Uma oculta força do poder

Jorge Messias
Há dias veio a público uma sondagem acerca das ainda longínquas eleições legislativas, assinada pela Universidade Católica (ou seja, o Patriarcado) apoiada nos seus pivots do costume. Num mundo em mudança e em plena crise, não lembra ao diabo fazer previsões a um ano de prazo. Tanto mais que o título que encima a notícia é categórico: «Maioria absoluta ao alcance do PS». Depois, os dados da sondagem são puramente delirantes. Sem qualquer base científica, o inquérito assegura que o PS obterá 41% dos votos e que o eleitorado português se comportará como seu súbdito fiel! Contra tudo e contra todos, a UCP procura projectar a imagem dos seus próprios anseios. Fala das legislativas de olhos postos nas autárquicas. Para instalar nas mentes dos cidadãos a ideia de que é inútil votar a favor da mudança agora, visto que depois tudo voltará à mesma.
Se a sondagem é ridícula ela deve, no entanto, merecer a nossa atenção. Em Portugal, o poder da Igreja é o poder do Estado e de igual modo, mudanças de atitude em relação à propriedade privada seriam também catastróficas para o clero. A nível autárquico e a nível do Estado é fundamental que tudo se mantenha tal como está. O povo deve aceitar, sem lutas nem revoltas, os desníveis sociais existentes. Deus o quer!
Assim, interessa vermos como se organiza e alarga a influência católica entre as populações e no binómio Igreja/Estado.
Quando se proclamou a República, a Igreja tinha já oito séculos de ligações íntimas com a Coroa. Há centenas de anos que entrara no mundo dos negócios, comandava armadas e dominava a importação e a exportação. Mas não dispunha, à escala nacional, de uma rede caritativa organizada. Actos isolados de uma ou outra Misericórdia, deste ou daquele Hospício, pouco significavam politicamente.
A intervenção católica sistemática a três níveis interligados (Estado, Sociedade Civil, Mundo Empresarial) só começou a ser pensada em finais do século XIX, princípios do século XX, por reacção às grandes transformações sociais operadas, primeiro pelo mutualismo laico, depois pelo 5 de Outubro, finalmente pelo 25 de Abril. Pelo meio ficaram perto de 50 anos de repressão fascista durante os quais a Igreja Católica conservadora e reaccionária mas com a noção das exigências modernas, lançou âncoras onde muito bem quis e lhe apeteceu.
Actualmente, bem poderá dizer-se que o poder político em Portugal é subsidiário do poder oculto da Igreja. Os principais sistemas sociais do Estado
(desde a Segurança Social e do Trabalho ao sistemas do Ensino e da Saúde), foram desarticulados e sofreram os terríveis efeitos dos brutais cortes orçamentais. Em alternativa e com generosos subsídios estatais surgiu um verdadeiro império encoberto dirigido pelo cartel Igreja/capital e com livre trânsito em todo o território nacional. Clínicas e colégios privados em lugar de hospitais e escolas públicas, creches, lares para idosos, centros sociais, refeições para pobres, apoios à família, etc., tudo sob a direcção da igreja e com dinheiros vindos do Estado e das empresas privadas. Contam-se por milhares as iniciativas «filantrópicas» particulares, ainda que sem grande peso na suavização da miséria e do desemprego em Portugal. Mas, ampliadas pela publicidade que ensina a não pensar, estas acções servem para criar entre as camadas pobres, humildes mas conservadoras da população, a noção de uma total dependência e impotência colectiva. Os homens passam mas a pobreza fica, sempre presa à fatalidade das diferenças sociais entre os homens.
São estes os objectivos da Igreja portuguesa, imobilista e encalhada no tempo.
Pena é que o espaço falte. Mas podíamos, para terminar, falar de raspão no caso do Banco Alimentar Contra a Fome, exemplo de uma IPSS «desinteressada» e católica. A organização afirma a finalidade de apenas servir os pobres. Recebe do Estado contribuições sob a forma de subsídios. Das grandes empresas, donativos e parte do excesso dos seus stoks. Do cidadão comum, aquilo que ele lhe puder oferecer. O Banco Alimentar orienta a sua actuação pelo princípio da conciliação de classes. É benéfica para o cidadão porque aplaca a revolta moral que a miséria lhe pode causar e lhe dá uma esmola. É positiva para as empresas, visto que escoa os seus excedentes e concorre para lhes aumentar as vendas. E é necessária ao Governo e à Igreja, dado que se substitui à acção social do Estado democrático, funciona com base no voluntariado e distribui as suas recolhas a partir de instituições piedosas tais como os centros paroquiais, as conferências vicentinas, as congregações e fundações católicas, as comunidades locais, as ATL, os lares de idosos, etc.
Toda esta rede é praticamente indetectável. O grande objectivo é condicionar as vontades, criando laços de necessidade submissa e de sujeição e convencendo os simples da inutilidade da mudança.
Os mesmos traços que identificam, também, a famigerada sondagem eleitoral da Católica.


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