Lição de gramática

Anabela Fino
«Para combater a crise é preciso regular os mercados, inverter a espiral de ganância dos lucros a curto prazo, prevenir a doença das remunerações predatórias e acabar com os paraísos fiscais.» Quem fala assim não é gago, como diria a minha amiga Berta cantando as palavras para não se engasgar, coisa que o líder parlamentar do PS, Alberto Martins, não precisou de fazer em Guimarães nas jornadas parlamentares do seu partido, já que a lição ia bem estudada.
Subordinadas ao tema «Prioridade ao Emprego e à Protecção Social», as jornadas prometem culminar em afinado coro, com os deputados devidamente industriados quanto à matéria que de ora avante – pelo menos até ao fim do ciclo eleitoral – deve ocupar as prelecções às massas, cuja é «as preocupações sociais são a gramática das opções políticas dos socialistas». Oxalá nenhum se lembre de usar o Magalhães, ou ainda borra a pintura.
Temos pois que o PS, num gesto de inexcedível dedicação pelos desvalidos – praí mais de dois terços dos portugueses – se prepara para acabar com os lobbies que nos fazem pagar os combustíveis a peso de ouro para chegarem ao fim de cada ano com milhões de lucros, como é o caso da GALP e da EDP, por exemplo; pôr cobro às ajudas milionárias aos milionários que andam pelos corredores do Governo a carpir as mágoas de lucros menos gordos; eliminar de vez com as mordomias dos que andam por aí à vara larga (o termo é propositado) acumulando ordenados, indemnizações e reformas obscenas, quando não mesmo cargos em empresas que previamente tutelaram e esbulharam dentro da mais estrita legalidade, que para isso mesmo é que se dão ao trabalho de aprovar as leis que nos regem; e botar de vez um ponto final nessa coisa tão apadrinhada ontem e criticada hoje, os 'off-shores', excepto obviamente o da Madeira e mais uns quantos que vão ficar fora da «lista negra» que o G-20 se prepara para aprovar, que nisto de 'off-shores' estão todos de acordo, é preciso acabar com alguns para que outros continuem a cumprir o seu papel.
Temos assim que o PS, num rasgo de patriotismo, vai criar um Banco do Povo onde a usura seja proibida; um Serviço Nacional de Saúde que não dê abébias a seguradoras espúrias; um ensino público de qualidade e para todos; um plano nacional de criação de emprego que vá além dos discursos; um salário mínimo nacional que não roce a indigência; um plano de pensões e reformas justo e digno; um programa que faça renascer das cinzas a nossa indústria, a nossa agricultura, a nossa pesca.
Isto é só para citar alguns exemplos, que a tal «gramática» das opções sociais é exigente e não se compadece com cábulas, como sabe quem estuda a lição em vez de copiar pelo vizinho do lado.
É meritório objectivo, sem dúvida. Há apenas um pequeno e leve reparo a este caderno de encargos apresentado em Guimarães – simbólica cidade, tida como o berço da nacionalidade, escolhida assim como quem quer fazer crer que este PS vai ser uma Fénix renascida – e que não pode ser iludido: onde é que a gente já viu este filme?


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