Um telemóvel no Porto

Correia da Fonseca
Forçosamente vinculada à televisão e aos seus conteúdos, esta dupla coluna estava hoje praticamente obrigada a abordar um de dois assuntos que recentemente dominaram a TV que nos é fornecida: a ofensiva desencadeada contra a China a partir das perturbações no Tibete e o «motim» havido na Escola Carolina Michaëllis com a quase-agressão de uma aluna à professora de Francês. Sendo preciso escolher entre um e outro tema, parece mais prudente preferir o do Porto ao do Tibete, não por este ficar substancialmente mais longe mas sim para evitar que as más-línguas do costume disparem as habituais acusações de anti-americanismo selvagem e/ou de subserviente apoio a um país dirigido por um partido comunista. Quanto a isto, registarei que até na televisão alguém disse, ainda que discretamente, que nunca, em nenhum tempo histórico, o Tibete foi independente, sempre tendo sido considerado parte integrante da China. Quanto ao resto, que é vasto mas não é misterioso, resta desejar que os Jogos Olímpicos se realizem em Pequim, como o Dalai Lama afirma desejar, e que a representação norte-americana seja lá muito feliz. Tal como todas as outras, naturalmente. Arrumada assim essa questão, é tempo de passar ao caso do Porto que, como se sabe, escandalizou e emocionou o País. Não porque seja uma novidade absoluta e surpreendente que uma aluna use a força física contra uma professora: casos de professores agredidos por alunos entraram já numa espécie de trivialidade escolar sem que ninguém se importe muito com isso, salvo naturalmente a vítima da agressão. A diferença, e decisiva diferença, é que desta vez nós pudemos assistir repetidamente a tudo ou quase tudo, ouvir comentários que acompanharam o tristíssimo espectáculo, de algum modo «estar lá», o que é bem diferente de ouvir contar apressadamente. De onde a repercussão, os muitos comentários sábios ou nem por isso, o implícito libelo acusatório que o caso representa para o minimundo escolar português e não apenas para ele.

Entender

Como se sabe, há os que condenam a aluna, optando aliás pela evidência, os que censuram a professora falando de falta de tacto e de estratégia, os que responsabilizam a ministra da tutela e a sua equipa, os que alargam essa responsabilização a todos os anteriores titulares da pasta da Educação, os que não esquecem o primeiro-ministro. Não será excessivo dizer que todos têm razão em maior ou menor grau. Muito se repete que os tempos são outros e diferentes, o que implica que são diferentes e outros os alunos das escolas portuguesas. No âmbito desta ampla distribuição de responsabilidades e causas, cabe aqui lembrar a presença pesada da televisão. Foi Marcelo Rebelo de Sousa que ao enumerar os factores que hoje contribuem para a formação/educação de um jovem referiu a TV em primeiro lugar. Poder-se-á objectar talvez que o poder da televisão sobre os jovens não é já o que era, que o acesso à comunicação electrónica e o maremoto de telemóveis retiraram poder à antiga senhora dominante. Não nos iludamos, porém: a TV tem muitos tentáculos, muitos efeitos indirectos, e a voracidade consumista que também atinge os jovens, que muitas vezes faz deles os mais gravemente infectados, é sobretudo dos ecrãs dos televisores que arranca. Mas o mais esclarecedor de tudo será entender que estes jovens ávidos e sempre à beira da agressividade, quase febrilmente encerrados num egoísmo que excede o que é inevitável e mesmo natural na sua idade, habitados por uma insaciável febre consumista que inclui o sexo «aqui e agora» mais como consumo que como realização, pobres daquilo a que os mais velhos chamam «valores» mas paradoxalmente a abarrotarem de inseguranças, são o produto de uma sociedade que conduziu aos seus altares a avidez, a agressividade, o individualismo, a competição, o consumo. Que é inútil desejar uma juventude generalizadamente diferente sem que substituamos esta sociedade por uma outra. E, para que se mantenha a indispensável lucidez, recusar o equívoco que por aí anda a ser semeado segundo o qual tudo é consequência do 25 de Abril e da recuperação das liberdades aprisionadas: o contrário é que é verdade, esta sociedade que transpira violência e podridão é o produto do percurso anti-Abril. É a obra da contra-revolução.


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