À sombra da Concordata
Estalou o verniz nas relações entre os bispos portugueses, capitalistas e neoliberais, e o Governo de Sócrates, neoliberal e capitalista. Discretos porta-vozes do episcopado disseram, inclusivamente, que «a Igreja tem muitas zangas com o Governo». Um evidente exagero. Zanga não é expressão que quadre à boa imagem católica. Talvez arrufo, a abrir as portas à reconciliação. As razões de queixa dos bispos têm bom remédio. Com mais um punhado de milhões de «euros» e um alargamento quase imperceptível de benesses. À sombra da Concordata. A verdade é que o capitalismo não pode passar sem a igreja e, esta, sem o capitalismo. Querem os fados que D. José e o seu «clonado» irmão Sócrates voltem a cair nos braços um do outro.
Entretanto, este breve amuo permitiu ao cidadão comum entender um pouco com que linhas se cosem as hierarquias religiosas e um regime que nada tem a ver com as liberdades nem com os valores cristãos tradicionais codificados na doutrina social da igreja. O país corre riscos de ruptura institucional, a nacionalidade está cada vez mais em causa, o fosso entre pobres e ricos é abismal. O Governo espreme e suga o sangue dos mais pobres. A banca e a especulação financeira são donas e senhoras do mercado. Crescem os números da pobreza, da miséria das políticas educativas, dos índices negativos da saúde, da emigração, dos mass media, etc.. O escândalo e a corrupção tornaram-se no dia-a-dia do Poder.
Mas não são estas as razões das zangas dos bispos nem é disso que falam.
Venha a nós o vosso reino ...
De tão zangados que estavam, os bispos pediram audiência a Sócrates que, prontamente, lhes disse que sim. Facto interessante visto que quando os trabalhadores fazem a mesma proposta a Sócrates, este responde que não. O encontro foi considerado de alto nível e nada dele transpirou para a comunicação, como era de prever. Mas declarações de alguns bispos e documentos on line da Conferência Episcopal permitem calcular, com relativa segurança, o essencial da reunião.
A igreja foi dizer aos ministros que não tolerava mais esperas. Falta regulamentar a última versão da Concordata, sem a qual «o novo regime concordatário não poderá ser posto em marcha». Isto angustia os bispos.
Reconhecem que o Governo actual é composto por uma «minoria aguerrida» que a igreja aplaude e critica também por cultivar «um modelo antiquado que rejeita a dimensão religiosa da sociedade». É por causa destas e de outras que a «mentalidade laicista» cresce em Portugal. Os delegados eclesiásticos que foram a S. Bento terão também chamado a atenção do grande Sócrates para o facto do erário público não estar a contribuir suficientemente para o pagamento das «valências» garantidas pelas instituições católicas de solidariedade. Não basta apenas pagar 42% desses encargos, como actualmente acontece. É preciso pagar mais. Os bispos lembraram a Sócrates que as IPSS são responsáveis pelas respostas sociais dadas aos problemas nacionais da educação, da saúde, do acompanhamento espiritual de doentes e presos, do apoio à família e à natalidade, da construção e manutenção dos templos, da sobrevivência dos Centros Paroquiais, da assistência nos tempos livres (ATL), etc., etc..
D. José Policarpo também expressou um veemente desagrado a respeito da falta de consideração revelada pelo poder político noutras áreas sociais, tais como as capelanias, a imprensa de inspiração cristã (600 títulos em circulação, com 1,2 milhões de assinantes), a falta de apoios à Universidade Católica ou a necessária recondução das aulas de Religião nas escolas públicas. «Para uma verdadeira liberdade de ensino em Portugal» – argumentou – «seria fundamental subsidiar as famílias para que possam colocar os filhos onde acharem que eles serão melhor educados».
Então, de forma velada, os bispos sugeriram que, caso as verbas estatais não fossem rapidamente transferidas para as instituições religiosas, estas entrariam em ruptura e teriam de encerrar. Considerando somente o caso das ATL, o seu encerramento arrastaria o despedimento de milhares de trabalhadores. Que faria Sócrates perante a situação social caótica que então se estabeleceria?
Um pouco atarantado com esta santa indignação, Sócrates terá afirmado que nada sabia sobre estes assuntos mas que iria resolvê-los com brevidade. O reino seria devolvido à Igreja. A «deriva laicista» iria ser estancada. A justa retribuição seria integralmente paga à igreja. Manter-se-ia em vigor a Concordata de 1940.
