Tretas, tratados & tratantes
Na altura em que o Estado português, sem deixar saudades, abandona a presidência de uma União Europeia que politicamente patina, economicamente fraqueja e militarmente se reforça, multiplicam-se os tratados ou propostas de tratado que tentam salvar do pior o projecto da Globalização. E não deixa de chamar a atenção a clara semelhança que existe entre o esquema de organização política da sociedade mundial adoptada pelo tratado da União Europeia e aquele que preside ao governo do Vaticano. Há um Papa (um Presidente) que dirige, em todo o mundo, a Igreja Católica, um Governo organizado em Dicastérios (ministérios), um Sínodo dos Bispos com funções consultivas e electivas, e as bases do poder eclesial – constituídas pelos diáconos, o clero secular e o laicado. Relativamente à União Europeia e após a ratificação do Tratado de Lisboa, cria-se o cargo de Presidente do Conselho, eleito pelos membros do Conselho da Europa (à semelhança do que acontece com o Conclave dos Bispos que elegem o Papa), reforçam-se os poderes dos ministérios da UE, com destaque para alguns deles como os dos Negócios Estrangeiros e da Segurança (em paralelo com o que se verifica nos casos da Secretaria de Estado do Vaticano e na Congregação da Doutrina da Fé), adoptam-se os princípios da maioria qualificada, da co-decisão e das minorias de bloqueio (também uma componente importante do Poder Papal) e institui-se a noção da «cooperação em parceria», nomeadamente em áreas vitais, como as da política externa, da segurança comum e da defesa, orientações que igualmente presidem aos conceitos defendidos pela Santa Sé e explicam certas orientações da Igreja ao desempenhar as diplomacias paralelas ou a cooperação em parceria, e ao apoiar as intervenções militares «humanitárias». A Igreja Católica declara-se una, santa, católica e apostólica. Após o Tratado de Lisboa, também a União Europeia não andará longe disso.
Opulência e Terceiro Mundo
É evidente que esta reforma comunitária contém riscos elevados. Sobretudo, porque favorece o poder dos estados desenvolvidos em prejuízo dos direitos dos países em vias de desenvolvimento. Com reflexos imediatos no alargamento do fosso entre ricos e pobres. Tenta-se, então, atenuar este factor negativo – por ser impopular
– promovendo a aparente «aproximação» táctica às populações e invocando a prática da Caridade cristã.
Dizem e os agentes religiosos e «europeus» da Pastoral que é preciso intensificar as «ajudas humanitárias» dos países ricos aos países pobres, e divulgar o facto em todo o mundo. A UE é o maior doador internacional. Só em 1996 distribuiu 871 milhões de «euros» pelos pobres de 60 países. Na Europa, as sondagens demonstram como estes actos são politicamente populares: 91% dos europeus aplaudem a generosidade capitalista. Porque se sabe que, em todo o mundo, há cerca de 850 milhões de famintos. Portanto, as ajudas humanitárias são de louvar em todos os sentidos. A prática da Caridade aplaca as consciências, retarda a ira dos pobres e quase faz esquecer as injustiças sociais que aumentam em todos os países, ricos ou não. E pode perfeitamente coexistir com o objectivo da acumulação de riqueza e da expansão do poder que é o motor principal da existência da UE.
As igrejas, nomeadamente a Católica, tornam-se então grandes vedetas da acção caritativa. Através delas e das religiões podem amortizar-se os custos da ajuda humanitária. De facto, grande parte do dinheiro do socorro aos pobres não sairá, dos cofres dos estados doadores mas resultará da generosidade dos cidadãos ainda não famintos. Por isso, só a igreja controla (em parceria com o Estado capitalista) as grandes redes mundiais das organizações humanitárias. Só em África, segundo se calcula, existem 40 mil ONGS. É certo que com acções muito dispersas e frequentemente pouco transparentes. Dos 2,3 biliões de dólares recolhidos nos últimos 50 anos pelas organizações caritativas (ou dos cerca de 106 mil milhões colectados só em 2005), 60% das verbas nem sequer chegaram ao seu destino. O dinheiro foi absorvido pela corrupção, pela burocracia ou pela voracidade das elites e transferiu-se da intenção caritativa para o bolso dos ricos. A lição que fica é que nem a Igreja, nem qualquer outra instituição privada se podem substituir ao Estado, a única entidade que deve cumprir as funções de repartir equitativamente a riqueza produzida colectivamente.
