O «grande circo» do desporto actual
O desporto vive, no momento actual, situações cuja gravidade, significado e alcance passam despercebidos à generalidade da opinião pública. Não porque esta não tenha capacidade de compreender o que se passa, mas fundamentalmente, devido ao grande processo de «intoxicação» informativa em curso.
Assim, muitos acontecimentos desportivos cujo significado social é negativo são apresentados pelos órgãos de informação como grandes «façanhas» desportivas, e aqueles que as realizam como autênticos «heróis» dos tempos modernos. São múltiplos os exemplos que se poderiam citar, desde as corridas de «fórmula» vária, em que os acidentes constituem o atractivo principal, até aos combates de boxe sem protecção adequada, passando por uma variedade de situações que, apesar de não serem menos graves (como a compra e venda de jogadores e as repercussões que têm no imaginário popular) já fazem parte do quotidiano sem qualquer estranheza.
Entre todos estes exemplos analisemos uma «prova» especial que começou por ser o «Paris – Dakar» e agora, imagine-se, Lisboa-Dakar! Apresentada através de uma campanha mediática com grande eco em todo o Mundo, a prova é considerada uma autêntica «epopeia moderna», em que à beleza insólita do deserto se alia a extraordinária robustez do sistema «homem-máquina». As verbas envolvidas nesta prova «desportiva»” atingem vários milhões de euros o que representa uma verba verdadeiramente astronómica para o nosso desporto.
As transmissões televisivas, de grande capacidade técnica e dramatismo, valorizam fundamentalmente o espectacular, procurando as maiores dificuldades possíveis num traçado que atravessa uma série de países africanos, vivendo todos eles dificuldades, e chegam, nalguns, a pôr em risco de vida a população de certas áreas. No entanto, para quem assiste a este grande acontecimento mediático com um mínimo de frieza e capacidade crítica, é bem visível que a actividade desportiva, ali, não serve senão de pretexto. O que está em causa, de facto, é o lucro que as televisões, os sponsors, as próprias marcas e o comércio, retiram deste grande «circo».
Ao serviço do dinheiro
África, continente onde se vive as maiores convulsões políticas e sociais do nosso tempo, onde a grande miséria recobre praticamente todos os países, é considerada como uma espécie de «terreno de jogo» ao serviço dos europeus com capacidade financeira para viverem as «últimas aventuras» do mundo moderno. Na verdade tudo se passa no «melhor dos mundos», sem que se levante qualquer critica a esse escândalo constituído por uma triste caravana, que em nome da aventura e pagando o preço de várias mortes, exporta para o deserto as piores roupagens dos falsos mitos de uma pretensa civilização de «bem-estar». Aquilo que se condena é a «submissão perversa que a indústria dos patrocinadores impõe ao mundo desportivo. É precisamente o desporto que se transforma num instrumento de desprezo levado do “mundo do bem-estar” para as terras em que a morte é uma realidade permanente, provocada pelas privações e o sofrimento: uma espécie de balanço paralelo ao lado das classificações da corrida».
Pode-se argumentar que se está perante um caso extremo, e, por isso, se levanta a nossa reprovação. Mas não é verdade. A atitude tomada é-o de facto contra a grande corrente de comercialização sem regra e limite das actividades desportivas, em que o desporto passou a colocar-se ao serviço do dinheiro (em lugar de se dar o contrário).
Quando se analisa uma prova como o Lisboa-Dakar, (ou qualquer outra cidade) não se pode deixar de sentir uma profunda sensação de mal estar: há algo de anormal neste enorme desperdício, na «ostentação vulgar do poder e da riqueza em locais em que os homens continuam a morrer de fome e de sede». Há qualquer coisa de anti-humano nesta grande girândola de vedetas, helicópteros, poeira e areia, olhos esgazeados de crianças disformes e velhos perplexos que assistem, inquietos, à passagem vertiginosa de bólides de reflexos refulgentes que custam, por unidade, aquilo que as suas aldeias gastarão em muitos anos de vida miserável.
Para quem está atento, existe uma relação entre a redução dos orçamentos oficiais e as preocupações expressas dentro do próprio Sistema Desportivo em se colocar ao serviço dos patrocinadores e das imagens de marca. Se, por um lado, é o Poder que «atira» o desporto para os braços da comercialização desregrada, por outro é o próprio Sistema que se presta a um processo de «coisificação», ou seja, se transforma a si mesmo numa «coisa» descarnada de humanidade e passa a servir interesses que lhe são alheios.
