Urumqi, terra do fim do mundo

Francisco Silva
Mão amiga - de momento não me ocorre outra expressão, senão esta que vou repetindo e tem todo o ar de lugar comum, mas nem por isso falha o alvo do seu real sentido -, portanto, mão amiga clicou na tecla e distribuiu mais uma preciosa informação, entre as muitas que, com persistência, ao longo dos anos nos vai enviando; e eu tendo privilégio de ser um dos «nos» contemplados pela mão amiga do Rui(1). O que foi que enviou desta vez?
Um artigo acerca de Urumqi(2). A capital do Sinquião, a região no noroeste da China. Conhecida como terra do fim de mundo, e o Sinquião, de que é capital, como um deserto, porventura ainda mais deserto que o Portugal ao sul do Tejo, como talvez estivesse aberto para aceitar tal qualificação o ministro Mário Lino. Ainda parte do deserto de Gobi? A Mongólia, a Sibéria, os países da Ásia Central, a desolação propriamente dita. Urumqi é mesmo conhecida como a cidade mais interior, mais longe de qualquer litoral, em todo o Mundo. É, como tantos pensarão, o interior dos interiores de uma China cuja transformação actual mal se estende para o interior a partir do Pacífico litoral - interior onde várias centenas de milhões de camponeses vivem a sua imutável existência.
Ora, esta visão foi de repente contraditada pelo artigo enviado pelo Rui, cujo título rezava: «Urumqi: China’s economic hub in Central Ásia», em português qualquer coisa como «Urumqi, centro económico da China para a Ásia central». Hmmm! Afinal é o fim do mundo ou é um centro do mundo? - no entanto, ainda sem entender bem, o choque da novidade a acirrar-me. Entretanto, consultando a Internet, li que Urumqi é uma cidade que já vai em mais de dois milhões de habitantes, pequena em comparação com as grandes cidades chinesas, mas, por exemplo na Península Ibérica, depois de Madrid e talvez Barcelona, seria a maior cidade. E já terá ultrapassado o tamanho de Bruxelas - outro exemplo. Por outro lado - a informar-me de questões básicas -, no Sinquião, região do povo Uigur, metade dos habitantes são de «etnia» Han, a maior da China. Bem, era tempo, fui relendo o artigo após a incursão por números da geografia humana local.
Do terceiro parágrafo: «Um boom comercial uniu a China ocidental com os seus antigos vizinhos soviéticos, partes mantidas separadas durante décadas pela frieza das relações entre Moscovo e Pequim. Se bem que constituam apenas ainda uma muito pequena fracção das exportações totais da China, os laços comerciais cresceram em exponencial desde a implosão soviética. De acordo com as estatísticas do Ministério do Comércio da China, o comércio do Cazaquistão com a China no primeiro trimestre de 2007 cresceu mais do que 55% em comparação com o primeiro trimestre de 2006. A televisão local informava um salto similar para a província do Sinquião, que domina o comércio chinês com a Ásia central». Além disso, «Situada a uma distância da fronteira do Cazaquistão de uma viagem longa de autocarro, Urumqi tornou-se num ponto-chave no transporte de bens da China para a Ásia Central e para a Rússia. Para alguns, a cidade volveu às suas raízes, enquanto ponto de paragem na antiga Estrada da Seda, ainda que os rugidos dos camiões de 18 rodas, chineses e russos, substituissem as caravanas de camelos do passado».
Curiosa é a referência feita pelo articulista ao facto de, visível através da cidade, o comércio publicitar os seus artigos em russo, com os seus caracteres cirílicos, e em chinês - um estranho «par», como ele diz, e, como eu digo, uma estranheza para os olhos de um ocidental, mas não em função das relações económicas que se desenvolvem naquela área.
Afinal Urumqi não é o fim do mundo mas um dos muitos centros deste novo mundo «global» - neste caso, o centro do Centro da Ásia. Além disso, pelos vistos, o processo que ocorre na China estará longe de se confinar à faixa litoral.
Pois é, a globalização, que de início parecia um instrumento da tríada «ocidental» - EUA, EU e Japão -, tríada que tinha instalado a sua «fábrica» fora de portas, em particular na China, a globalização está sair dos carris de controlo do Ocidente. Neste caso, é a própria Ásia Central, tão desprezada nas mentes ocidentais, pivotada pela China, pela língua russa, etc, a começar a constituir-se como uma grande região económica. Esperemos por mais notícias, que não se farão esperar.
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(1) Rui Namorado Rosa - Professor Universitário, Presidente do Conselho Português para a Paz e Cooperação.

(2) http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav071307.shtml


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