Ir ao fundo e voltar
Depois da SAPEC encerrar a mina que constituía o único sustento do Lousal, é a vez da Câmara de Grândola pôr em causa o futuro da aldeia mineira, ao não cumprir antigas promessas de requalificação urbana e entrega das casas aos habitantes.
Os habitantes do Lousal não abdicam de serem os donos das suas casas
O alcatrão da estrada acaba à entrada dos blocos de casas na aldeia do Lousal, localidade mineira do concelho de Grândola. O resto está para ser alcatroado assim que estejam construídos os ramais de ligação das habitações à rede de esgotos. Mas ao mesmo tempo que a autarquia se recusa a completar a obra enquanto os habitantes da aldeia não pagarem por ela, estes só estão dispostos a pagar quando as casas em que vivem lhes pertencerem.
Fernando Travassos, antigo presidente da câmara municipal e actual vereador do PCP, considera que a atitude da autarquia levanta um problema legal. «O regulamento que está em vigor imputa claramente aos proprietários das habitações a responsabilidade de custear essa ligação», relata. Esses proprietários são a SAPEC – empresa mineira que explorou as minas do Lousal até ao seu encerramento e dona dos terrenos em que se situa a aldeia – e a própria câmara municipal.
Ao defender que os habitantes do Lousal não se liguem já à rede de esgotos, a actual maioria denota uma «grande insensibilidade», acusa o vereador comunista. A mina era o único sustento da aldeia e desde o seu encerramento que a população do Lousal enfrenta condições de vida difíceis. Além disto, esta atitude impede as populações de usufruírem de um investimento que está feito. Fernando Travassos lembra ainda que as estações de tratamento de águas se degradam se não forem utilizadas.
A postura da câmara, que classifica de «chantagem», levanta também um problema de moral e ética política. A entrega gratuita das casas aos moradores foi uma das principais promessas eleitorais do PS nas últimas eleições, recorda Fernando Travassos, que considera inaceitável que uma vez no poder no concelho, seja este mesmo partido a fazer depender o cumprimento desta promessa do pagamento da ligação à rede de esgotos.
Nos anteriores mandatos, a autarquia de Grândola – então de maioria CDU – deu passos decididos no sentido de entregar as casas aos seus legítimos donos. Foi durante esta maioria que alguns bairros passaram da posse da SAPEC para a câmara, com o objectivo de entregar em seguida as habitações aos seus moradores. Mas a vitória eleitoral do PS em 2001 interromperia esse caminho. Desde essa altura, lembra o ex-presidente da câmara, nunca mais se ouviu por parte da autarquia uma palavra acerca das casas da SAPEC. «Hoje em dia nem sabemos se estas casas passarão para as pessoas ou não», afirma.
Luta provoca recuos
Alarmada pelo elevado preço (cerca 300 euros) que o executivo municipal pedia pela ligação dos ramais à rede de esgotos, a população do Lousal mobilizou-se. José Baguinho, responsável do PCP pelo concelho de Grândola, destaca a movimentação popular e o seu início no plenário convocado pela eleitos da CDU na câmara e assembleia municipais e na Assembleia de Freguesia. «As pessoas aceitaram as posições do CDU e do PCP», destaca.
O ponto alto deste combate foi, até ao momento, a deslocação à reunião de câmara dos habitantes da aldeia, que pagaram do seu bolso o aluguer de um autocarro. Confrontado com tal oposição, o presidente da câmara, Carlos Beato, reagiu mal, iniciando a chantagem com a posse das habitações.
A determinação das populações foi tal que o executivo da câmara tentou recuar, anunciando a redução do preço da ligação. «Passaram de 300 para 30 euros», denuncia Joana Pontes, habitante do Lousal. «Quando se falava de um determinado preço que as pessoas tinham que pagar pelas ligações dos esgotos, partia-se do princípio que havia ali algo de objectivo», declara José Baguinho. Com tal redução, surgem várias dúvidas acerca do critério como o valor foi calculado o valor a cobrar, denuncia o dirigente do PCP.
