A «oração de sapiência» do Doutor Belmiro

Aurélio Santos
O engenheiro Belmiro recebeu o título de Doutor Honoris Causa, geralmente atribuído não pelo sucesso de uma carreira académica, mas pelo reconhecimento de méritos noutros domínios. No caso de Belmiro, o título foi recebido por ser rico – mesmo muito rico.
A causa pode não ter muito de honorífico, mas o mérito é inegável.
Já em uso da sua nova docência, aproveitou para proferir a primeira lição, com recado para vários destinatários.
Começou por dirigir-se explicitamente ao público trabalhador, a quem deve o prémio. Com a crueza arrogante do self-made man, ensinou não haver agora lugar a reivindicações, porque os tempos são de crise e ter trabalho já é um privilégio... E concluiu, com o fôlego que lhe dá o novo Código do Trabalho, reclamando uma reivindicação, muito legítima essa, e da parte do patronato: a do prolongamento do horário de trabalho, à custa de sábados sem a devida remuneração.
Mas a lição teve mais dois destinatários, esses implícitos.
O primeiro, o Presidente da República, a quem Belmiro veio emendar a recomendação-pedido aos empresários católicos para que evitassem uma grande dependência do poder político.
Belmiro veio pôr os pontos nos ii e dizer que a dependência é precisamente a inversa, Sr. Presidente, e se não compreende isso vai ter que escrever cem vezes essa verdade que toda a gente anda farta de saber ...
Dirigiu-se também ao corpo empresarial, contrariando aqueles que pretendem fazer passar a silhueta de um novo capitalismo, decentemente depurado dos seus excessos mais evidentes. Ao seu modo truculento, Belmiro diz-lhes sem rodeios que se deixem de tretas.
O doutor-engenheiro traz à memória o rico burguês que, sem linhagem de raiz, adquire pela vastidão da sua fortuna um título nobiliárquico. Não precisa dele, mas ...
Mas ... numa coisa está ele enganado. Rico e doutorado, sem dúvida, mas com curta visão do mundo.
Ele devia saber que o mundo do trabalho tem outros mestres.


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