Comentário

«A Europa dos resultados»

Natacha Amaro
O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, esteve em Portugal na passada segunda-feira para participar no 2.º aniversário do Courrier International. A propaganda demagógica – bem encomendada, deva-se referir – pretendia reflectir sobre o propalado problema institucional que a União Europeia vive. Em bom português, que coelho vamos tirar da cartola para que a Constituição Europeia avance?
Praticamente todos os parágrafos deste discurso consistem em inverdades, enviesamentos e manipulação sobre as questões mais diversas – do Muro de Berlim aos ampliados «sucessos» da Comissão e do Conselho. No entanto, é sobre a «constituição europeia» que pesam as verdadeiras pérolas.

Solução urgente

A defesa de uma solução urgente para a questão da «constituição» terá, certamente, muitas explicações: apagar da memória os rotundos NÃO da Holanda e França, dar resposta à exigências do capital que verão assim consubstanciadas num texto formal muitas das suas ambições, avançar numa construção europeia cada vez mais atentatória dos direitos e das liberdades dos cidadãos. No entanto, Durão Barroso elucidou-nos sobre o que considerava estar em jogo, a justificar a urgência de uma reforma institucional.
A primeira dessas razões seria a inadequação das instituições da União Europeia, ao passar de 15 para 27 estados-membros. É interessante considerar-se o Tratado de Nice obsoleto, nesta matéria, quando foi este mesmo tratado que curou de todas as questões relacionadas com a entrada dos novos Estados. Na altura, quando se delineou toda a arquitectura da participação destes estados-membros, ninguém se queixou.
Outra questão que o presidente da Comissão coloca é a necessidade de a «constituição» ser mais do que um instrumento institucional. Ao que parece, a resolução de todos os problemas passa pela inclusão de um conjunto muito vasto de políticas (económicas, de política externa, energia, ambiente, etc.) no novo texto a aprovar. É bom ouvi-lo com todas as letras: a constituição europeia pretende ser a confirmação de um neoliberalismo cada vez mais selvagem e ingerente. É mau saber que, em nome da integração europeia e dos apelidados desafios do futuro, o resultado para os povos seja uma cada vez maior centralização do poder, um aprofundamento do federalismo e do militarismo.
Ainda a justificar a pressa na aprovação da «constituição», surge o argumento da «unidade e credibilidade». Ao que parece, o facto de alguns estados-membros aprovarem a «constituição» enquanto outros, ouvindo o povo, são obrigados a decliná-la, é nocivo e poderá fazer com que o resto do mundo «não leve a União Europeia a sério». Parece-me uma estranha definição de democracia.
Por estas três razões, Durão Barroso exorta responsabilidade e coragem aos governos da União para chegarem a um novo acordo sobre o tratado europeu.

Novo caminho

Como o discurso era para portugueses, Durão Barroso não perdeu a oportunidade de relembrar a presidência portuguesa da UE, no segundo semestre de 2007, e a necessidade de Portugal estar à altura das suas responsabilidades ao liderar uma nova Conferência Inter-Governamental (CIG), no caminho para um novo Tratado. Nas suas palavras, «o que interessa sublinhar neste momento é a urgência e a ambição». Na minha própria interpretação, a pressa deve ser em ver aprovado um dos textos mais penalizadores para todos os cidadãos da UE e um retrocesso brutal, em termos de direitos, liberdades e garantias, para os portugueses. Por outro lado, o apetite e a ganância, denominados «ambição» e tão característicos do grande capital, personificam a vontade de consumar reformas que atalham o caminho para o crescimento desenfreado e o lucro desmedido que esmaga a sociedade em que vivemos.
Os clichés e as frase feitas que abundam nestes discursos comunitários são formas de, muitas vezes, aclarar o conteúdo do que é efectivamente dito. Deste discurso proferido em Lisboa, retive uma máxima que ilustra bem os valores que norteiam os destinos desta UE: «a Europa dos resultados». Segundo Durão Barroso, assim ficou conhecida uma estratégia de aprovação de medidas em diversas áreas, das quais destacou a malfadada directiva dos serviços. Talvez o desafiasse, bem como à Comissão a que preside, a parar para pensar antes nos «resultados desta Europa» – desemprego, pobreza, exclusão social, violência, destruição do aparelho produtivo, dependência face ao exterior, entre tantos outros – e em como inverter a situação com novas políticas, verdadeiramente defensoras dos cidadãos e geradoras de igualdade e progresso.


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