Mas nem com esta cedência, a autarquia evitou a contestação. A posse das casas, e não o preço da ligação à rede de esgotos, era já a questão fundamental. «As pessoas não vão pagar enquanto as casas não forem suas», confia Joana Pontes.
Autarquia esquece programa de reabilitação
Aldeia ou cenário?
A falta de saneamento básico é apenas mais um dos inúmeros problemas que o Lousal enfrenta. Se nada for feito, é a própria existência da aldeia que pode estar ameaçada.
Aldeia desenvolvida ou cenário para turista ver? Parece ser este o dilema que o Lousal enfrenta actualmente. Com o encerramento das minas de pirite nos últimos anos da década de oitenta, a aldeia perdeu a sua única fonte de sustento. Apesar de tudo, mantém uma população relativamente numerosa – cerca de mil habitantes –, que apenas o afecto pela tradição e vida mineira poderá explicar. «Sente-se a paixão das pessoas pelo Lousal, ao mesmo tempo que se sentem as marcas de uma vida dura, marcada por uma forte exploração», considera Fernando Travassos, anterior presidente da Câmara de Grândola. Mas as novas gerações, que não trabalharam na mina e não sentem tal apego à terra, precisam de perspectivas de futuro para se manterem no Lousal.
Foi exactamente a pensar no futuro da aldeia mineira que os anteriores executivos camarários, de maioria CDU, se empenharam num projecto de reabilitação do Lousal. Da imprescindível parceria entre a autarquia e a SAPEC, proprietária de todas as infra-estruturas existentes, nascia o RELOUSAL na segunda metade da década passada.
O projecto, já iniciado, apresenta uma forte aposta no turismo, aproveitando o precioso património industrial do Lousal e as suas ricas tradições, ainda presentes. Com o museu mineiro, já em funcionamento, e a possibilidade de descer à mina, a atracção de turistas é quase certa. Fernando Travassos confia que este projecto dinamizaria economicamente o Lousal e permitiria a criação de postos de trabalho em número suficiente para fixar à terra os muitos jovens que lá habitam e que não encontram, actualmente, grandes perspectivas de vida. A falta de terrenos livres para a construção de habitações agrava este problema. Joana Pontes, habitante do Lousal, ironiza: «Não podemos esperar que as pessoas morram para os filhos ficarem com as casas do pais. É preciso encontrar terrenos para construir.»
Caminhos diferentes
Com a vitória eleitoral do PS nas eleições autárquicas de 2001, este projecto foi posto em causa, acusa Fernando Travassos. Para o ex-presidente da Câmara, o RELOUSAL «pressupõe como condição básica para ter sucesso a qualidade de vida das populações». Na opinião do vereador do PCP, tanto a SAPEC como a autarquia parecem estar interessadas em fazer do Lousal uma espécie de «parque temático», onde se aproveitaria a descida à mina para atrair turistas, fazendo das pessoas que lá vivem «um simples cenário». Se são cenário, afirma, «é evidente que não está no centro das preocupações devolver-lhes as casas, recuperar-lhes as habitações nem, tão pouco, ligar-lhes os esgotos». Contrariando a ideia do cenário, o vereador comunista lembra que os mineiros não são uma atracção turística. «Os mineiros existem, vivem lá e são a nossa principal preocupação», afirma.
Apesar de tudo, a parte turística do projecto avança. Mas Fernando Travassos rejeita que se trate do projecto que ajudou a nascer enquanto estava à frente da autarquia. «O que se está a ver é a tentativa de fazer crer que o projecto continua, mas os principais interessados neste projecto estão a ser postos em causa», acusa o ex-presidente da Câmara. «Ou as populações continuam a ser as principais destinatárias do projecto ou já não é o mesmo projecto», alega. Para além disto, a reabilitação da aldeia tem um prazo. Se tardar, alerta, será outra população que não a mineira a beneficiar.
