«Fomos, somos e seremos comunistas!»
O início dos anos 90 do século XX foi um período difícil para os comunistas portugueses. A Leste, o socialismo era derrotado; vários partidos comunistas europeus descaracterizavam-se ou extinguiam-se; em Portugal, a recuperação capitalista acentuava-se e a campanha anticomunista atingia proporções inéditas.
Mas o PCP resistia e persistia na luta. No XIII (Extraordinário) e no XIV congressos, reafirmou convicções e princípios e apontou caminhos de resistência à poderosa ofensiva do capitalismo, agora livre do factor de contenção que o campo socialista representou durante décadas. «Fomos, somos e seremos comunistas», garantimos então.
«Nunca anteriormente se discutiu tanto o que deveria ser o Congresso», afirmou, na abertura do XIII Congresso (Extraordinário) do PCP, realizado em Loures entre 18 e 20 de Maio de 1990, o Secretário-geral do Partido, Álvaro Cunhal. «E não foi só dentro do Partido que se discutiu. Até aqueles que conduzem a campanha anticomunista se pronunciaram sobre tais matérias da vida interna do nosso Partido.»
A fase preparatória do congresso, na qual participaram mais de 40 mil militantes comunistas, ficou marcada, como notou Álvaro Cunhal, pela «mais violenta ofensiva política e ideológica jamais desencadeada contra o nosso Partido e o comunismo em geral»: de tudo eram acusados o Partido e os comunistas; a luta de classes e o papel da classe operária eram publicamente postos em causa; o socialismo era apresentado como utopia inconcretizável e o capitalismo era já ostentado como sistema final, o «fim da história».
Porém, sublinhou, «o Congresso que estamos a realizar não será certamente o que muitos desejariam que fosse. Mas será certamente o que o nosso Partido quer que seja».
Realizado num momento extraordinário da história do Partido, do País e do mundo, o congresso foi convocado para debater três pontos específicos: a situação na União Soviética e demais países socialistas do Leste da Europa; o rápido avanço do processo de restauração do capitalismo monopolista em Portugal; o ideal comunista e a identidade do Partido.
Confiança no socialismo
Em Maio de 1990, já em praticamente todos os países de Leste ocupavam o poder forças anti-socialistas que os orientavam para a restauração do capitalismo e integração no seu sistema mundial. A União Soviética enfrentava também sérios problemas que desembocariam, no ano seguinte, na sua dissolução.
Este «terramoto», como lhe chamou, a partir da tribuna do congresso, Álvaro Cunhal, teria ainda outras consequências. Vários partidos comunistas juntaram-se ao discurso anticomunista e entraram em acelerados processos de descaracterização. O Partido Comunista Italiano (o maior da Europa ocidental) acabaria mesmo por se extinguir e converter-se à social-democracia, dando lugar, no início de 1991, ao Partido da Esquerda Democrática.
Também em Portugal, os militantes comunistas se encontravam, então, «surpreendidos, inquietos, por vezes chocados, por vezes indignados, colocando justificadas interrogações e legítimas dúvidas», revelaria o Secretário-geral. Mas, continuou, «temos um colectivo revolucionário que não perde as convicções, nem a esperança, nem a confiança».
Daí que, na Resolução Política (aprovada com 4 votos contra e 12 abstenções num universo de mais de 2 mil delegados), para além da análise às causas daqueles trágicos acontecimentos (concluindo que «não foi o socialismo que foi derrotado») se tenha reafirmado o valor da construção do socialismo na União Soviética e nos restantes países do Leste da Europa. E, sobretudo, se tenha manifestado a confiança na possibilidade de «transformar a sociedade libertando a humanidade da exploração e opressão social, política e nacional».
No Manifesto aprovado (com apenas duas abstenções), realçava-se essa confiança: «Confiamos firmemente no futuro de liberdade e socialismo que tornará possível a felicidade do homem.»
