Comentário

«Flexigurança»

Ilda Figueiredo
Imediatamente a seguir ao Conselho Europeu de Bruxelas, de 21 e 22 de Junho, a Comissão Europeia publicou uma comunicação sobre os princípios comuns da «flexigurança». Exactamente na mesma semana, em clara sintonia com esta comunicação, mas apontando caminhos ainda mais gravosos, foi conhecido, em Portugal, o livro branco sobre possíveis alterações à legislação laboral. Vê-se que o ministro Vieira da Silva quer apresentar trabalho de casa aos seus colegas dos 27 estados-membros da União Europeia, quando os for receber, em Guimarães, a 5 e 6 de Julho.
Vejamos, mais em pormenor, algumas das linhas da comunicação da Comissão Europeia, que, através de diversos floreados de linguagem sobre «mais emprego e de melhor qualidade, combinando flexibilidade e segurança», visa, de facto, desmantelar, até onde for possível e a luta dos trabalhadores deixar, o chamado «modelo social europeu».
A referida comunicação segue de perto o anterior livro verde sobre a legislação laboral, onde explicavam que pretendiam a modernização do direito do trabalho e a mobilização de todos os recursos relevantes para conseguir uma mão-de-obra competente, formada e adaptável, com o objectivo de melhorar a capacidade de resposta aos mercados de trabalho europeus e daí partiam para o ataque ao «modelo clássico» de contrato de trabalho, em vários planos: em termos de segurança de emprego, de remuneração e de estabilidade das condições de trabalho e, portanto, da própria vida pessoal e familiar dos trabalhadores.
Agora, a comunicação da Comissão Europeia sobre «flexigurança» afirma, preto no branco, que, para realizar os objectivos de Lisboa, as pessoas têm necessidade de segurança no emprego e não de segurança de emprego. E acrescentam que as empresas «devem poder adaptar o seu pessoal em função da evolução da situação económica; devem poder recrutar pessoas cujas competências estejam melhor adaptadas às suas necessidades».
Ou seja, o que pretendem é a liberalização dos despedimentos individuais sem justa causa, através da alteração dos prazos de pré-aviso, custos e procedimentos aplicáveis ao despedimento individual e colectivo, da definição de despedimento sem justa causa, da destruição dos actuais vínculos contratuais, da alteração do tempo e da organização do trabalho, com todas as consequências no ataque à própria contratação colectiva e à organização dos trabalhadores.
Por isso, nas quatro componentes políticas da «flexigurança» ao colocar «empregadores e trabalhadores» no mesmo prato da balança das disposições contratuais de uma «organização de trabalho moderna», desvalorizam a necessidade de proteger o emprego seguro e os direitos do elo mais frágil da relação laboral - os trabalhadores que precisam do trabalho e do salário para sobreviver.
Simultaneamente, remetem para a segurança social, o orçamento de Estado e os fundos comunitários, designadamente o FSE, a responsabilidade pelas outras três componentes da «flexigurança»: estratégias globais de aprendizagem ao longo da vida, políticas activas do mercado de trabalho e sistemas de segurança social modernos que dêem uma ajuda adequada ao rendimento, encorajando o emprego e facilitando a mobilidade no mercado de trabalho.
Como sabemos da experiência portuguesa, não se trata de atribuir e compensar com um generoso subsídio de desemprego esta mobilidade e estes despedimentos. Aliás, até a definição que fazem de «flexigurança» torna claro que, sob o pretexto de encorajar o emprego e a mobilidade no mercado de trabalho, os subsídios devem ser «adequados», não vão os trabalhadores recusar-se a aceitar um emprego longe de casa e da família, um salário baixo e um trabalho desqualificado.
No final da referida comunicação há alguns exemplos de «flexigurança», entre os quais aparece o trabalho temporário na Holanda. Só que entre as palavras e a realidade há uma grande distância como, mais uma vez, pude confirmar, no domingo passado, numa reunião, em Haia, com trabalhadores temporários portugueses. Sucederam-se os exemplos de experiências de exploração desenfreada dos trabalhadores, autêntica escravatura moderna, utilizando o desemprego e a pobreza de jovens portugueses para lhes dar «trabalho em troca de cama», de agências de trabalho temporário que apenas dão emprego dois ou três dias por semana, e em que o salário mal dá para pagar o mau alojamento fornecido pela própria empresa.
Claro que também há sempre um ou outro caso bem sucedido, mas as organizações de portugueses na Holanda chamam a atenção para a multiplicação de casos de absoluta pobreza nas ruas das principais cidades holandesas, sem que haja, da parte dos governos de Portugal e da Holanda, uma resposta eficaz a estas situações de exploração e de agravamento da pobreza.
A Comissão Europeia aponta algumas novas etapas na estreita ligação entre a «flexigurança» e a «estratégia de Lisboa», designadamente o objectivo de aprovar, antes do fim de 2007, uma série de princípios comuns e de os incluir nas linhas directrizes para o emprego, controlando a sua aplicação através dos relatórios que cada Estado-membro deverá apresentar.
O que objectivamente pretendem é liberalizar despedimentos sem justa causa, aumentar a insegurança da generalidade dos trabalhadores, fragilizar a contratação colectiva, desvalorizar as organizações sindicais, transformar em precário o vínculo permanente, destruir, na prática, o «modelo social europeu», aproveitando o pretexto da globalização capitalista.
Só a luta pode travar esta ofensiva.


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