O desporto, a cultura física e a cultura
Dizer que o desporto é um fenómeno social total, directamente integrado na sociedade, significa que se toma uma posição global, simultaneamente sobre as características da última e das possibilidades de expressão do primeiro. O discurso dominante omite completamente esta perspectiva.
Preocupado exclusivamente com os aspectos técnicos, ou valorizando o espectáculo desportivo como sendo o que é essencial, ou considerando que o desporto se resume a uma prática «física» sem dinâmica psico-social, ou ainda que, quanto muito, pode constituir um meio para afastar a juventude de certas taras da sociedade, o discurso oficial não consegue reconhecer no desporto mais do que uma simples actividade recreativa. O sentido profundo do desporto, (psicológico, fisiológico, inter-individual e grupal) só tem surgido a propósito do problema da violência e, mesmo assim, numa perspectiva igualmente reducionista.
Isto acontece devido a preconceitos com profundas raízes no passado, mas também a uma enorme incultura. Esta não se manifesta somente na esfera do desporto, como é natural. Mas exprime-se naquela visão das actividades desportivas de uma forma particularmente evidente.
Nesta perspectiva é significativa a abertura de um pequeno folheto editado pela Comissão das Comunidades Europeias em 1992 (o dossier da Europa – A Comunidade Europeia e o desporto). Vejamos o que aí é dito: «Qual a relação entre o desporto e a Comunidade Europeia?». Esta questão seria despropositada em matéria de agricultura ou de concorrência. Há cerca de 20 anos que nestes sectores e em muitos outros a acção comunitária faz parte integrante da nossa vida quotidiana. Em contrapartida poderá parecer surpreendente que a Comunidade Europeia se interesse pelo lançamento do dardo, pelo voleibol ou pela vela.
Mas, para além da surpresa que suscita, este interesse pode também provocar alguns receios. Será que a independência das autoridades desportivas é posta em causa pelas instâncias comunitárias que passariam a tomar decisões acerca das dimensões dos terrenos de basquetebol ou acerca do peso das bolas de ténis?
É curiosa esta introdução e demonstra bem o receio do autor ou autores, em abordar a questão desportiva no quadro global da Comunidade. Mas de onde surge este receio? Qual a sua justificação?
De facto, a Comunidade toma decisões há anos, permanentemente, sobre todos os sectores fundamentais da vida dos países sem qualquer hesitação. Em relação à agricultura ou à concorrência, fê-lo constituindo estas áreas aspectos centrais da vida dos povos europeus.
Faça-se justiça ao prospecto, pois logo a seguir toma uma posição clara de valorização do desporto, ainda que referida exclusivamente à sua importância económica. Infelizmente esta perspectiva reflecte, de forma evidente, o essencial do discurso dominante. Depois de demonstrar a importância que o desporto assume, como fenómeno social, em todos os países da Comunidade, eis como termina esta valorização: «estes exemplos, escolhidos entre muitos outros, mostram que o desporto se tornou um verdadeiro fenómeno de sociedade que atinge todos os países, todos os grupos etários e todas as categorias sociais. Uma vez que a componente “passatempo” se desenvolve sem cessar, a importância do desporto, simultaneamente em termos de prática e de espectáculo, irá certamente aumentar».
Nada poderá ser dito de forma mais clara para demonstrar como o fenómeno desportivo é reduzido, exclusivamente, à sua componente de «passatempo», também reforçada pelos aspectos espectaculares. Tão longe se encontra esta perspectiva da que foi defendida, há mais de vinte anos, pelo Manifesto sobre o Desporto, da autoria de René Maheu então secretário geral da UNESCO.
Aí eram valorizadas fundamentalmente as potencialidades educativas, culturais e de bem estar individual e colectivo que o desporto encerra. Estamos perante um retrocesso evidente que, aliás, acompanha o retrocesso geral que os problemas sócio – culturais têm sofrido.
Estamos perante uma visão cultural do desporto de um certo tipo – aquela que resulta de uma grande falta de cultura desportiva e de cultura em si mesma. Mas, para além disso, traduz também uma visão ideológica da realidade social que, por exemplo, entende a democratização limitada unicamente à expressão do acto de votar ou, em relação à escola, limita a sua acção exclusivamente à aprendizagem do ler, escrever e contar.
Significa isto que existe uma «cultura desportiva» constituída pelo conjunto de práticas, hábitos, opiniões, património, doutrina, tudo referido ao desporto. Esta, por sua vez integra a noção mais lata de «cultura física» como forma de expressão, vivência, comunicação e enriquecimento do Homem.
Naturalmente que a noção de «cultura física» integra directamente o desporto e as outras actividades físicas formativas, no conceito mais lato de «cultura». Significa isto que a «cultura física» não se limita a ser «cultura» no estrito sentido antropológico. É cultura humana porque é criatividade, enriquecimento interior, expressão de emoções e desejos, capacidade crítica, comunicação humana entre os indivíduos dentro da área de jogo e dentro da instituição desportiva.