Lutar pela alternativa
A situação no País também não era animadora. Como afirmou Álvaro Cunhal, «se se permite que [o Governo] leve por diante o seu plano de destruição de tudo quanto de essencial caracteriza a democracia portuguesa resultante da Revolução de Abril, dentro de pouco tempo teremos efectivamente em Portugal um novo sistema socio-económico e um novo regime político». A revisão constitucional, concluída recentemente, constituía «uma mudança qualitativa e de fundo».
Abria-se assim porta para a reconstituição do capitalismo monopolista e para a entrega a interesses estrangeiros de «posições e centros de decisão na economia portuguesa». Não se tratava já de «mais roubos de terras às UCP mas da «possibilidade real de liquidação total da Reforma Agrária». Como salientou o Secretário-geral do Partido, o PSD apenas conseguiu levar para a frente a revisão porque contou com o apoio do PS, que lhe garantiu os dois terços de deputados necessários.
Rejeitando a resignação e o conformismo, os comunistas consideraram a luta de massas contra a política do governo do PSD, liderado por Cavaco Silva, como um «factor básico da evolução da situação social e política». A convergência das forças democráticas surgia como outro factor fundamental para a derrota do governo.
Na noite de 19, reuniu o Comité Central, que procedeu a alterações nos seus organismos executivos. Álvaro Cunhal foi confirmado como Secretário-geral e criou-se o cargo de Secretário-geral adjunto, para o qual foi eleito Carlos Carvalhas.
Reafirmar princípios e convicções
Neste ano de 1990 eram muitos os apelos, externos e internos, à «renovação» do PCP. A feroz campanha anticomunista, lia-se na Resolução política, assumia contornos novos, mas os objectivos eram os mesmos de sempre: «que o PCP renuncie à luta contra a exploração do homem pelo homem e todas as formas de opressão que dele derivem, à luta pelo socialismo, e se converta numa força inócua para o sistema capitalista e, para tal, renuncie a princípios e características fundamentais que aquele objectivo final torna indispensáveis».
São estas características, sublinhou-se, «o seu ideal comunista, a sua natureza de classe como partido político e vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, a sua ideologia marxista-leninista, a sua estrutura orgânica e funcionamento assentes no centralismo democrático e a sua política patriótica e internacionalista».
«Ao contrário do que proclamam as forças do capital e as posições capitulacionistas, o ideal comunista não está morto nem moribundo. Ele existe e existirá enquanto em qualquer sociedade uma minoria detentora dos meios de produção explorar a maioria da população – a população trabalhadora», refere a Resolução Política. Também o centralismo democrático – particularmente posto em causa no âmbito da campanha anticomunista – foi reafirmado pelo Congresso: «assegurar por um lado a democracia interna e assegurar, por outro lado, uma única orientação geral e uma única direcção central.»
Firme no combate
Pouco mais de dois anos após o XIII Congresso (Extraordinário), o Partido realizou, em Almada, nos dias 4, 5 e 6 de Dezembro de 1992, o seu XIV Congresso. Neste intervalo de tempo, a situação agravou-se ainda mais no País e no mundo. A União Soviética fragmentou-se e dissolveu-se e o capitalismo foi restaurado; o PSD de Cavaco Silva reconquistou a maioria absoluta nas legislativas de 1991.
Mas, ao contrário do que muitos desejavam, o Partido não se apresentou no congresso «para traçar uma linha de recuo, de defensiva, de desesperada conservação, a partir da ideia do “declínio irreversível”», como salientou, na abertura dos trabalhos, Álvaro Cunhal. Não era um partido «desanimado pelos acontecimentos, com o Norte perdido e lutando pela sobrevivência», mas sim um partido «firme, convicto, com ideias fundamentadas acerca do presente e com uma rota clara traçada».
No lema, transparecia essa mesma confiança, já manifestada no anterior congresso: «Democracia e Socialismo – o Futuro de Portugal».
