Pompa e esturro

Francisco Silva
O chamado processo de adequação a Bolonha cheira cada vez mais a esturro. Aliás, cada vez parece serem menos as coisas dimanadas deste Poder que não cheiram a esturro. Um esturro muito pouco condizente com a pompa do «plano tecnológico». E uma pompa das grandes - não se lembram da visita de Estado de Bill Gates a Portugal, e daquela onda de vénias governantes na assinatura de acordos com a Microsoft? Os media, como se aquilo fosse não só a coisa mais normal do mundo mas sobretudo uma demonstração de estarmos no bom caminho. Bom, mas isto era só para re-presentar o binário do esturro e da pompa, associáveis indelevelmente em face do tal «do plano tecnológico», e não para insistir demasiado nesta repetição. De então, água mais que bastante passou por baixo da ponte.
A Universidade Independente (UnI), estabelecimento privado, que tem estado na berra ultimamente, constitui-se também para este efeito como um exemplo importante. A atestar a importância da UnI não estaria apenas o facto da célebre preferência académica que lhe foi dada pelo PM para efectuar a sua licenciatura em engenharia, mais sabendo nós como as engenharias serão as profissões, ou no mínimo os diplomas - vulgo canudos -, mais emblemáticos em termos de plano ou choque tecnológico, e em particular os estudos de «inglês técnico». Nem, muito menos, o facto, referido nos media, do «chefe» do PSD ter sido professor na mesma UnI mais ou menos pela mesma altura, talvez um pouco antes das ocorrências académicas referidas para o PM, bastaria para atestar a importância da UnI.
Com efeito, a mesma UnI que foi mandada encerrar pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - uma associação a cheirar a exclusivista numa mesma pasta ministerial, um cheiro exclusivista no sentido de significar que o Ministro da Indústria e as empresas, cá em Portugal, não são considerados como parceiros relevantes para um choque tecnológico, e nisto esta arrumação das pastas apenas parecem querer comprovar a incompetência em termos de inovação de processo por parte do nosso tecido económico -, dizia eu, a mesma UNI, que foi mandada recentemente encerrar pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior devido ao seu elevado grau de degradação pedagógica, tinha visto o Governo aceitar, em 2006 - ainda não havia muito chegáramos a 2007 -, segundo o Jornal de Negócios, «a adequação a Bolonha de 20 cursos da Universidade Independente para 2006/07, metade dos quais tinha falhas identificadas pelos relatórios do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES)». Mais: «Entre 2000 e 2005, o CNAVES avaliou 11 licenciaturas da UnI, às quais são feitos significativos reparos à qualidade do corpo docente, ao sistema interno de gestão de qualidade e à estrutura curricular. Dez destes cursos foram adequados a Bolonha (…)»!
Em face do que acima se disse, que confiança pode merecer ao cidadão o chamado processo de adequação a Bolonha no nosso País?
E isto a acontecer ao mesmo tempo que se ouve dizer ter o mesmo Governo reprovado cursos em casos dos de maior excelência do ensino superior português, excelência claramente confirmada ao longo da sua existência, enquanto aprova, no mesmo processo de adequação a Bolonha, cursos, nas mesmas áreas, avaliados em níveis na cauda da classificação!
Sabemos nós, os cidadãos, que o esquema baratinho que a UE, a Europa, quer seguir, como acordou em Bolonha, é o esquema dos EUA em que, de 1500 estabelecimentos de ensino superior, serão do tipo europeu e português uns 10% do total, isto é, apenas umas 150 Universidades (entre as quais se encontram, é certo, algumas das melhores do mundo, as tais poucas competitivas)? E que as outras - quase todos os estabelecimento de ensino superior americanos - correspondem a um ensino do nível equivalente ao nosso secundário? Então, o que se quer é ir de cavalo para burro (com as devidas desculpas aos burros excelentes)?
Então, enquanto tantos de entre os mais responsáveis dos órgãos de soberania e outras personalidades influentes no nosso País passam a vida - esfalfam-se - a falar-nos, a aconselhar-nos sobre a necessidade de reformar a Universidade, que estamos numa encruzilhada - esta da globalização e da competição e competitividade a nível internacional - que exige excelência, tudo o que vemos parece ser o exacto contrário disso? Pois, quase tudo o que referem em ligação com Bolonha cheira é antes a desqualificação - ou estará o cidadão, Pronto, o cidadão suposto desprevenido, estará ele fora da razão?
Senhores, basta de enganos.


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