A prova dos factos
Na passada semana, o programa «60 Minutos» da SIC Notícias, como habitualmente constituído por três reportagens da norte-americana CBS, foi totalmente consagrado à crise financeira e económica que os Estados Unidos exportaram para o resto do mundo. Não garanto que tenha sido esta a primeira vez em que as três reportagens do programa convergiram para o mesmo tema, e sei que acerca dele já o mesmo «60 Minutos» incluiu trabalhos jornalísticos mais pungentes, com imagens e vozes dos que foram expulsos dos seus lares pela banca credora, ávida de se reapossar de casas que de seguida iria leiloar para proveito e júbilo de compradores oportunistas, pressurosos em comprar não apenas «na baixa», como recomendam as regras do negócio, mas também, no caso, «na miséria». Desta vez, porém decorrido já algum tempo sobre a explosão inicial, tendo-se assistido a consequências verdadeiramente espectaculares sobre o sistema financeiro norte-americano, depois do indignante escândalo de alguns dos fautores directos do cataclismo se terem retirado carregando consigo muitos milhões arrecadados à custa da desgraça de muitos mais, as reportagens da CBS foram mais nítidas, mais claras, mais directas. Dir-se-ia terem sido as reportagens feitas por quem já não tem dúvidas acerca da origem do mal e pelo menos entrevê que o terreno em que surgiram os amaríssimos frutos da crise não consente o regresso da confiança que, como tanto se vem repetindo, é condição para a convalescença e a ambicionada cura. Digamos que aquele terreno tem de ser lavrado e tratado de outra maneira. É certo que a sociedade estadunidense não dá sinais exteriores de estar madura para entender o necessário, até porque velhos preconceitos injectados por uma comunicação social multiforme, sempre mobilizada para a mistificação e a anestesia, fizeram da grande maioria do povo norte-americano uma vítima fácil e colaborante. Mas a vida vai ensinando, a lucidez demora tempo mas faz o seu caminho e, por isso e sempre por mais alguma coisa, é natural que, como nos media muitas vezes se diz quando a imaginação não dá para mais, nada ficará como dantes.
Talvez embatucado
De qualquer modo, do conjunto das tais reportagens da CBS resultava claro, e sobretudo era implicitamente aceite, que o capitalismo «puro e duro» que nas últimas décadas foi levado a um imaginário altar é de facto um monstro que mais tarde ou mais cedo lança sobre as sociedades que lhe prestam culto um devastador vómito de desgraças. Coibindo-se naturalmente de serem muito claros, aconteceu mesmo que alguns dos seus mais celebrados sacerdotes admitem hoje essa natureza, o que talvez não deva ser levado apenas à conta de cobardia moral. E ao longo das três reportagens, embora numas mais que noutras, foi-se sentindo que a sociedade norte-americana é hoje percorrida pela descoberta de que o capitalismo é uma espécie de animal feroz que exige a permanente e interventiva presença de um domador, o Estado. Aquilo a que se chamou «nacionalizações» nos Estados Unidos são, é claro, factor dessa tomada de consciência e confirmação factual dessa necessidade. É certo que se coloca então a questão de saber de que Estado se está a falar, ao serviço de quem intervém e até onde vai, mas esse é um outro capítulo. O certo é que os Estados Unidos «nacionalizaram». Embora com todas as aspas que se entender adequadas. Sendo assim, mete-se pelos olhos dentro de quem não os queira fechar que a proposta do PCP de nacionalização da banca e das seguradoras não tem nada de absurdo, faz todo o sentido e, em verdade, não faz mais do que tirar consequências da prova dos factos que nos vem dos próprios Estados Unidos. Aliás, é muito capaz de ser significativo que a generalidade da comunicação social afecta aos poderes capitalistas não tenha desatado aos berros de indignação ou de desdém, conforme os gostos, perante a proposta comunista: terá achado que o silêncio ainda seria o melhor remédio. Neste caso, porém, terá sido um silêncio embatucado. Curiosamente, dias antes, um gestor da área do PS, insuspeito de pendores radicais, que durante largo tempo presidiu a um grande banco, escrevera num jornal «de referência», com alguma coragem, que a nacionalização dos bancos em Março de 75 salvara a banca portuguesa. Já não é costume ouvir-se esta verdade luminosa, mas o que se passou e continua a passar-se na capital mundial do capitalismo veio conferir-lhe uma inesperada actualidade. Bom seria para os portugueses que funcionasse como semente. E germinasse.
Talvez embatucado
De qualquer modo, do conjunto das tais reportagens da CBS resultava claro, e sobretudo era implicitamente aceite, que o capitalismo «puro e duro» que nas últimas décadas foi levado a um imaginário altar é de facto um monstro que mais tarde ou mais cedo lança sobre as sociedades que lhe prestam culto um devastador vómito de desgraças. Coibindo-se naturalmente de serem muito claros, aconteceu mesmo que alguns dos seus mais celebrados sacerdotes admitem hoje essa natureza, o que talvez não deva ser levado apenas à conta de cobardia moral. E ao longo das três reportagens, embora numas mais que noutras, foi-se sentindo que a sociedade norte-americana é hoje percorrida pela descoberta de que o capitalismo é uma espécie de animal feroz que exige a permanente e interventiva presença de um domador, o Estado. Aquilo a que se chamou «nacionalizações» nos Estados Unidos são, é claro, factor dessa tomada de consciência e confirmação factual dessa necessidade. É certo que se coloca então a questão de saber de que Estado se está a falar, ao serviço de quem intervém e até onde vai, mas esse é um outro capítulo. O certo é que os Estados Unidos «nacionalizaram». Embora com todas as aspas que se entender adequadas. Sendo assim, mete-se pelos olhos dentro de quem não os queira fechar que a proposta do PCP de nacionalização da banca e das seguradoras não tem nada de absurdo, faz todo o sentido e, em verdade, não faz mais do que tirar consequências da prova dos factos que nos vem dos próprios Estados Unidos. Aliás, é muito capaz de ser significativo que a generalidade da comunicação social afecta aos poderes capitalistas não tenha desatado aos berros de indignação ou de desdém, conforme os gostos, perante a proposta comunista: terá achado que o silêncio ainda seria o melhor remédio. Neste caso, porém, terá sido um silêncio embatucado. Curiosamente, dias antes, um gestor da área do PS, insuspeito de pendores radicais, que durante largo tempo presidiu a um grande banco, escrevera num jornal «de referência», com alguma coragem, que a nacionalização dos bancos em Março de 75 salvara a banca portuguesa. Já não é costume ouvir-se esta verdade luminosa, mas o que se passou e continua a passar-se na capital mundial do capitalismo veio conferir-lhe uma inesperada actualidade. Bom seria para os portugueses que funcionasse como semente. E germinasse.