Ao abordar a situação internacional, o Secretário-geral do PCP afirmaria que a desagregação da URSS e dos países do Leste da Europa «significou uma súbita e radical alteração da correlação mundial de forças, ficando o imperialismo em condições de pretender restabelecer a sua hegemonia mundial». Essa alteração, prosseguiu, «não significa que o capitalismo seja um sistema superior e final».
Álvaro Cunhal lembrou ainda que o século XX fica marcado «pelo início de uma nova fase da evolução da sociedade, com profundas e radicais transformações revolucionárias a nível planetário». E reafirmou: «Nós não esquecemos e lutamos para que não sejam esquecidas as grandes conquistas sociais, políticas e culturais que foram alcançadas na URSS e em numerosos outros países.»
Rejeitando a inevitabilidade do «declínio irreversível» dos partidos comunistas, o Secretário-geral do PCP manifestou a «convicção profunda que, onde quer que desapareçam partidos comunistas, os trabalhadores e os povos acabarão por criá-los de novo, com esse ou outro nome, sem dúvida com particularidades resultantes da situação concreta em que actuam e da própria história e experiência».
Velhos e novos senhores
«A restauração do capitalismo monopolista é a história sinistra de uma cruzada de espoliações conduzida pela política de direita», salientou Álvaro Cunhal. Cruzada esta marcada por um «cortejo de inconstitucionalidades, ilegalidades, violências, fraudes, especulações, benesses, negociatas, tráfico de influências, corrupção e escândalos».
Entre os quais se destaca a nomeação de administradores para as empresas nacionalizadas cujo objectivo central era, não o seu êxito, mas a criação de condições favoráveis à sua privatização; a política de crédito respondia ao objectivo de as «afogar» financeiramente; as operações de vendas e os leilões ao desbarato. Assim se constituíram novos grupos económicos e regressaram os «velhos e poderosos grupos dos grandes senhores da ditadura fascista (os Mellos, os Champallimaud, os Espírito Santo e outros)».
Ao mesmo tempo, o governo chefiado por Cavaco Silva conduzia um processo de desfiguração e perversão da democracia política». Era a governamentalização do poder; a eliminação progressiva dos mecanismos de fiscalização e acção governativa; a limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, particularmente, dos trabalhadores; a tentativa de sufocar o poder local e de impor a revisão das leis eleitorais. A integração europeia, que dera um salto qualitativo com a adesão ao Tratado de Maastricht, colocava também na ordem do dia a luta pela soberania e independência nacionais.
O reforço da luta de massas – nomeadamente dos trabalhadores e de outras camadas proletarizadas e antimonopolistas – foi então apontado como o caminho para derrotar o governo do PSD/ Cavaco Silva (que se consumaria menos de quatro anos depois). O reforço do PCP, garantiu Álvaro Cunhal, era do interesse, «não apenas dos comunistas mas de todos os trabalhadores, de todo o povo, de todos os verdadeiros democratas».
O Programa, os Estatutos
e o novo Secretário-geral
O XIV Congresso do PCP foi chamado a apreciar alterações aos documentos fundamentais do Partido – o Programa e os Estatutos. Sobre o Programa, a proposta do Comité Central baseava-se na necessidade de sistematizar melhor o tratamento dado aos processos revolucionário e contra-revolucionário; a melhor ligação entre o Programa da Revolução Democrática e Nacional e o Programa da Democracia Avançada; o enriquecimento do leque dos direitos sociais; o aprofundamento, com base na experiência própria e nas experiências internacionais, da proposta de sociedade socialista que o PCP propõe para Portugal.
No decorrer do debate preparatório foram feitas mais de 700 propostas de emenda. As alterações ao Programa seriam aprovadas com apenas uma abstenção.
Quanto aos Estatutos, acentuou-se com mais rigor a definição da natureza de classe e do seu papel de vanguarda; a caracterização da sua base teórica, o marxismo-leninismo; a apresentação dos objectivos orgânicos.