Fernando Travassos discorda do comportamento da autarquia e da empresa, mas não se considera surpreendido. Na sua opinião, a SAPEC defende a concepção do «parque temático» e apenas aceitava os projectos do antigo executivo municipal porque sabia que «não abdicávamos da nossa concepção». A SAPEC, afirma, «não pode ser olhada como uma empresa “mecenas”. Têm património e querem valorizá-lo». Quanto à Câmara Municipal, denuncia, revela a mesma falta de entusiasmo que o PS sempre revelou face a este projecto. O vereador do PCP recorda que o PS aceitou como normal o fecho das minas e que sempre considerou «utópicas» quaisquer tentativas para desenvolver o Lousal.
<Reabilitar ou «arranjar»
Desde há muito que as diferenças dos projectos propostos por PCP e PS para o Lousal são notórias. No anterior mandato, quando era força maioritária na Câmara Municipal de Grândola, o PCP propôs uma solução para a reabilitação urbana da aldeia, que implicava a passagem das casas para os seus moradores a um preço muito simbólico. Este valor, que nunca ultrapassaria os 300 contos, seria canalizado para um fundo específico destinado à recuperação das habitações.
«Passar as casas para as mãos das pessoas assim como estão é um presente envenenado», refere Fernando Travassos, lembrando o seu estado de degradação. «Chegámos a recuperar um bloco, sem comparticipação», recorda o vereador. Quanto à recuperação individual das casas, é inviável, diz. Por um lado, porque a maioria das pessoas não pode pagar a sua recuperação, por outro, as casas são em banda, o «que impossibilita a recuperação individual mesmo para quem tenha condições para tal».
A esta proposta do PCP, o PS respondeu com demagogia, e «acenou com a hipótese de as casas virem a ser de borla», considera o ex-presidente da Câmara Municipal. O tempo acabaria por desmascarar o conteúdo dissimulado da proposta e por revelar que, afinal, tamanha generosidade tinha contrapartidas. Terminada a construção da rede de saneamento básico, a autarquia chantageou os moradores do Lousal: ou pagam os esgotos ou pagam as casas. Do projecto de recuperação nunca mais se ouviu falar…
Fernando Travassos dá outro exemplo das diferentes posturas dos dois partidos, enquanto forças dirigentes da autarquia grandolense. No último mandato, a autarquia, então de maioria CDU, apresentou uma candidatura para um projecto de luta contra a pobreza na aldeia do Lousal. A maior parte das verbas previstas – cerca de 150 mil contos – era destinada à recuperação das habitações. Mas o PS, através da Junta de Freguesia de Azinheira de Barros e do Centro Regional de Segurança Social, apresentou uma outra candidatura, que acabaria por ser aprovada. O objectivo principal era, segundo o ex-presidente da Câmara, «fazer oposição e tentar ganhar influência». Nesta candidatura, apenas 15 mil contos foram gastos nas habitações, em pequenas reparações, servindo o resto para o apoio a centros de dia ou para cursos de formação, ou seja, «naquelas coisas que permitiam manter uma influência directa de poder».
Propriedade privada
Bairro dos carrascos, bairro dos especializados, bairro da direcção: eram estes alguns dos nomes dos aglomerados de casas que compõem a aldeia mineira do Lousal, no concelho de Grândola. Os nomes vêm da profissão dos que os habitavam, mas as diferenças vão para além da toponímia. À opulência do palacete onde habitava a direcção opunha-se a pobreza dos bairros operários, compostos por pequenas casas construídas em banda, com algumas divisões comuns.
Joana Pontes mora no Lousal e recorda as diferenças sociais. «Há uma zona que tem grandes vivendas, lindíssimas, onde moravam os médicos e os engenheiros», evoca. Nos bairros operários mais antigos, as casas tinham duas divisões, uma cozinha e um pequeno quarto. Quem casasse passava para uma residência maior. Com o crescimento da aldeia, construíram-se as casas em banda, com cozinha e balneários comuns.
