Educação física, nova escola e desporto popular (II)

A. Mello de Carvalho
As relações entre a escola, a educação física, o desporto escolar e a prática desportiva popular, são directas, profundas e essenciais. Ao contrário do que é normalmente referido, esta múltipla relação não se justifica somente pelas necessidades do desenvolvimento desportivo e pela detecção precoce dos futuros campeões. As influências daquelas actividades são essenciais para a estruturação da própria personalidade da criança e do jovem. Interessa agora analisar a questão do exclusivo ponto de vista da própria escola, procurando fornecer achegas para esclarecer algumas ideias correntes, objectivamente falsas e definir um estatuto para a educação física compatível com as necessidades do maior número, ou seja, da população juvenil oriunda dos meios populares.
Quando se diz que a escola é um compromisso que hipoteca o futuro da Nação, e se descobre, na prática, que a maioria dos discursos se caracterizam por uma profunda hipocrisia, pois aquela preocupação não encontra tradução concreta, é porque qualquer coisa de muito profundo e grave circula na veias do Poder. Aqui só referimos este problema e as suas consequências no sentido de se analisar a relação da educação física com o desporto popular.
As escolas públicas do ensino obrigatório, são o único local onde a quase totalidade das crianças das camadas populares podem aceder a uma acção formativa essencial. Conhecem-se bem as atribulações que esta perspectiva, aliás, reconhecida e defendida por todos tem sofrido na prática.
A reforma da escola, do ensino, dos conteúdos e dos métodos, é referida, ininterruptamente desde há décadas até este momento. Qual o papel que, neles, tem sido atribuído à educação física? Do antigo ensino primário, passou-se ao 1.º ciclo do ensino básico, mas esta «disciplina» sofreu alguma transformação sensível? Qual a perspectiva do Sistema de Ensino e que função lhe foi atribuída?
Tudo indica, todos os sinais reconhecíveis levam a fazer crer, que prevalece uma concepção redutora que se limita a procurar introduzir algumas das modernas tecnologias, mantendo-se a antiga distinção entre «disciplinas» fundamentais e «disciplinas» secundárias. No entanto, perante a crise social que se vive, a mutação do conteúdo das formações deveria assumir um papel essencial para debelar a crise da escola.
A desvalorização da educação física verificada no ensino é do mesmo tipo da que caracterizou, nas últimas décadas, a sua atitude perante uma autêntica «cultura técnica». Porém, os cidadãos activos e cultivados de que o País necessita para enfrentar os desafios do futuro, para construir uma nova sociedade, exigem que se liquide uma visão fechada a estes importantes aspectos da cultura moderna.
Há já muitos anos que se sabe que a solicitação da totalidade das capacidades humanas não é um luxo. A necessidade social da educação física, como actividade totalizante da expressão dessas capacidades, tem vindo a exprimir-se de forma crescente, não somente como um elemento de equilíbrio, mas como uma componente indispensável para a construção de personalidades mais ricas e autónomas. Hoje, tudo isto se conjuga para que cientificamente esteja comprovado o papel privilegiado que a educação física deve assumir na luta contra o insucesso escolar, a renovação do sistema educativo e a segregação social no acesso às actividades formativas, entre as quais o desporto se afirma com identidade própria insubstituível.
A visão do dualismo filosófico separando o corpo do espírito, que comandou durante tanto tempo a actuação prática da escola, deve ser definitivamente arrumada nas prateleiras do tempo. Mas mesmo naqueles que se empenham já nesta luta, encontra-se frequentemente uma subvalorização da lógica própria das «disciplinas» ditas «manuais» que não teriam de se preocupar com estruturações de carácter global, pois tudo se regularia através da prática. De facto, esta perspectiva não é mais do que uma nova perspectiva do antigo dualismo. Tudo isto tem de ser substituído por uma visão unitária da ciência e dos saberes a transmitir. É ela, aliás, que coloca em primeiro plano as questões do insucesso escolar e da abertura da escola sobre a vida.
O conceito de insucesso deve ser manuseado com infinitamente mais cuidado do que tem acontecido, nessa autêntica inflação das referências que lhe são feitas e das subsequentes soluções apontadas. É indispensável compreender que as dificuldades da inadaptação escolar por parte da criança e do jovem, aparecem claramente como indicadores de perturbações sociais e, portanto, os remédios não podem assumir um carácter exclusivamente técnico e escolar.
Isto é tanto mais importante quanto já se sabe que a relação do indivíduo com o saber e com a cultura, não é de natureza exclusivamente psicológica individual. A criança não pode isolar-se do meio em que vive, nem ser separada da totalidade das práticas nas quais participa quotidianamente. Estas só assumem real significado em função das relações sociais que constituem a base do seu significado simbólico.


Mais artigos de: Argumentos

Um quebra-cabeças<br>que «brada aos céus»!...

Fantasiando, poderia dizer-se que «em casa onde não há pão, todos ralham mas alguém tem razão». Nesta altura, no mundo capitalista, chegam de toda a parte queixas, ralhos, críticas, amuos e tentativas de justificação. Os tecnocratas lançam críticas uns aos outros sobre as verdadeiras razões dos vergonhosos recuos da...

O direito a entender

A televisão mostrou-nos imagens do acolhimento dispensado por Israel a militantes do Hamas em perigo de vida na sequência dos violentos confrontos havidos com militantes da Fatah. Na verdade, se bem olhei e entendi, o tal acolhimento não terá sido nada de espectacularmente simpático: pareceu-me ver uns sujeitos de...