Comentário

A mulher e a indústria

Natacha Amaro
Inicia-se agora em Novembro, na Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros do Parlamento Europeu, a discussão do projecto de relatório de Ilda Figueiredo sobre o papel das mulheres na indústria.
Em média, 14% das mulheres empregadas na União Europeia trabalham na indústria e, nalguns países, essa média é superior a 25%, sendo em Portugal de quase 19%. Mas não é apenas o peso numérico das mulheres que reveste de importância este relatório. Na indústria de toda a Europa encontramos situações cada vez dramáticas, fruto das transformações do tecido económico e da manutenção de velhos problemas relacionados com a participação das mulheres no mundo do trabalho.

Caracterização geral

A presença das mulheres na indústria não é homogénea, no entanto, é possível identificar tendências que nos revelam a face desta participação: 86% das mulheres que trabalham na indústria, na Europa, fazem-no no sector transformador, destacando-se áreas como os têxteis, bordados e calçado, a cortiça, as cablagens, o material eléctrico e electrónico e a alimentação, enquanto que nas actividades ligadas às tecnologias de ponta a presença feminina é ainda bastante reduzida.
Esta primeira disposição é determinante para outras constatações deste relatório: as mulheres ganham menos (visto estarem em áreas em que predominam salários inferiores), são discriminadas salarialmente directa ou indirectamente (para a mesma tarefa não auferem, muitas vezes, o mesmo salário que um homem), não progridem hierarquicamente nas carreiras à mesma velocidade que os homens (quantas vezes ouvimos falar de fábricas com 100% de mão de obra feminina chefiadas por um homem?), e dispõem frequentemente de contratos colectivos de trabalho que não têm em devida conta as suas necessidades específicas.
Esta divisão desigual por sectores da indústria tão díspares também ressalta um outro problema ainda presente na sociedade actual: apesar de as mulheres serem cada vez mais bem sucedidas em áreas de estudo que durante muitos anos eram atribuídas quase exclusivamente aos homens (ciência, tecnologia, etc.), ainda lhes são negados os lugares devidos nesse nicho de mercado.
A esta caracterização poderíamos ainda somar outro conjunto de questões sobejamente conhecidas quando falamos de mulheres no mundo do trabalho. Os persistentes incumprimentos da legislação que protege as mulheres e as mães trabalhadoras, a precariedade e a flexibilidade crescentes no mercado de trabalho, a carência de equipamentos públicos de apoio à infância e aos idosos, o encerramento de escolas e de outros equipamentos com influência directa na vida das famílias, a injusta distribuição das tarefas domésticas no agregado familiar, entre outras.

Propostas

Do conjunto das propostas que este projecto de relatório contém, a que se juntarão, certamente, muitas outras durante esta fase de debate e discussão, são de destacar a insistência nas medidas urgentes de combate às discriminações salariais, a maior fiscalização das empresas no que toca as condições de trabalho, carga horária e cumprimento de direitos da maternidade e paternidade, a garantia de medidas no sentido de uma partilha equitativa das tarefas a fim de propiciar a conciliação das várias facetas da vida das mulheres e dos homens. A formação profissional das mulheres, com vista a melhorar as suas condições de emprego, é igualmente uma preocupação central, bem como uma maior participação feminina nos órgãos dos parceiros sociais europeus, no sentido de aumentar a consciencialização sobre a situação das mulheres e, ao mesmo tempo, contribuir para que nas negociações colectivas sejam incluídas propostas dirigidas aos problemas que as mulheres enfrentam.
As mutações estruturais de alguns sectores industriais, as imposições da concorrência e do comércio mundial e, em especial, as deslocalizações são factores de vulnerabilidade feminina porque, como refere o relatório, «as partes implicadas são, em primeiro lugar, as mulheres dos sectores industriais mais frágeis». Mas esta situação não se pode perpetuar ou vislumbrar como irreversível. Para que tal não aconteça, são necessárias propostas de alterações de leis, comportamentos e atitudes, nas quais este relatório se insere. Só com a proposta, o trabalho e a luta poderemos defender os direitos das mulheres e a sua participação condigna e igualitária no mercado de trabalho, contribuindo para a valorização do papel das mulheres na sociedade e no mundo.


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