A rígida estratificação e a separação dos bairros por profissões é uma das características do Lousal. Mas minas de São Domingos, por exemplo, as coisas passavam-se de forma diferente, sendo os operários obrigados a mudar de casa consoante as alterações na exploração da mina. Ímpar no Lousal é também a enorme dispersão entre os aglomerados de casas, a revelar a profunda segregação profissional vivida na mina. «Não há nenhum outro caso no Alentejo de uma aldeia com esta população ter um perímetro tão alargado», afirma Fernando Travassos.
É também por estas características, considera o vereador, que a requalificação da aldeia é necessária. «Se é importante que os vestígios do modelo de povoamento mineiro se conservem, é também fundamental criar uma maior qualidade de vida para as populações», destaca. Para isso, defende, é preciso criar melhores espaços públicos e equipamentos que liguem os vários bairros uns aos outros».
Nos finais dos anos 80, a SAPEC, dona de toda a aldeia, optou por fechar a mina, pois a sua reconversão era mais dispendiosa do que quaisquer rendimentos que dela tirasse.
Lousal, S.A.
Joana Pontes lembra-se da sua aldeia quando a mina funcionava. «Não era preciso sair do Lousal para nada, havia de tudo, até hospital e maternidade», recorda. Mas isso era dantes. Com a mina, foi-se tudo o resto. Onde antes era o hospital é hoje uma pequena zona comercial, de artesanato local, no aglomerado central da aldeia, onde antes funcionavam todos os serviços centrais da mina de pirite. Ao contrário do que antes sucedia, actualmente é preciso sair do Lousal para quase tudo…
«A aldeia toda era privada», afirma Fernando Travassos. «As casas, a igreja, as escolas, tudo foi construído pela empresa», destaca. Para o ex-presidente da Câmara, este facto não é alheio à construção tardia de um conjunto de equipamentos, que as aldeias em redor já possuem há vários anos. É o caso do saneamento básico, lembra.
Com o 25 de Abril, a «Câmara vai assumindo as suas responsabilidades face à população do Lousal e vai-se progressivamente normalizando o estatuto da aldeia», recorda o vereador do PCP. «Só há meia-dúzia de anos, após o encerramento da mina, é que se iniciaram estas obras», lembra. E o projecto de «fazer alguma coisa por aquela aldeia parte de nós, porque a oposição talvez até pusesse a hipótese daquela população sair dali». Pese embora a determinação do poder local, a posse privada da aldeia atrasou os avanços que Abril abrira. «A Câmara teimosamente foi cumprindo as suas competências: ligou água, luz, e, agora, os esgotos.» Mas o Lousal foi o último. Em tudo.
PCP fundamental para o arranque da luta
Papel reconhecido
José Baguinho, responsável pela organização do PCP no concelho de Grândola, considera que o PS ficou desorientado pela forte movimentação da população do Lousal contra o pagamento da ligação à rede de saneamento. Confrontado pela oposição, o presidente da Câmara, Carlos Beato, apenas conseguiu acusar os moradores da aldeia mineira de terem sido manobrados pelo PCP. Esta desorientação teve o seu corolário na distribuição anónima de um comunicado falso em nome dos eleitos comunistas, no qual estes alegadamente pediriam desculpa à população por a terem «atiçado» contra a Câmara e dariam razão ao seu presidente na condução do problema criado no Lousal. Para o dirigente comunista, «isto mostra que estamos no bom caminho, que estamos a lutar ao lado da população do Lousal para que os compromissos assumidos sejam efectivamente cumpridos».
Joana Pontes acompanhou o processo desde o início. Militante comunista e cabeça de lista da CDU à Assembleia de Freguesia de Azinheira de Barros (que a coligação perdeu por três votos, embora no Lousal tivesse ficado muito à frente), reconhece que o PCP teve um papel destacado na organização do protesto, o que, aliás, é conhecido da população. «Muita gente veio ter comigo a pedir que fizéssemos alguma coisa», recorda. E fez-se. O plenário convocado pelos eleitos comunistas nos vários órgãos autárquicos seria o primeiro episódio da luta contra uma medida que indignava as populações da martirizada aldeia. Uma luta que prosseguiu e que deu – e continua a dar – muitas dores de cabeça aos actuais responsáveis pela autarquia.
