Conspiração na Venezuela (conclusão)
Desde que Hugo Chávez declarou que não seria renovada a concessão à RCTV, este canal, que teve um papel preponderando no golpe de Abril, acentuou a campanha de provocação contra o governo bolivariano, tratando que o caso fosse visto internacionalmente como um ataque contra a democracia. A Sociedade Interamericana de Imprensa, que responde aos interesses dos donos dos jornais, foi das primeiras a alinhar com o canal golpista. Depois, conseguiu o apoio do senado chileno – ainda manchado de pinochetismo –, da Freedom House, instrumento do imperialismo, de tudo o que há do mais reaccionário no mundo e anda na azáfama de conseguir uma condenação no seio da OEA, o Ministério das colónias dos Estados Unidos. Ou seja, a RCTV, além de golpista e difamadora do governo bolivariano, trata de imiscuir organizações estrangeiras num assunto da soberania do estado venezuelano.
Até 1940, o espectro radioeléctrico esteve regido pela Lei de Telecomunicações, que foi parcialmente actualizada em 1952, com a chegada da televisão. Em 1961, em plena IV República, a Constituição estabeleceu que as comunicações eram competência do Estado, assim como os decretos que normalizavam conteúdos e regulações sobre as concessões, que foram sempre potestade do Estado. Em pleno regime burguês, em 1987, o governo, de orientação social-democrata, dispôs que eram por 20 anos. A da RCTV termina a 26 deste mês e não vai ser renovada, por muito que a reacção venezuelana e internacional se esganice a dizer que se trata de um ataque contra a liberdade de expressão.
Durante o governo bolivariano só foram fechados dois canais de televisão. O do Estado, quando a oligarquia deu o golpe de Abril [1] e uma televisão comunitária, por ordem de Alfredo Peña, golpista prófugo da justiça.
Um canal com «história»
A partir de 27 de Maio, a RCTV não terá mais sinal de transmissão aberta. Mas continua na posse de todas as suas instalações e equipamento e poderá transmitir via cabo, pelo que a sua «história» poderá continuar...
Vejamos parte dessa «história».
El Nacional, jornal que saudou em editorial o golpe de estado, [2] recorda-nos parte da história do canal dirigido por um sujeito de perfil gangsteril – Marcel Granier – e algumas das suas tropeli as e chantagens. Em 1976, Andrés Pérez, social-democrata, suspendeu o canal durante três dias por difundir «notícias falsas e tendenciosas». Em 1980, Herrera Campins, democrata-cristão, fechou-o por 36 horas acusando-o de «sensacionalista». No ano seguinte, voltou a ser posto fora do ar por emitir cenas de pornografia «hard core». O mesmo primeiro mandatário encerrá-lo-ia durante 24 horas «por ridiculizar o presidente de forma humilhante». Escandalizou-se o mundo com estas
decisões? Nem pensar! Eram zangas entre comadres. Não há muitos meses, o canal
apresentou, em horário infantil, uma série de degolamentos numa peça sobre a guerra «contra o terrorismo». O governo bolivariano deixou passar essa aberração como se nada se tivesse passado.
No exercício de um direito absolutamente legal e legítimo, Caracas decide não renovar a concessão a um canal historicamente golpista e o mundo capitalista brada aos céus. A democracia venezuelana corre perigo de morte, dizem. Cínicos! O peruano Alan Garcia acaba de fechar dois canais de televisão e três estações de rádio: Canal 15, Canal 27, Radio Ancash, Radio Miramar e Radio Armonia, por uma questão burocrática. Há pouco, na bushlândia, um canal foi multado em vários milhões de dólares porque um programa de televisão para crianças não era próprio para esse público. Algum escândalo internacional? Nada.
A CNN não podia faltar nesta cruzada contra o governo bolivariano. Há poucos dias noticiou uma marcha em Caracas contra o «encerramento» da RCTV. Muitos manifestantes e muitos cartazes, enquanto o locutor criticava esse atentado totalitário contra liberdade de expressão.
Aquilo até parecia ser verdade... Contudo, num dos cartazes lia-se claramente a palavra «Amado». Porquê? Muito simples. Aquela marcha não era em Caracas nem contra Chávez. Era no México, em Acapulco e tratava-se de um protesto contra o assassinato do jornalista Amado Ramírez, de Televisa, abatido pela balas do regime de Felipe Calderón, Fecal segundo o seu acrónimo mais popular.
