As funções sociais do desporto

A. Mello de Carvalho
A compreensão plena do desporto na nossa sociedade impõe uma reflexão sobre as funções sociais do desporto de acordo com o seu significado lato.
Uma perspectiva que assente na constatação de que o desporto é uma prática social diversificada, com formas múltiplas, define para ele cinco funções essenciais que se podem enunciar da seguinte forma:
1. A função de formação: contribui para a constituição da futura força de trabalho e para a capacidade da sua reprodução ao garantir a educação plena do ser em crescimento, possibilitando a expressão das suas capacidades em todos os campos da sua personalidade. Vista desta forma, a justificação clássica da melhoria da saúde da criança e do jovem está presente mas é largamente ultrapassada, para assumir um significado muito mais vasto, referido à formação cultural da juventude e à criação de capacidades criativas capazes de fornecerem novas respostas às necessidades extremamente moventes da sociedade (adaptação a novas formas de trabalho, movimento criativo, etc.). A formação desportiva da juventude que utiliza a prática desportiva como um importante «instrumento» de educação apresenta-se, nesta perspectiva, com um carácter insubstituível (o desporto não vale por si próprio pois passa a constituir um «meio» de acção pedagógica).
2. A função de recreação: concebida aqui bem longe da perspectiva de puro divertimento. O que está em causa é processo de reconstrução da força trabalho ou seja, da manutenção e recuperação de capacidades do adulto trabalhador, seja qual for a sua situação. Esta função assume três aspectos fundamentais: a manutenção de uma capacidade de resposta nos planos da saúde e da capacidade física de adaptação às novas necessidades do mundo do trabalho, a compensação psicológica e de luta contra o stress e as necessidades socializadoras do adulto trabalhador. No presente, está bem demonstrado que a prática desportiva, entendida no seu sentido lato, faz baixar os índices de absentismo, aumenta a produtividade, e prolonga a duração da vida activa (estudos internacionais demonstraram que o primeiro se reduz a mais de 30%, e o segundo sofre um acréscimo de cerca de 4%), além de prevenir o aparecimento de vários tipos de doenças e melhorar os níveis de saúde.
3. A função de inserção social: que a actividade desportiva pode desempenhar é importante para a sociedade no seu todo, e para a própria cultura física. A questão está a colocar-se, cada vez mais fortemente, em relação à juventude em risco de marginalização, ou já nela claramente mergulhada, em que prolifera a delinquência, a prostituição e o consumo da droga.
Contudo, esta função já se colocava há décadas em relação aos indivíduos portadores de «deficiência» e aos acidentados (da guerra, do trabalho e da estrada) que procuravam reconstruir ou, pelo menos, melhorar a sua capacidade de reintegração social. É certo que, quer naquela situação quer nesta, é indispensável ter o cuidado de fazer uma distinção entre educação e reeducação, desconfiando das noções ainda prevalecentes em relação ao que é «normal», e ao discurso oficial apologético do desporto como forma de curar os «males» da juventude como álibi para não cuidar de actuar na origem profunda das modernas «doenças da sociedade» que atingem os jovens como o «elo» social mais fraco (como também é o caso da tão falada «integração das minorias étnicas»).
4. A função de criatividade: está directamente relacionada com a alta competição, ou de alto rendimento (como alguns preferem), o espectáculo desportivo e todas as actividades que visam ultrapassar os limites actuais, caminhando no sentido de uma perfeição que sempre «fugirá» à frente do próprio homem.
O desenvolvimento desta função tem sido espectacular nas últimas décadas. Em torno dela surgiram ideias e concepções confusas e contraditórias, justificadas pelos aspectos menos positivos do espectáculo desportivo profissional, em que o dopping e a corrupção tudo parecem querer corromper.
5. A função económica: começou a ser reconhecida somente há cerca de 20 anos para cá. Passou a assumir um papel de importância crescente devido à visão economicista neoliberal das actividades sociais e culturais, pelo que é, muitas vezes, apresentada em contraponto com a função formativa. Por sua vez, os defensores do predomínio desta última, rejeitam com veemência crescente, a função económica do desporto, considerando-a como a origem da degradação das práticas a que se fez referência.
Trata-se de um erro na medida em que a função económica do desporto sempre o acompanhou ao longo da sua existência (mercado do vestuário desportivo, da construção de instalações, etc.). Naturalmente que, com a evolução que sofreu ao longo do século, esta função foi crescendo em importância e, em relação ao espectáculo desportivo, provocou distorções na própria prática que são absolutamente inaceitáveis.


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