«O PCP já esteve no Lousal depois disso, numa iniciativa muito participada», relata José Baguinho, destacando o prestígio que os comunistas gozam na aldeia mineira. Prestígio tal que valeu a entrada para as suas fileiras de mais seis militantes do Lousal nas últimas semanas.
Fernando Travassos, antigo presidente da câmara municipal e actual vereador do PCP, considera que a atitude da autarquia levanta um problema legal. «O regulamento que está em vigor imputa claramente aos proprietários das habitações a responsabilidade de custear essa ligação», relata. Esses proprietários são a SAPEC – empresa mineira que explorou as minas do Lousal até ao seu encerramento e dona dos terrenos em que se situa a aldeia – e a própria câmara municipal.
Ao defender que os habitantes do Lousal não se liguem já à rede de esgotos, a actual maioria denota uma «grande insensibilidade», acusa o vereador comunista. A mina era o único sustento da aldeia e desde o seu encerramento que a população do Lousal enfrenta condições de vida difíceis. Além disto, esta atitude impede as populações de usufruírem de um investimento que está feito. Fernando Travassos lembra ainda que as estações de tratamento de águas se degradam se não forem utilizadas.
A postura da câmara, que classifica de «chantagem», levanta também um problema de moral e ética política. A entrega gratuita das casas aos moradores foi uma das principais promessas eleitorais do PS nas últimas eleições, recorda Fernando Travassos, que considera inaceitável que uma vez no poder no concelho, seja este mesmo partido a fazer depender o cumprimento desta promessa do pagamento da ligação à rede de esgotos.
Nos anteriores mandatos, a autarquia de Grândola – então de maioria CDU – deu passos decididos no sentido de entregar as casas aos seus legítimos donos. Foi durante esta maioria que alguns bairros passaram da posse da SAPEC para a câmara, com o objectivo de entregar em seguida as habitações aos seus moradores. Mas a vitória eleitoral do PS em 2001 interromperia esse caminho. Desde essa altura, lembra o ex-presidente da câmara, nunca mais se ouviu por parte da autarquia uma palavra acerca das casas da SAPEC. «Hoje em dia nem sabemos se estas casas passarão para as pessoas ou não», afirma.
Luta provoca recuos
Alarmada pelo elevado preço (cerca 300 euros) que o executivo municipal pedia pela ligação dos ramais à rede de esgotos, a população do Lousal mobilizou-se. José Baguinho, responsável do PCP pelo concelho de Grândola, destaca a movimentação popular e o seu início no plenário convocado pela eleitos da CDU na câmara e assembleia municipais e na Assembleia de Freguesia. «As pessoas aceitaram as posições do CDU e do PCP», destaca.
O ponto alto deste combate foi, até ao momento, a deslocação à reunião de câmara dos habitantes da aldeia, que pagaram do seu bolso o aluguer de um autocarro. Confrontado com tal oposição, o presidente da câmara, Carlos Beato, reagiu mal, iniciando a chantagem com a posse das habitações.
A determinação das populações foi tal que o executivo da câmara tentou recuar, anunciando a redução do preço da ligação. «Passaram de 300 para 30 euros», denuncia Joana Pontes, habitante do Lousal. «Quando se falava de um determinado preço que as pessoas tinham que pagar pelas ligações dos esgotos, partia-se do princípio que havia ali algo de objectivo», declara José Baguinho. Com tal redução, surgem várias dúvidas acerca do critério como o valor foi calculado o valor a cobrar, denuncia o dirigente do PCP.
Mas nem com esta cedência, a autarquia evitou a contestação. A posse das casas, e não o preço da ligação à rede de esgotos, era já a questão fundamental. «As pessoas não vão pagar enquanto as casas não forem suas», confia Joana Pontes.
Autarquia esquece programa de reabilitação
Aldeia ou cenário?
