Porreiro, pá!

Francisco Silva
Este dito de dois entusiasmados dirigentes - portugueses, é claro - da UE ficou famoso. Tinham-na feito bonita, o novo Tratado Europeu - pensaram com regozijo -, Tratado ao qual retiraram o qualificativo de «Constitucional» mais umas pingoletas, para não terem que andar aos referendos pelo Continente fora. Enfim, mais uma gracinha dos mandantes e bem pagos paus mandados da submergente Europa, como lhe chamou noutra altura um cidadão da emergente Índia.
O pior é que os mandantes da submergente Europa vão conseguindo que os seus humaníssimos, europeisticamente falando, paus mandados - admito, até que, em certos casos, haja quem julgue não o ser - levem por diante a sua sanha exploradora a todos os cantos. Muitos outros, ainda, fingem inviamente que julgam não estar a mando dos exploradores, nem disso estarem a beneficiar. É a teia moderníssima dos mecanismos de extracção da «velha» mais valia, que Marx esclareceu cientificamente, levando o conhecimento económico a dar um enorme passo em frente. Um conhecimento que aproveita muito, claro, aos sagazes exploradores, pululantes um pouco por toda a parte.
E desenganem-se os explorados. A exploração não se exerce só em directo, empresa a empresa, entre, por um lado, o empregador, colectivo ou não, acolitado pelos seus serventes executivos de alto nível, também explorados, mas ainda assim bem pagos enquanto instrumentos da exploração, e, por outro lado, os trabalhadores que vendem àquele a sua força de trabalho. O facto é que são igualmente instrumentos privilegiados da exploração, em geral, os legisladores e os executivos sénior dos Estados, isto é, os governos e outros dirigentes de alto nível. São instrumentos da exploração como o são, em geral, os gestores e dirigentes de alto nível das empresas.
O controlo do défice do OE no nosso País é um exemplo espectacular de procedimento de libertação de mais valias para apropriação do «sector privado», ou seja, pelos proprietários das «empresas». Já houve quem fizesse as contas e dissesse publicamente: o défice de 2008, em princípio já dentro dos parâmetros fixados, quase seria reduzido a zero sem contratos de estudos a consultores e sem o aumento de benefícios fiscais para a especulação financeira. Mas não vale a pena poupar também estes dinheiros, já se está dentro dos limites do défice - dizem. Entendeis o truque, leitores?
Observemos um exemplo destes por eles cerzido. Ora, um dos métodos de diminuir receitas estatais é o do corte de verbas às Universidades, entusiasmando professores ao «empreendedorismo». E, nos sectores onde é fácil fazer negócio rentável - porque onde não o é, deixam a instituição estiolar; não evoluiu, morre -, eles acorrem sofregamente, até cometendo erros, ao estímulo de Mariano Gago. Um sector fácil de captar para estudos dos professores-estrelas, com frequência mediáticos, são os municípios, em particular quando a Lei a isso os obriga, como é o caso dos PDMs(1), em fase de renovação por esse país fora. Negócio chorudo para consultores! Com três, quatro municípios - pensam - arranjamos renda mensal para dois anos, que pode ser da ordem das dezenas de milhares de euros, uma renda acumulada, só nisto, que será da ordem de grandeza, por exemplo, do mediático estudo que o LNEC fez para o futuro aeroporto de Lisboa. O dinheiro do Município vai para a «Universidade» - endividem-se, vendam património em hasta pública ao desbarato para especulação imobiliária, vá -, e o OE poupou, em IRC, por exemplo. Os enviados mediáticos, esses agrupamentos de professores-estrelas, fazem o que podem para seduzir os seus interlocutores de «fora de portas», do «interior profundo», com o seu gla­mour e truques por vezes quase do vigário e, como são universidades, celebram protocolos de acordo tipo utilidade pública, quantas vezes não tentando o ajuste directo, e conseguindo - pudera, com tão grandes sumidades, depois ninguém se atreverá a dizer que o PDM não é bom ou está errado -, os montantes pedidos sendo como que uma sobrefacturação, subtraídos como que muito subfacturadamente dos trabalhos que pedem que os municípios realizem, para aqueles poderem apresentar o power point final do «seu» projecto.
Bendita lei das maiorias absolutas municipais, bendita empreendorização das universidades, etc, que vão ajudar a uma ainda menor transparência dos processos, coerente com a malha de exploração acrescida, o objectivo do Mercado, e não, como se julgaria, com a satisfação das necessidades das pessoas…
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(1) PDM - Plano Director Municipal


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