestaram-se, dia 18, em Riga, capital da Letónia, em protesto contra as sucessivas medidas de austeridade decretadas pelo governo para fazer face à bancarrota do país.

<i>British Airways</i> exige trabalho gratuito

Após anunciar um prejuízo recorde anual de 375 milhões de libras (440 milhões de euros), a terceira companhia europeia de aviação revelou ter pedido aos trabalhadores que prestem trabalho não remunerado por um período de uma semana a um mês.Nas actuais condições de mercado, a transportadora aérea diz estar a lutar pela...

Preços de ruína

Milhares de agricultores vindos sobretudo da França, Alemanha e Bélgica manifestaram-se, segunda-feira, 22, no Luxemburgo, onde decorria a reunião dos ministros da Agricultura da UE justamente dedicada à Política Agrícola Comum após 2013. O protesto foi convocado pela Federação Europeia dos Produtores de Leite (European...

Blair sabia das torturas

O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair, «estava ao corrente» da política norte-americana de aplicar torturas a suspeitos de terrorismo, segundo revelou o jornal britânico The Guardian, na edição de dia 19.O diário recorda que esta política foi adoptada na sequência dos atentados de 11 de Setembro e que os...