O céu e a terra

Correia da Fonseca
Como se sabe, tem vindo a acontecer que, após os telenoticiários principais, as três estações portuguesas de TV, embora talvez umas mais que outras, transmitam reportagens acerca de assuntos porventura mais graves e seguramente mais próximos que a gravidez de qualquer actriz norte-americana mais célebre pelo que lhe sucede na cama que pelo que lhe acontece diante das câmaras de filmagem. Assim, a SIC transmitiu na passada segunda-feira uma reportagem do jornalista Luís Franco que sob o título de «Padres Políticos» abordava, embora sumariamente, o percurso de cinco cidadãos (se não estou a esquecer nenhum, como espero) que entenderam, e muito bem, que pelo facto de serem sacerdotes não estavam impedidos de terem uma clara intervenção política, talvez muito pelo contrário. São eles os padres Albino Carneiro, Edgar Silva, Martins Júnior, Manuel Trindade e Mário Tavares. É claro que por este nosso País afora há muitos mais padres com intervenções políticas, pois ser “político” não corresponde apenas a exercer ou ter exercido uma função formal na estrutura política do Estado democrático: basta lembrarmo-nos do que acontece em muitos púlpitos em tempo eleitoral, do que se ouviu durante a ainda não distante campanha para o referendo sobre a IVG, do que há poucos dias ainda foi dito pelo senhor bispo D. António Marto, para que não nos sobrem dúvidas acerca disso. Mas aqueles cinco sacerdotes destacaram-se no plano mediático por terem assumido funções políticas de representação democrática e/ou por a sua acção interventiva ter suscitado alguma polémica. Não é certamente por acaso, nem sem peculiares consequências, que três deles exercem ou exerceram o seu sacerdócio na Ilha da Madeira tendo-se oposto àquele senhor gordo e de desagradável aspecto que não tem tento na língua. Para mais, dois deles, Edgar Silva e Mário Tavares, situam-se na área da CDU, o que ainda suscita espanto pelo menos em áreas que até parecem menos cristãs embora apenas sejam menos esclarecidas. De facto, o padre Albino Carneiro é presidente de uma câmara eleito pelo PSD e é de crer que o facto não constitua motivo de escândalo para virtuosos e bem-pensantes. Provavelmente na esperança de que a sua opção corresponda mais a um sentimento de direita política que ao de uma efectiva socialdemocracia esquerdizante, mas essa é uma outra questão.

Da palavra ao acto

O caso de sacerdotes católicos, isto é, cristãos, que alinham politicamente com a militância comunista continua a ser o que provoca mais estranhezas e, por isso mesmo, o que reclama alguns esclarecimentos que até deviam ser catalogados na área do óbvio mas infelizmente não o são. Convém, antes do mais, que recordemos de onde provém o Cristianismo, de que princípios, de que ensinamentos, de que (não se surpreenda ninguém com a palavra) protestos. É adequado e porventura necessário que depois disso atentemos nestas sociedades actuais que quando lhes convém se dizem cristãs mas de facto são pagãs, idólatras e bárbaras. A dura verdade é que dois mil anos depois da crucificação o Cristianismo não floresceu em lado nenhum sob a forma de uma sociedade verdadeiramente cristã, isto é, de facto devotada aos valores da fraternidade, da partilha e da Paz recomendada pelo seu fundador. Aliás, cabe sublinhar que esta evidente falência do Cristianismo no estabelecimento de sociedades coerentes com a doutrina reduz ao ridículo os que tentam sepultar o projecto socialista por ele não ter resistido a setenta anos de uma experiência sempre cercada por abutres. E é evidente que, hoje, os valores cristãos de incidência cívica (a tal efectiva fraternidade, a partilha, a reivindicação da Paz) estão situados nas trincheiras onde os comunistas lutam e onde, naturalmente, está um Edgar Silva. Bem se pode dizer que é nesse lugar que se encontram o Céu e a Terra, a palavra cristã e o acto que a concretiza. Isto não disse, é claro, a reportagem da SIC. Mas é a lição que se recolhe depois do conhecimento dos factos e de alguma reflexão.


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