O caso dos bebés inexistentes

Correia da Fonseca
A população portuguesa está velha, como muito bem se sabe. Quase será adequado dizer que todos os dias se ouve repeti-lo na televisão a propósito disto ou daquilo, por vezes quase a propósito de coisa nenhuma, muitas vezes para justificar pela enésima vez por que é que a Segurança Social está pobrezinha e, estando pobrezinha, está cada vez menos segura e menos social. Está, pois, velha a população (velha e quase toda a jogar às cartas nos jardins públicos, a julgar pelas imagens que dela nos fornece a televisão) porque os da chamada terceira idade se obstinam em não morrer e porque nascem poucos meninos. Quanto à teima dos velhos em continuarem vivos e, para mais, em terem memória de um tempo em que a sua morte não era tão abertamente desejada em nome do bem comum e do equilíbrio das contas, não seria justo dizer que o governo não tem feito nada: através de medidas diversas e variadas, todas elas de eficácia maior ou menor, tem decretado o necessário para que aos velhos seja cada vez mais difícil e penoso sobreviver. Acerca de um outro factor de envelhecimento estatístico da população pouco ou nada se tem falado; nem o governo parece lembrar-se dela nem os media dele nos vêm dando conta, eles, que tanta coisa nos vêm contar: trata-se do engrossamento do caudal emigratório de portugueses que, perante o desaparecimento no País de condições para aqui ganharem a vida, optam por partirem para outros lugares onde são aproveitadas e apreciadas as suas capacidades de trabalho. São muitos milhares de homens e mulheres na força da vida que, no plano da estatística etária, de um momento para o outro é como se nunca tivessem nascido. Quando ao escasso nascimento de meninos e meninas, porém, decidiu agora o governo encarar a questão de frente, digamos assim, e passar a pagar uns prémios pecuniários a quem se atrever à arriscada aventura de ter filhos. Não é muito dinheiro comparativamente com o despesão que uma criança dá, mas o governo já nem precisa de abrir a boca para explicar os arrasantes motivos que o impedem de ser mais estimulante: nós todos já bem sabemos que há o Défice, espécie de bebé que é preciso alimentar não a biberão mas sim a sacrifícios, e sabemos também que não é possível ir ter com o punhadão de senhores que cada vez estão mais ricos e, invocando a vantagem nacional de haver mais nascimentos, pedir-lhes para que as suas empresas paguem taxas de contribuições e impostos iguais às que incidem sobre o comum das gentes. É que elas, as empresas, precisam de ser competitivas com as do Lá-Fora, ao passo que quem cá por baixo trabalha no duro não tem de ser competitivo com ninguém.

Algumas razões

Vêm, pois, mais uns dinheiritos para os heróicos casais que resolvam ter filhos, um ou preferência mais que um, e a coisa foi muito falada na TV, sendo sublinhada a boa-vontade do governo. Pouco falado, porém, embora ainda assim referido por um ou outro eterno insatisfeito, foi que a generosidade governamental é curta porque os prometidos pataquinhos não resolvem quase nada e talvez pouco excedam o custo de mais umas fraldas, umas roupinhas, uns medicamentos não comparticipados. Para estimular a sério a natalidade em Portugal seria preciso começar por garantir aos candidatos a pais a estabilidade no emprego sem a qual o projecto de ter filhos é uma aposta leviana cujas péssimas consequências podem recair sobre criaturinhas inocentes. Depois, seria preciso que as grávidas não fossem, como o são agora, brutalmente discriminadas nos empregos ou na procura de postos de trabalho. Seguidamente há a questão das casas, do custo fabuloso de prestações ou de rendas, pois não é saudável para as crianças viverem e crescerem amontoadas em Tês Uns. Quanto a creches para acolhimento dos futuros portuguesinhos providenciou o governo: haverá cento e trinta novas creches, e o senhor PM parece mesmo convencido de que isso é alguma coisa à escala nacional. Chegados aqui, já se vê que não chega o espaço para arrolar todas as razões que obstam ao aumento da natalidade em Portugal. Mas a população conhece-as. O governo é que parece que não.


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