Os bispos sorriram, bem dispostos, e abençoaram Sócrates. «Concordamos que os Estados sejam laicos», acrescentou D. Carlos Azevedo, membro do trio episcopal, «mas têm de respeitar a realidade social das nações e o pluralismo da dimensão religiosa das sociedades ...».
Por outras palavras: ou comem todos ou há moralidade!
Entretanto, este breve amuo permitiu ao cidadão comum entender um pouco com que linhas se cosem as hierarquias religiosas e um regime que nada tem a ver com as liberdades nem com os valores cristãos tradicionais codificados na doutrina social da igreja. O país corre riscos de ruptura institucional, a nacionalidade está cada vez mais em causa, o fosso entre pobres e ricos é abismal. O Governo espreme e suga o sangue dos mais pobres. A banca e a especulação financeira são donas e senhoras do mercado. Crescem os números da pobreza, da miséria das políticas educativas, dos índices negativos da saúde, da emigração, dos mass media, etc.. O escândalo e a corrupção tornaram-se no dia-a-dia do Poder.
Mas não são estas as razões das zangas dos bispos nem é disso que falam.
Venha a nós o vosso reino ...
De tão zangados que estavam, os bispos pediram audiência a Sócrates que, prontamente, lhes disse que sim. Facto interessante visto que quando os trabalhadores fazem a mesma proposta a Sócrates, este responde que não. O encontro foi considerado de alto nível e nada dele transpirou para a comunicação, como era de prever. Mas declarações de alguns bispos e documentos on line da Conferência Episcopal permitem calcular, com relativa segurança, o essencial da reunião.
A igreja foi dizer aos ministros que não tolerava mais esperas. Falta regulamentar a última versão da Concordata, sem a qual «o novo regime concordatário não poderá ser posto em marcha». Isto angustia os bispos.
Reconhecem que o Governo actual é composto por uma «minoria aguerrida» que a igreja aplaude e critica também por cultivar «um modelo antiquado que rejeita a dimensão religiosa da sociedade». É por causa destas e de outras que a «mentalidade laicista» cresce em Portugal. Os delegados eclesiásticos que foram a S. Bento terão também chamado a atenção do grande Sócrates para o facto do erário público não estar a contribuir suficientemente para o pagamento das «valências» garantidas pelas instituições católicas de solidariedade. Não basta apenas pagar 42% desses encargos, como actualmente acontece. É preciso pagar mais. Os bispos lembraram a Sócrates que as IPSS são responsáveis pelas respostas sociais dadas aos problemas nacionais da educação, da saúde, do acompanhamento espiritual de doentes e presos, do apoio à família e à natalidade, da construção e manutenção dos templos, da sobrevivência dos Centros Paroquiais, da assistência nos tempos livres (ATL), etc., etc..
D. José Policarpo também expressou um veemente desagrado a respeito da falta de consideração revelada pelo poder político noutras áreas sociais, tais como as capelanias, a imprensa de inspiração cristã (600 títulos em circulação, com 1,2 milhões de assinantes), a falta de apoios à Universidade Católica ou a necessária recondução das aulas de Religião nas escolas públicas. «Para uma verdadeira liberdade de ensino em Portugal» – argumentou – «seria fundamental subsidiar as famílias para que possam colocar os filhos onde acharem que eles serão melhor educados».
Então, de forma velada, os bispos sugeriram que, caso as verbas estatais não fossem rapidamente transferidas para as instituições religiosas, estas entrariam em ruptura e teriam de encerrar. Considerando somente o caso das ATL, o seu encerramento arrastaria o despedimento de milhares de trabalhadores. Que faria Sócrates perante a situação social caótica que então se estabeleceria?
Um pouco atarantado com esta santa indignação, Sócrates terá afirmado que nada sabia sobre estes assuntos mas que iria resolvê-los com brevidade. O reino seria devolvido à Igreja. A «deriva laicista» iria ser estancada. A justa retribuição seria integralmente paga à igreja. Manter-se-ia em vigor a Concordata de 1940.
Os bispos sorriram, bem dispostos, e abençoaram Sócrates. «Concordamos que os Estados sejam laicos», acrescentou D. Carlos Azevedo, membro do trio episcopal, «mas têm de respeitar a realidade social das nações e o pluralismo da dimensão religiosa das sociedades ...».
Por outras palavras: ou comem todos ou há moralidade!