A falta de saneamento básico é apenas mais um dos inúmeros problemas que o Lousal enfrenta. Se nada for feito, é a própria existência da aldeia que pode estar ameaçada.
Aldeia desenvolvida ou cenário para turista ver? Parece ser este o dilema que o Lousal enfrenta actualmente. Com o encerramento das minas de pirite nos últimos anos da década de oitenta, a aldeia perdeu a sua única fonte de sustento. Apesar de tudo, mantém uma população relativamente numerosa – cerca de mil habitantes –, que apenas o afecto pela tradição e vida mineira poderá explicar. «Sente-se a paixão das pessoas pelo Lousal, ao mesmo tempo que se sentem as marcas de uma vida dura, marcada por uma forte exploração», considera Fernando Travassos, anterior presidente da Câmara de Grândola. Mas as novas gerações, que não trabalharam na mina e não sentem tal apego à terra, precisam de perspectivas de futuro para se manterem no Lousal.
Foi exactamente a pensar no futuro da aldeia mineira que os anteriores executivos camarários, de maioria CDU, se empenharam num projecto de reabilitação do Lousal. Da imprescindível parceria entre a autarquia e a SAPEC, proprietária de todas as infra-estruturas existentes, nascia o RELOUSAL na segunda metade da década passada.
O projecto, já iniciado, apresenta uma forte aposta no turismo, aproveitando o precioso património industrial do Lousal e as suas ricas tradições, ainda presentes. Com o museu mineiro, já em funcionamento, e a possibilidade de descer à mina, a atracção de turistas é quase certa. Fernando Travassos confia que este projecto dinamizaria economicamente o Lousal e permitiria a criação de postos de trabalho em número suficiente para fixar à terra os muitos jovens que lá habitam e que não encontram, actualmente, grandes perspectivas de vida. A falta de terrenos livres para a construção de habitações agrava este problema. Joana Pontes, habitante do Lousal, ironiza: «Não podemos esperar que as pessoas morram para os filhos ficarem com as casas do pais. É preciso encontrar terrenos para construir.»
Caminhos diferentes
Com a vitória eleitoral do PS nas eleições autárquicas de 2001, este projecto foi posto em causa, acusa Fernando Travassos. Para o ex-presidente da Câmara, o RELOUSAL «pressupõe como condição básica para ter sucesso a qualidade de vida das populações». Na opinião do vereador do PCP, tanto a SAPEC como a autarquia parecem estar interessadas em fazer do Lousal uma espécie de «parque temático», onde se aproveitaria a descida à mina para atrair turistas, fazendo das pessoas que lá vivem «um simples cenário». Se são cenário, afirma, «é evidente que não está no centro das preocupações devolver-lhes as casas, recuperar-lhes as habitações nem, tão pouco, ligar-lhes os esgotos». Contrariando a ideia do cenário, o vereador comunista lembra que os mineiros não são uma atracção turística. «Os mineiros existem, vivem lá e são a nossa principal preocupação», afirma.
Apesar de tudo, a parte turística do projecto avança. Mas Fernando Travassos rejeita que se trate do projecto que ajudou a nascer enquanto estava à frente da autarquia. «O que se está a ver é a tentativa de fazer crer que o projecto continua, mas os principais interessados neste projecto estão a ser postos em causa», acusa o ex-presidente da Câmara. «Ou as populações continuam a ser as principais destinatárias do projecto ou já não é o mesmo projecto», alega. Para além disto, a reabilitação da aldeia tem um prazo. Se tardar, alerta, será outra população que não a mineira a beneficiar.
Fernando Travassos discorda do comportamento da autarquia e da empresa, mas não se considera surpreendido. Na sua opinião, a SAPEC defende a concepção do «parque temático» e apenas aceitava os projectos do antigo executivo municipal porque sabia que «não abdicávamos da nossa concepção». A SAPEC, afirma, «não pode ser olhada como uma empresa “mecenas”. Têm património e querem valorizá-lo». Quanto à Câmara Municipal, denuncia, revela a mesma falta de entusiasmo que o PS sempre revelou face a este projecto. O vereador do PCP recorda que o PS aceitou como normal o fecho das minas e que sempre considerou «utópicas» quaisquer tentativas para desenvolver o Lousal.