O Comité Central, eleito na noite de dia 5, reuniu de imediato para eleger os seus organismos – Secretariado, Comissão Política e Comissão Central de Controlo. Álvaro Cunhal foi eleito presidente do Conselho Nacional e Carlos Carvalhas assumiu o cargo de Secretário-geral. Na intervenção de encerramento do Congresso, o novo Secretário-geral afirmou que «após o seu XIV Congresso, o PCP orgulha-se de ser um partido comunista, o grande partido da classe operária e de todos os trabalhadores portugueses, firme na defesa dos interesses do povo, determinado na luta pelo progresso e pela justiça social, tendo no horizonte o socialismo».
A fase preparatória do congresso, na qual participaram mais de 40 mil militantes comunistas, ficou marcada, como notou Álvaro Cunhal, pela «mais violenta ofensiva política e ideológica jamais desencadeada contra o nosso Partido e o comunismo em geral»: de tudo eram acusados o Partido e os comunistas; a luta de classes e o papel da classe operária eram publicamente postos em causa; o socialismo era apresentado como utopia inconcretizável e o capitalismo era já ostentado como sistema final, o «fim da história».
Porém, sublinhou, «o Congresso que estamos a realizar não será certamente o que muitos desejariam que fosse. Mas será certamente o que o nosso Partido quer que seja».
Realizado num momento extraordinário da história do Partido, do País e do mundo, o congresso foi convocado para debater três pontos específicos: a situação na União Soviética e demais países socialistas do Leste da Europa; o rápido avanço do processo de restauração do capitalismo monopolista em Portugal; o ideal comunista e a identidade do Partido.
Confiança no socialismo
Em Maio de 1990, já em praticamente todos os países de Leste ocupavam o poder forças anti-socialistas que os orientavam para a restauração do capitalismo e integração no seu sistema mundial. A União Soviética enfrentava também sérios problemas que desembocariam, no ano seguinte, na sua dissolução.
Este «terramoto», como lhe chamou, a partir da tribuna do congresso, Álvaro Cunhal, teria ainda outras consequências. Vários partidos comunistas juntaram-se ao discurso anticomunista e entraram em acelerados processos de descaracterização. O Partido Comunista Italiano (o maior da Europa ocidental) acabaria mesmo por se extinguir e converter-se à social-democracia, dando lugar, no início de 1991, ao Partido da Esquerda Democrática.
Também em Portugal, os militantes comunistas se encontravam, então, «surpreendidos, inquietos, por vezes chocados, por vezes indignados, colocando justificadas interrogações e legítimas dúvidas», revelaria o Secretário-geral. Mas, continuou, «temos um colectivo revolucionário que não perde as convicções, nem a esperança, nem a confiança».
Daí que, na Resolução Política (aprovada com 4 votos contra e 12 abstenções num universo de mais de 2 mil delegados), para além da análise às causas daqueles trágicos acontecimentos (concluindo que «não foi o socialismo que foi derrotado») se tenha reafirmado o valor da construção do socialismo na União Soviética e nos restantes países do Leste da Europa. E, sobretudo, se tenha manifestado a confiança na possibilidade de «transformar a sociedade libertando a humanidade da exploração e opressão social, política e nacional».
No Manifesto aprovado (com apenas duas abstenções), realçava-se essa confiança: «Confiamos firmemente no futuro de liberdade e socialismo que tornará possível a felicidade do homem.»
Lutar pela alternativa
A situação no País também não era animadora. Como afirmou Álvaro Cunhal, «se se permite que [o Governo] leve por diante o seu plano de destruição de tudo quanto de essencial caracteriza a democracia portuguesa resultante da Revolução de Abril, dentro de pouco tempo teremos efectivamente em Portugal um novo sistema socio-económico e um novo regime político». A revisão constitucional, concluída recentemente, constituía «uma mudança qualitativa e de fundo».