E é assim que certa televisão, dita séria, faz jornalismo.
___________
[1] Enrique Mendoza, então governador do Estado Miranda, que inclui parte de Caracas, apareceu nos ecrãs dos canais comercial a anunciar que ia pôr fora do
ar – e fê-lo – essa «porcaria que é VTV» (o canal do Estado, nesse momento o único que defendia o governo constitucional).
[2] Edição de 19 de Março de 2007.
Até 1940, o espectro radioeléctrico esteve regido pela Lei de Telecomunicações, que foi parcialmente actualizada em 1952, com a chegada da televisão. Em 1961, em plena IV República, a Constituição estabeleceu que as comunicações eram competência do Estado, assim como os decretos que normalizavam conteúdos e regulações sobre as concessões, que foram sempre potestade do Estado. Em pleno regime burguês, em 1987, o governo, de orientação social-democrata, dispôs que eram por 20 anos. A da RCTV termina a 26 deste mês e não vai ser renovada, por muito que a reacção venezuelana e internacional se esganice a dizer que se trata de um ataque contra a liberdade de expressão.
Durante o governo bolivariano só foram fechados dois canais de televisão. O do Estado, quando a oligarquia deu o golpe de Abril [1] e uma televisão comunitária, por ordem de Alfredo Peña, golpista prófugo da justiça.
Um canal com «história»
A partir de 27 de Maio, a RCTV não terá mais sinal de transmissão aberta. Mas continua na posse de todas as suas instalações e equipamento e poderá transmitir via cabo, pelo que a sua «história» poderá continuar...
Vejamos parte dessa «história».
El Nacional, jornal que saudou em editorial o golpe de estado, [2] recorda-nos parte da história do canal dirigido por um sujeito de perfil gangsteril – Marcel Granier – e algumas das suas tropeli as e chantagens. Em 1976, Andrés Pérez, social-democrata, suspendeu o canal durante três dias por difundir «notícias falsas e tendenciosas». Em 1980, Herrera Campins, democrata-cristão, fechou-o por 36 horas acusando-o de «sensacionalista». No ano seguinte, voltou a ser posto fora do ar por emitir cenas de pornografia «hard core». O mesmo primeiro mandatário encerrá-lo-ia durante 24 horas «por ridiculizar o presidente de forma humilhante». Escandalizou-se o mundo com estas
decisões? Nem pensar! Eram zangas entre comadres. Não há muitos meses, o canal
apresentou, em horário infantil, uma série de degolamentos numa peça sobre a guerra «contra o terrorismo». O governo bolivariano deixou passar essa aberração como se nada se tivesse passado.
No exercício de um direito absolutamente legal e legítimo, Caracas decide não renovar a concessão a um canal historicamente golpista e o mundo capitalista brada aos céus. A democracia venezuelana corre perigo de morte, dizem. Cínicos! O peruano Alan Garcia acaba de fechar dois canais de televisão e três estações de rádio: Canal 15, Canal 27, Radio Ancash, Radio Miramar e Radio Armonia, por uma questão burocrática. Há pouco, na bushlândia, um canal foi multado em vários milhões de dólares porque um programa de televisão para crianças não era próprio para esse público. Algum escândalo internacional? Nada.
A CNN não podia faltar nesta cruzada contra o governo bolivariano. Há poucos dias noticiou uma marcha em Caracas contra o «encerramento» da RCTV. Muitos manifestantes e muitos cartazes, enquanto o locutor criticava esse atentado totalitário contra liberdade de expressão.
Aquilo até parecia ser verdade... Contudo, num dos cartazes lia-se claramente a palavra «Amado». Porquê? Muito simples. Aquela marcha não era em Caracas nem contra Chávez. Era no México, em Acapulco e tratava-se de um protesto contra o assassinato do jornalista Amado Ramírez, de Televisa, abatido pela balas do regime de Felipe Calderón, Fecal segundo o seu acrónimo mais popular.
E é assim que certa televisão, dita séria, faz jornalismo.
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[1] Enrique Mendoza, então governador do Estado Miranda, que inclui parte de Caracas, apareceu nos ecrãs dos canais comercial a anunciar que ia pôr fora do
ar – e fê-lo – essa «porcaria que é VTV» (o canal do Estado, nesse momento o único que defendia o governo constitucional).
[2] Edição de 19 de Março de 2007.