<Reabilitar ou «arranjar»
Desde há muito que as diferenças dos projectos propostos por PCP e PS para o Lousal são notórias. No anterior mandato, quando era força maioritária na Câmara Municipal de Grândola, o PCP propôs uma solução para a reabilitação urbana da aldeia, que implicava a passagem das casas para os seus moradores a um preço muito simbólico. Este valor, que nunca ultrapassaria os 300 contos, seria canalizado para um fundo específico destinado à recuperação das habitações.
«Passar as casas para as mãos das pessoas assim como estão é um presente envenenado», refere Fernando Travassos, lembrando o seu estado de degradação. «Chegámos a recuperar um bloco, sem comparticipação», recorda o vereador. Quanto à recuperação individual das casas, é inviável, diz. Por um lado, porque a maioria das pessoas não pode pagar a sua recuperação, por outro, as casas são em banda, o «que impossibilita a recuperação individual mesmo para quem tenha condições para tal».
A esta proposta do PCP, o PS respondeu com demagogia, e «acenou com a hipótese de as casas virem a ser de borla», considera o ex-presidente da Câmara Municipal. O tempo acabaria por desmascarar o conteúdo dissimulado da proposta e por revelar que, afinal, tamanha generosidade tinha contrapartidas. Terminada a construção da rede de saneamento básico, a autarquia chantageou os moradores do Lousal: ou pagam os esgotos ou pagam as casas. Do projecto de recuperação nunca mais se ouviu falar…
Fernando Travassos dá outro exemplo das diferentes posturas dos dois partidos, enquanto forças dirigentes da autarquia grandolense. No último mandato, a autarquia, então de maioria CDU, apresentou uma candidatura para um projecto de luta contra a pobreza na aldeia do Lousal. A maior parte das verbas previstas – cerca de 150 mil contos – era destinada à recuperação das habitações. Mas o PS, através da Junta de Freguesia de Azinheira de Barros e do Centro Regional de Segurança Social, apresentou uma outra candidatura, que acabaria por ser aprovada. O objectivo principal era, segundo o ex-presidente da Câmara, «fazer oposição e tentar ganhar influência». Nesta candidatura, apenas 15 mil contos foram gastos nas habitações, em pequenas reparações, servindo o resto para o apoio a centros de dia ou para cursos de formação, ou seja, «naquelas coisas que permitiam manter uma influência directa de poder».
Propriedade privada
Bairro dos carrascos, bairro dos especializados, bairro da direcção: eram estes alguns dos nomes dos aglomerados de casas que compõem a aldeia mineira do Lousal, no concelho de Grândola. Os nomes vêm da profissão dos que os habitavam, mas as diferenças vão para além da toponímia. À opulência do palacete onde habitava a direcção opunha-se a pobreza dos bairros operários, compostos por pequenas casas construídas em banda, com algumas divisões comuns.
Joana Pontes mora no Lousal e recorda as diferenças sociais. «Há uma zona que tem grandes vivendas, lindíssimas, onde moravam os médicos e os engenheiros», evoca. Nos bairros operários mais antigos, as casas tinham duas divisões, uma cozinha e um pequeno quarto. Quem casasse passava para uma residência maior. Com o crescimento da aldeia, construíram-se as casas em banda, com cozinha e balneários comuns.
A rígida estratificação e a separação dos bairros por profissões é uma das características do Lousal. Mas minas de São Domingos, por exemplo, as coisas passavam-se de forma diferente, sendo os operários obrigados a mudar de casa consoante as alterações na exploração da mina. Ímpar no Lousal é também a enorme dispersão entre os aglomerados de casas, a revelar a profunda segregação profissional vivida na mina. «Não há nenhum outro caso no Alentejo de uma aldeia com esta população ter um perímetro tão alargado», afirma Fernando Travassos.