O alastramento da miséria origina, também, uma outra consequência gravíssima: a do fulminante crescimento do peso da componente militar e de segurança nos problemas sociais. É uma «bola de neve». As revoltas alastram, as expedições militares «humanitárias» sucedem-se, cresce a produção das armas, galopa a corrupção e volta-se ao princípio, sem nada se resolver: mais revoltas, mais corrupção, mais miséria e mais fome. Bem instalados, os bispos não se queixam. A única crítica que fizeram ao Tratado Reformador foi o facto de não ter incluído o reconhecimento explícito do papel da igreja na matriz cultural da Europa. Mas ao fim e ao cabo, tudo se resolveu e a Igreja declara-se agora plenamente satisfeita com os caminhos tomados pelo capitalismo reformador.
Opulência e Terceiro Mundo
É evidente que esta reforma comunitária contém riscos elevados. Sobretudo, porque favorece o poder dos estados desenvolvidos em prejuízo dos direitos dos países em vias de desenvolvimento. Com reflexos imediatos no alargamento do fosso entre ricos e pobres. Tenta-se, então, atenuar este factor negativo – por ser impopular
– promovendo a aparente «aproximação» táctica às populações e invocando a prática da Caridade cristã.
Dizem e os agentes religiosos e «europeus» da Pastoral que é preciso intensificar as «ajudas humanitárias» dos países ricos aos países pobres, e divulgar o facto em todo o mundo. A UE é o maior doador internacional. Só em 1996 distribuiu 871 milhões de «euros» pelos pobres de 60 países. Na Europa, as sondagens demonstram como estes actos são politicamente populares: 91% dos europeus aplaudem a generosidade capitalista. Porque se sabe que, em todo o mundo, há cerca de 850 milhões de famintos. Portanto, as ajudas humanitárias são de louvar em todos os sentidos. A prática da Caridade aplaca as consciências, retarda a ira dos pobres e quase faz esquecer as injustiças sociais que aumentam em todos os países, ricos ou não. E pode perfeitamente coexistir com o objectivo da acumulação de riqueza e da expansão do poder que é o motor principal da existência da UE.
As igrejas, nomeadamente a Católica, tornam-se então grandes vedetas da acção caritativa. Através delas e das religiões podem amortizar-se os custos da ajuda humanitária. De facto, grande parte do dinheiro do socorro aos pobres não sairá, dos cofres dos estados doadores mas resultará da generosidade dos cidadãos ainda não famintos. Por isso, só a igreja controla (em parceria com o Estado capitalista) as grandes redes mundiais das organizações humanitárias. Só em África, segundo se calcula, existem 40 mil ONGS. É certo que com acções muito dispersas e frequentemente pouco transparentes. Dos 2,3 biliões de dólares recolhidos nos últimos 50 anos pelas organizações caritativas (ou dos cerca de 106 mil milhões colectados só em 2005), 60% das verbas nem sequer chegaram ao seu destino. O dinheiro foi absorvido pela corrupção, pela burocracia ou pela voracidade das elites e transferiu-se da intenção caritativa para o bolso dos ricos. A lição que fica é que nem a Igreja, nem qualquer outra instituição privada se podem substituir ao Estado, a única entidade que deve cumprir as funções de repartir equitativamente a riqueza produzida colectivamente.
O alastramento da miséria origina, também, uma outra consequência gravíssima: a do fulminante crescimento do peso da componente militar e de segurança nos problemas sociais. É uma «bola de neve». As revoltas alastram, as expedições militares «humanitárias» sucedem-se, cresce a produção das armas, galopa a corrupção e volta-se ao princípio, sem nada se resolver: mais revoltas, mais corrupção, mais miséria e mais fome. Bem instalados, os bispos não se queixam. A única crítica que fizeram ao Tratado Reformador foi o facto de não ter incluído o reconhecimento explícito do papel da igreja na matriz cultural da Europa. Mas ao fim e ao cabo, tudo se resolveu e a Igreja declara-se agora plenamente satisfeita com os caminhos tomados pelo capitalismo reformador.