A nebulosa
No passado dia 13, Dia Mundial da Imprensa, o programa «Sociedade Civil», da RTP2, decidiu tentar averiguar «que tipo de jornalismo temos hoje». Reunidas em torno da mesa do costume, figuras ligadas à Comunicação Social rapidamente chegaram à conclusão de que existem agora várias formas de jornalismo: para além do que é exercido na já secular imprensa escrita, pelo menos também o jornalismo da rádio e da televisão. Mas talvez as coisas não se fiquem por aqui, pois há que contar com o trabalho das empresas de comunicação, das assessorias ditas «de imprensa» E ainda, para lá delas, com as múltiplas fontes de notícias e informação que hoje se passeiam pela Net e são cada vez mais usadas por um número crescente de cidadãos que, efectiva ou supostamente mais modernos, rejeitam o jornalismo em suporte de papel e preferem informar-se nas versões on line dos jornais ou nos territórios electromagnéticos da blogosfera, do twitter e do que vier a seguir. Daqui resulta, naturalmente, que as coisas não estão nada simples. Mas talvez possamos fixar uma primeira distinção, digamos assim, entre a informação que é prestada por profissionais, qualquer que seja o suporte por onde ela circule, e a que é injectada por amadores (ou por profissionais que na circunstância como amadores se comportam) no que passou a ser uma enorme nebulosa informativa e noticiosa. E porque, como adequadamente lembra um spot autopromocional do Rádio Clube Português, o que cada qual pensa começa no que ouve (ou lê, obviamente), resulta que o cidadão está hoje com a cabeça mergulhada numa nebulosa condicionadora sem que, muitas vezes, disso se dê inteira conta. Num tempo em que está forte ou debilmente assente que cada cidadão tem uma palavra a dizer na condução da sociedade em que está integrado, é claro que esta situação tem uma primordial relevância.
Livre, mas de quê?
Compreensivelmente, a conversa havida em «Sociedade Civil» interessou-se sobretudo pelo trabalho dos jornalistas e pelas condições em que ele decorre, neste quadro surgindo em primeiro plano a questão da liberdade de expressão. Foram largamente faladas as situações em que ela é impedida, sendo mesmo transmitidas imagens (por acaso de autenticidade muito duvidosa) sugestivas dos horrores a que jornalistas podem ser submetidos em diversos lugares do mundo. É claro, porém, que entre nós a repressão da liberdade dos jornalistas não se põe em termos tão dramáticos, e por isso foram antes referidos os obstáculos concretos que se opõem a que o jornalista português se sinta livre para escrever o que deve e não o que convém a terceiros. Creio que quanto a este importantíssimo ponto foi Estrela Serrano, da ERC, que disse estar hoje o jornalista português «muito dependente» e que identificou o mercado como motivo maior dessa dependência. É claro que neste caso quem diz «mercado» diz “emprego”, fala da inevitável necessidade de se ganhar a vida, e quanto a isto foi altamente esclarecedor que ali se tivesse dito haver 7402 jornalistas com carteira profissional e que é de cerca de 1500 o fluxo anual de jornalistas recém-formados que em princípio se destinam ao mesmíssimo mercado de trabalho. Não são precisos grandes dotes de imaginação para, perante isto, perceber-se como é grande a margem de manobra de que dispõem os proprietários das grandes empresas, mais os seus fiéis mandatários, para que jovens jornalistas acedam a escrever o que devem e não o que lhes apeteça, a «verem» o que devem ver e não o que lhes está perante os olhos da cara ou do entendimento. Por isso foi tão interessante e mesmo fecunda a intervenção gravada da senhora presidente da Amnistia Internacional-Portugal. Disse ela, com grande veemência e muito bem, da necessidade de uma imprensa livre. E até acrescentou para quê: livre para poder criticar os governos de certos países que a esse exercício se opõem. Permita-se, porém, uma espécie de objecção um pouco desconcertada: só para isso? Não também para criticar os poderes privados, por vezes mais poderosos que os públicos, capazes de desencadearem os mais terríveis horrores de ordem muito diversa? Decerto que a imprensa deve ser livre. Mas de quem? E de quê? E para quê? Terá ficado ali alguma coisa para dizer e nenhum dos presentes teve oportunidade de colmatar a omissão. Pensando bem, tratando-se de um programa da televisão portuguesa, quem sabe se não terá ficado assim omitido o mais importante?
Livre, mas de quê?
Compreensivelmente, a conversa havida em «Sociedade Civil» interessou-se sobretudo pelo trabalho dos jornalistas e pelas condições em que ele decorre, neste quadro surgindo em primeiro plano a questão da liberdade de expressão. Foram largamente faladas as situações em que ela é impedida, sendo mesmo transmitidas imagens (por acaso de autenticidade muito duvidosa) sugestivas dos horrores a que jornalistas podem ser submetidos em diversos lugares do mundo. É claro, porém, que entre nós a repressão da liberdade dos jornalistas não se põe em termos tão dramáticos, e por isso foram antes referidos os obstáculos concretos que se opõem a que o jornalista português se sinta livre para escrever o que deve e não o que convém a terceiros. Creio que quanto a este importantíssimo ponto foi Estrela Serrano, da ERC, que disse estar hoje o jornalista português «muito dependente» e que identificou o mercado como motivo maior dessa dependência. É claro que neste caso quem diz «mercado» diz “emprego”, fala da inevitável necessidade de se ganhar a vida, e quanto a isto foi altamente esclarecedor que ali se tivesse dito haver 7402 jornalistas com carteira profissional e que é de cerca de 1500 o fluxo anual de jornalistas recém-formados que em princípio se destinam ao mesmíssimo mercado de trabalho. Não são precisos grandes dotes de imaginação para, perante isto, perceber-se como é grande a margem de manobra de que dispõem os proprietários das grandes empresas, mais os seus fiéis mandatários, para que jovens jornalistas acedam a escrever o que devem e não o que lhes apeteça, a «verem» o que devem ver e não o que lhes está perante os olhos da cara ou do entendimento. Por isso foi tão interessante e mesmo fecunda a intervenção gravada da senhora presidente da Amnistia Internacional-Portugal. Disse ela, com grande veemência e muito bem, da necessidade de uma imprensa livre. E até acrescentou para quê: livre para poder criticar os governos de certos países que a esse exercício se opõem. Permita-se, porém, uma espécie de objecção um pouco desconcertada: só para isso? Não também para criticar os poderes privados, por vezes mais poderosos que os públicos, capazes de desencadearem os mais terríveis horrores de ordem muito diversa? Decerto que a imprensa deve ser livre. Mas de quem? E de quê? E para quê? Terá ficado ali alguma coisa para dizer e nenhum dos presentes teve oportunidade de colmatar a omissão. Pensando bem, tratando-se de um programa da televisão portuguesa, quem sabe se não terá ficado assim omitido o mais importante?