Abria-se assim porta para a reconstituição do capitalismo monopolista e para a entrega a interesses estrangeiros de «posições e centros de decisão na economia portuguesa». Não se tratava já de «mais roubos de terras às UCP mas da «possibilidade real de liquidação total da Reforma Agrária». Como salientou o Secretário-geral do Partido, o PSD apenas conseguiu levar para a frente a revisão porque contou com o apoio do PS, que lhe garantiu os dois terços de deputados necessários.
Rejeitando a resignação e o conformismo, os comunistas consideraram a luta de massas contra a política do governo do PSD, liderado por Cavaco Silva, como um «factor básico da evolução da situação social e política». A convergência das forças democráticas surgia como outro factor fundamental para a derrota do governo.
Na noite de 19, reuniu o Comité Central, que procedeu a alterações nos seus organismos executivos. Álvaro Cunhal foi confirmado como Secretário-geral e criou-se o cargo de Secretário-geral adjunto, para o qual foi eleito Carlos Carvalhas.
Reafirmar princípios e convicções
Neste ano de 1990 eram muitos os apelos, externos e internos, à «renovação» do PCP. A feroz campanha anticomunista, lia-se na Resolução política, assumia contornos novos, mas os objectivos eram os mesmos de sempre: «que o PCP renuncie à luta contra a exploração do homem pelo homem e todas as formas de opressão que dele derivem, à luta pelo socialismo, e se converta numa força inócua para o sistema capitalista e, para tal, renuncie a princípios e características fundamentais que aquele objectivo final torna indispensáveis».
São estas características, sublinhou-se, «o seu ideal comunista, a sua natureza de classe como partido político e vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, a sua ideologia marxista-leninista, a sua estrutura orgânica e funcionamento assentes no centralismo democrático e a sua política patriótica e internacionalista».
«Ao contrário do que proclamam as forças do capital e as posições capitulacionistas, o ideal comunista não está morto nem moribundo. Ele existe e existirá enquanto em qualquer sociedade uma minoria detentora dos meios de produção explorar a maioria da população – a população trabalhadora», refere a Resolução Política. Também o centralismo democrático – particularmente posto em causa no âmbito da campanha anticomunista – foi reafirmado pelo Congresso: «assegurar por um lado a democracia interna e assegurar, por outro lado, uma única orientação geral e uma única direcção central.»
Firme no combate
Pouco mais de dois anos após o XIII Congresso (Extraordinário), o Partido realizou, em Almada, nos dias 4, 5 e 6 de Dezembro de 1992, o seu XIV Congresso. Neste intervalo de tempo, a situação agravou-se ainda mais no País e no mundo. A União Soviética fragmentou-se e dissolveu-se e o capitalismo foi restaurado; o PSD de Cavaco Silva reconquistou a maioria absoluta nas legislativas de 1991.
Mas, ao contrário do que muitos desejavam, o Partido não se apresentou no congresso «para traçar uma linha de recuo, de defensiva, de desesperada conservação, a partir da ideia do “declínio irreversível”», como salientou, na abertura dos trabalhos, Álvaro Cunhal. Não era um partido «desanimado pelos acontecimentos, com o Norte perdido e lutando pela sobrevivência», mas sim um partido «firme, convicto, com ideias fundamentadas acerca do presente e com uma rota clara traçada».
No lema, transparecia essa mesma confiança, já manifestada no anterior congresso: «Democracia e Socialismo – o Futuro de Portugal».
Ao abordar a situação internacional, o Secretário-geral do PCP afirmaria que a desagregação da URSS e dos países do Leste da Europa «significou uma súbita e radical alteração da correlação mundial de forças, ficando o imperialismo em condições de pretender restabelecer a sua hegemonia mundial». Essa alteração, prosseguiu, «não significa que o capitalismo seja um sistema superior e final».
Álvaro Cunhal lembrou ainda que o século XX fica marcado «pelo início de uma nova fase da evolução da sociedade, com profundas e radicais transformações revolucionárias a nível planetário». E reafirmou: «Nós não esquecemos e lutamos para que não sejam esquecidas as grandes conquistas sociais, políticas e culturais que foram alcançadas na URSS e em numerosos outros países.»