Por tudo isto é que limitar a importância do desporto à sua componente económica e «recreativa» representa amputar os aspectos mais importantes que ele reveste na sociedade actual.
Preocupado exclusivamente com os aspectos técnicos, ou valorizando o espectáculo desportivo como sendo o que é essencial, ou considerando que o desporto se resume a uma prática «física» sem dinâmica psico-social, ou ainda que, quanto muito, pode constituir um meio para afastar a juventude de certas taras da sociedade, o discurso oficial não consegue reconhecer no desporto mais do que uma simples actividade recreativa. O sentido profundo do desporto, (psicológico, fisiológico, inter-individual e grupal) só tem surgido a propósito do problema da violência e, mesmo assim, numa perspectiva igualmente reducionista.
Isto acontece devido a preconceitos com profundas raízes no passado, mas também a uma enorme incultura. Esta não se manifesta somente na esfera do desporto, como é natural. Mas exprime-se naquela visão das actividades desportivas de uma forma particularmente evidente.
Nesta perspectiva é significativa a abertura de um pequeno folheto editado pela Comissão das Comunidades Europeias em 1992 (o dossier da Europa – A Comunidade Europeia e o desporto). Vejamos o que aí é dito: «Qual a relação entre o desporto e a Comunidade Europeia?». Esta questão seria despropositada em matéria de agricultura ou de concorrência. Há cerca de 20 anos que nestes sectores e em muitos outros a acção comunitária faz parte integrante da nossa vida quotidiana. Em contrapartida poderá parecer surpreendente que a Comunidade Europeia se interesse pelo lançamento do dardo, pelo voleibol ou pela vela.
Mas, para além da surpresa que suscita, este interesse pode também provocar alguns receios. Será que a independência das autoridades desportivas é posta em causa pelas instâncias comunitárias que passariam a tomar decisões acerca das dimensões dos terrenos de basquetebol ou acerca do peso das bolas de ténis?
É curiosa esta introdução e demonstra bem o receio do autor ou autores, em abordar a questão desportiva no quadro global da Comunidade. Mas de onde surge este receio? Qual a sua justificação?
De facto, a Comunidade toma decisões há anos, permanentemente, sobre todos os sectores fundamentais da vida dos países sem qualquer hesitação. Em relação à agricultura ou à concorrência, fê-lo constituindo estas áreas aspectos centrais da vida dos povos europeus.
Faça-se justiça ao prospecto, pois logo a seguir toma uma posição clara de valorização do desporto, ainda que referida exclusivamente à sua importância económica. Infelizmente esta perspectiva reflecte, de forma evidente, o essencial do discurso dominante. Depois de demonstrar a importância que o desporto assume, como fenómeno social, em todos os países da Comunidade, eis como termina esta valorização: «estes exemplos, escolhidos entre muitos outros, mostram que o desporto se tornou um verdadeiro fenómeno de sociedade que atinge todos os países, todos os grupos etários e todas as categorias sociais. Uma vez que a componente “passatempo” se desenvolve sem cessar, a importância do desporto, simultaneamente em termos de prática e de espectáculo, irá certamente aumentar».
Nada poderá ser dito de forma mais clara para demonstrar como o fenómeno desportivo é reduzido, exclusivamente, à sua componente de «passatempo», também reforçada pelos aspectos espectaculares. Tão longe se encontra esta perspectiva da que foi defendida, há mais de vinte anos, pelo Manifesto sobre o Desporto, da autoria de René Maheu então secretário geral da UNESCO.
Aí eram valorizadas fundamentalmente as potencialidades educativas, culturais e de bem estar individual e colectivo que o desporto encerra. Estamos perante um retrocesso evidente que, aliás, acompanha o retrocesso geral que os problemas sócio – culturais têm sofrido.
Estamos perante uma visão cultural do desporto de um certo tipo – aquela que resulta de uma grande falta de cultura desportiva e de cultura em si mesma. Mas, para além disso, traduz também uma visão ideológica da realidade social que, por exemplo, entende a democratização limitada unicamente à expressão do acto de votar ou, em relação à escola, limita a sua acção exclusivamente à aprendizagem do ler, escrever e contar.
Significa isto que existe uma «cultura desportiva» constituída pelo conjunto de práticas, hábitos, opiniões, património, doutrina, tudo referido ao desporto. Esta, por sua vez integra a noção mais lata de «cultura física» como forma de expressão, vivência, comunicação e enriquecimento do Homem.
Naturalmente que a noção de «cultura física» integra directamente o desporto e as outras actividades físicas formativas, no conceito mais lato de «cultura». Significa isto que a «cultura física» não se limita a ser «cultura» no estrito sentido antropológico. É cultura humana porque é criatividade, enriquecimento interior, expressão de emoções e desejos, capacidade crítica, comunicação humana entre os indivíduos dentro da área de jogo e dentro da instituição desportiva.
Por tudo isto é que limitar a importância do desporto à sua componente económica e «recreativa» representa amputar os aspectos mais importantes que ele reveste na sociedade actual.