Claro, tudo isto no melhor dos mundos, ingenuamente apresentado como sendo a melhor forma de garantir o desenvolvimento desportivo.
Assim, muitos acontecimentos desportivos cujo significado social é negativo são apresentados pelos órgãos de informação como grandes «façanhas» desportivas, e aqueles que as realizam como autênticos «heróis» dos tempos modernos. São múltiplos os exemplos que se poderiam citar, desde as corridas de «fórmula» vária, em que os acidentes constituem o atractivo principal, até aos combates de boxe sem protecção adequada, passando por uma variedade de situações que, apesar de não serem menos graves (como a compra e venda de jogadores e as repercussões que têm no imaginário popular) já fazem parte do quotidiano sem qualquer estranheza.
Entre todos estes exemplos analisemos uma «prova» especial que começou por ser o «Paris – Dakar» e agora, imagine-se, Lisboa-Dakar! Apresentada através de uma campanha mediática com grande eco em todo o Mundo, a prova é considerada uma autêntica «epopeia moderna», em que à beleza insólita do deserto se alia a extraordinária robustez do sistema «homem-máquina». As verbas envolvidas nesta prova «desportiva»” atingem vários milhões de euros o que representa uma verba verdadeiramente astronómica para o nosso desporto.
As transmissões televisivas, de grande capacidade técnica e dramatismo, valorizam fundamentalmente o espectacular, procurando as maiores dificuldades possíveis num traçado que atravessa uma série de países africanos, vivendo todos eles dificuldades, e chegam, nalguns, a pôr em risco de vida a população de certas áreas. No entanto, para quem assiste a este grande acontecimento mediático com um mínimo de frieza e capacidade crítica, é bem visível que a actividade desportiva, ali, não serve senão de pretexto. O que está em causa, de facto, é o lucro que as televisões, os sponsors, as próprias marcas e o comércio, retiram deste grande «circo».
Ao serviço do dinheiro
África, continente onde se vive as maiores convulsões políticas e sociais do nosso tempo, onde a grande miséria recobre praticamente todos os países, é considerada como uma espécie de «terreno de jogo» ao serviço dos europeus com capacidade financeira para viverem as «últimas aventuras» do mundo moderno. Na verdade tudo se passa no «melhor dos mundos», sem que se levante qualquer critica a esse escândalo constituído por uma triste caravana, que em nome da aventura e pagando o preço de várias mortes, exporta para o deserto as piores roupagens dos falsos mitos de uma pretensa civilização de «bem-estar». Aquilo que se condena é a «submissão perversa que a indústria dos patrocinadores impõe ao mundo desportivo. É precisamente o desporto que se transforma num instrumento de desprezo levado do “mundo do bem-estar” para as terras em que a morte é uma realidade permanente, provocada pelas privações e o sofrimento: uma espécie de balanço paralelo ao lado das classificações da corrida».
Pode-se argumentar que se está perante um caso extremo, e, por isso, se levanta a nossa reprovação. Mas não é verdade. A atitude tomada é-o de facto contra a grande corrente de comercialização sem regra e limite das actividades desportivas, em que o desporto passou a colocar-se ao serviço do dinheiro (em lugar de se dar o contrário).
Quando se analisa uma prova como o Lisboa-Dakar, (ou qualquer outra cidade) não se pode deixar de sentir uma profunda sensação de mal estar: há algo de anormal neste enorme desperdício, na «ostentação vulgar do poder e da riqueza em locais em que os homens continuam a morrer de fome e de sede». Há qualquer coisa de anti-humano nesta grande girândola de vedetas, helicópteros, poeira e areia, olhos esgazeados de crianças disformes e velhos perplexos que assistem, inquietos, à passagem vertiginosa de bólides de reflexos refulgentes que custam, por unidade, aquilo que as suas aldeias gastarão em muitos anos de vida miserável.
Para quem está atento, existe uma relação entre a redução dos orçamentos oficiais e as preocupações expressas dentro do próprio Sistema Desportivo em se colocar ao serviço dos patrocinadores e das imagens de marca. Se, por um lado, é o Poder que «atira» o desporto para os braços da comercialização desregrada, por outro é o próprio Sistema que se presta a um processo de «coisificação», ou seja, se transforma a si mesmo numa «coisa» descarnada de humanidade e passa a servir interesses que lhe são alheios.
Claro, tudo isto no melhor dos mundos, ingenuamente apresentado como sendo a melhor forma de garantir o desenvolvimento desportivo.