Rejeitando a inevitabilidade do «declínio irreversível» dos partidos comunistas, o Secretário-geral do PCP manifestou a «convicção profunda que, onde quer que desapareçam partidos comunistas, os trabalhadores e os povos acabarão por criá-los de novo, com esse ou outro nome, sem dúvida com particularidades resultantes da situação concreta em que actuam e da própria história e experiência».
Velhos e novos senhores
«A restauração do capitalismo monopolista é a história sinistra de uma cruzada de espoliações conduzida pela política de direita», salientou Álvaro Cunhal. Cruzada esta marcada por um «cortejo de inconstitucionalidades, ilegalidades, violências, fraudes, especulações, benesses, negociatas, tráfico de influências, corrupção e escândalos».
Entre os quais se destaca a nomeação de administradores para as empresas nacionalizadas cujo objectivo central era, não o seu êxito, mas a criação de condições favoráveis à sua privatização; a política de crédito respondia ao objectivo de as «afogar» financeiramente; as operações de vendas e os leilões ao desbarato. Assim se constituíram novos grupos económicos e regressaram os «velhos e poderosos grupos dos grandes senhores da ditadura fascista (os Mellos, os Champallimaud, os Espírito Santo e outros)».
Ao mesmo tempo, o governo chefiado por Cavaco Silva conduzia um processo de desfiguração e perversão da democracia política». Era a governamentalização do poder; a eliminação progressiva dos mecanismos de fiscalização e acção governativa; a limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, particularmente, dos trabalhadores; a tentativa de sufocar o poder local e de impor a revisão das leis eleitorais. A integração europeia, que dera um salto qualitativo com a adesão ao Tratado de Maastricht, colocava também na ordem do dia a luta pela soberania e independência nacionais.
O reforço da luta de massas – nomeadamente dos trabalhadores e de outras camadas proletarizadas e antimonopolistas – foi então apontado como o caminho para derrotar o governo do PSD/ Cavaco Silva (que se consumaria menos de quatro anos depois). O reforço do PCP, garantiu Álvaro Cunhal, era do interesse, «não apenas dos comunistas mas de todos os trabalhadores, de todo o povo, de todos os verdadeiros democratas».
O Programa, os Estatutos
e o novo Secretário-geral
O XIV Congresso do PCP foi chamado a apreciar alterações aos documentos fundamentais do Partido – o Programa e os Estatutos. Sobre o Programa, a proposta do Comité Central baseava-se na necessidade de sistematizar melhor o tratamento dado aos processos revolucionário e contra-revolucionário; a melhor ligação entre o Programa da Revolução Democrática e Nacional e o Programa da Democracia Avançada; o enriquecimento do leque dos direitos sociais; o aprofundamento, com base na experiência própria e nas experiências internacionais, da proposta de sociedade socialista que o PCP propõe para Portugal.
No decorrer do debate preparatório foram feitas mais de 700 propostas de emenda. As alterações ao Programa seriam aprovadas com apenas uma abstenção.
Quanto aos Estatutos, acentuou-se com mais rigor a definição da natureza de classe e do seu papel de vanguarda; a caracterização da sua base teórica, o marxismo-leninismo; a apresentação dos objectivos orgânicos.
O Comité Central, eleito na noite de dia 5, reuniu de imediato para eleger os seus organismos – Secretariado, Comissão Política e Comissão Central de Controlo. Álvaro Cunhal foi eleito presidente do Conselho Nacional e Carlos Carvalhas assumiu o cargo de Secretário-geral. Na intervenção de encerramento do Congresso, o novo Secretário-geral afirmou que «após o seu XIV Congresso, o PCP orgulha-se de ser um partido comunista, o grande partido da classe operária e de todos os trabalhadores portugueses, firme na defesa dos interesses do povo, determinado na luta pelo progresso e pela justiça social, tendo no horizonte o socialismo».