É também por estas características, considera o vereador, que a requalificação da aldeia é necessária. «Se é importante que os vestígios do modelo de povoamento mineiro se conservem, é também fundamental criar uma maior qualidade de vida para as populações», destaca. Para isso, defende, é preciso criar melhores espaços públicos e equipamentos que liguem os vários bairros uns aos outros».
Nos finais dos anos 80, a SAPEC, dona de toda a aldeia, optou por fechar a mina, pois a sua reconversão era mais dispendiosa do que quaisquer rendimentos que dela tirasse.
Lousal, S.A.
Joana Pontes lembra-se da sua aldeia quando a mina funcionava. «Não era preciso sair do Lousal para nada, havia de tudo, até hospital e maternidade», recorda. Mas isso era dantes. Com a mina, foi-se tudo o resto. Onde antes era o hospital é hoje uma pequena zona comercial, de artesanato local, no aglomerado central da aldeia, onde antes funcionavam todos os serviços centrais da mina de pirite. Ao contrário do que antes sucedia, actualmente é preciso sair do Lousal para quase tudo…
«A aldeia toda era privada», afirma Fernando Travassos. «As casas, a igreja, as escolas, tudo foi construído pela empresa», destaca. Para o ex-presidente da Câmara, este facto não é alheio à construção tardia de um conjunto de equipamentos, que as aldeias em redor já possuem há vários anos. É o caso do saneamento básico, lembra.
Com o 25 de Abril, a «Câmara vai assumindo as suas responsabilidades face à população do Lousal e vai-se progressivamente normalizando o estatuto da aldeia», recorda o vereador do PCP. «Só há meia-dúzia de anos, após o encerramento da mina, é que se iniciaram estas obras», lembra. E o projecto de «fazer alguma coisa por aquela aldeia parte de nós, porque a oposição talvez até pusesse a hipótese daquela população sair dali». Pese embora a determinação do poder local, a posse privada da aldeia atrasou os avanços que Abril abrira. «A Câmara teimosamente foi cumprindo as suas competências: ligou água, luz, e, agora, os esgotos.» Mas o Lousal foi o último. Em tudo.
PCP fundamental para o arranque da luta
Papel reconhecido
José Baguinho, responsável pela organização do PCP no concelho de Grândola, considera que o PS ficou desorientado pela forte movimentação da população do Lousal contra o pagamento da ligação à rede de saneamento. Confrontado pela oposição, o presidente da Câmara, Carlos Beato, apenas conseguiu acusar os moradores da aldeia mineira de terem sido manobrados pelo PCP. Esta desorientação teve o seu corolário na distribuição anónima de um comunicado falso em nome dos eleitos comunistas, no qual estes alegadamente pediriam desculpa à população por a terem «atiçado» contra a Câmara e dariam razão ao seu presidente na condução do problema criado no Lousal. Para o dirigente comunista, «isto mostra que estamos no bom caminho, que estamos a lutar ao lado da população do Lousal para que os compromissos assumidos sejam efectivamente cumpridos».
Joana Pontes acompanhou o processo desde o início. Militante comunista e cabeça de lista da CDU à Assembleia de Freguesia de Azinheira de Barros (que a coligação perdeu por três votos, embora no Lousal tivesse ficado muito à frente), reconhece que o PCP teve um papel destacado na organização do protesto, o que, aliás, é conhecido da população. «Muita gente veio ter comigo a pedir que fizéssemos alguma coisa», recorda. E fez-se. O plenário convocado pelos eleitos comunistas nos vários órgãos autárquicos seria o primeiro episódio da luta contra uma medida que indignava as populações da martirizada aldeia. Uma luta que prosseguiu e que deu – e continua a dar – muitas dores de cabeça aos actuais responsáveis pela autarquia.
«O PCP já esteve no Lousal depois disso, numa iniciativa muito participada», relata José Baguinho, destacando o prestígio que os comunistas gozam na aldeia mineira. Prestígio tal que valeu a entrada para as suas fileiras de mais seis militantes do Lousal nas últimas semanas.