Contra o fim do Incentivo ao Arrendamento Jovem

Campanha nacional pelo direito à habitação

O Governo prepara-se para acabar com o Incentivo ao Arrendamento Jovem, uma decisão contestada na sexta-feira pela JCP numa campanha nacional em todo o País. O Avante! acompanhou acções em Lisboa e no Seixal. O IAJ existe desde 1992 e dele usufruem 25 mil jovens.

«É abrir os jor­nais e ver as rendas es­can­da­losas que se pede»

A Delphi, fábrica sediada no parque industrial do Seixal, emprega maioritariamente jovens. Às 16h, mudam os turnos e centenas de jovens entram e saem da empresa, mais animados os que se dirigem para casa, mais concentrados os que vão iniciar o seu dia de trabalho. No portão estão três militantes da JCP a fazer uma distribuição de panfletos sobre a extinção do Incentivo ao Arrendamento Jovem (IAJ). Acompanham a entrega do papel com um «Boa tarde», mostrando-se disponíveis para mais esclarecimentos sobre o tema. Poucos são os que não aceitam e, no final, não se vê nenhum folheto no chão.
«Vimos a esta empresa com bastante regularidade, distribuir todos os documentos que a JCP produz, tanto a nível nacional como regional. Já há uma empatia, apesar de haver aqui muitos jovens com contratos a prazo, alguns contratados por empresas de trabalho precário, às vezes apenas por um mês. Vamos reconhecendo os trabalhadores efectivos, mas as outras caras vão mudando», comenta Catarina Pereira, dirigente da JCP.
«Esta é a primeira vez que aqui trazemos um documento que não fala apenas da luta dos trabalhadores nem faz parte de uma campanha eleitoral. Mas considerámos muito importante denunciar o fim do IAJ num local com tantos jovens», afirma, comentando que muitas pessoas não têm noção da tentativa de acabar como IAJ – porque o Governo não o diz claramente – e, ao mesmo tempo, muitas outras nem sabem que existe este mecanismo, porque não é divulgado.
A situação da habitação no distrito de Setúbal é má, à imagem do que acontece em todo o País. Nesta região regista-se uma grande concentração populacional, com muitas pessoas a trabalhar em Lisboa e a morar nos vários concelhos do distrito. «Há graves problemas de habitação, mas como há muita população jovem ainda é mais difícil. As rendas são caras para as condições, tamanho e localização das casas. Nos grandes centros urbanos a especulação imobiliária é ainda maior», refere Catarina Pereira, defendendo que «o IAJ deveria ser um instrumento importante para os jovens se tornarem independentes da família e ter a sua própria habitação».
A análise de Catarina Pereira vai mais longe, afirmando que actualmente «todos os factores apontam para uma maior dificuldade de os jovens saírem de casa dos pais». Esta situação deve-se ao trabalho altamente precário, à instabilidade laboral, à possibilidade sempre presente do desemprego, aos salários baixos e a um poder de compra sempre a descer. «Fala-se da diminuição da taxa de natalidade e esquece-se que isso também se deve a questões como a habitação. Constituir família não é nada fácil. Há pessoas que querem ter filhos, mas simplesmente não têm condições», salienta.

Tendas no Par­la­mento

Mais tarde, ao início da noite, em frente à Assembleia da República, Rita Rato declara que o fim do IAJ «é mais uma das muitas medidas claramente contra os jovens portugueses, que já se encontram numa situação tão precária, e que vai agravar as condições de vida de muita gente».
Três tendas foram montadas no passeio e vários jovens conversam em grupo. Trata-se de uma acção simbólica dirigida aos deputados e ao executivo de José Sócrates, que pretende chamar a atenção para o problema da habitação para os jovens, agravado pelo fim do IAJ. «Decidimos vir para a Assembleia da República por este ser o órgão legislativo nacional e por ter o poder de fazer as leis e de fiscalizar a acção do Governo», explica a dirigente da JCP.
«É abrir os jornais e ver as rendas escandalosas que se pede. Na zona de Lisboa, desde a linha de Sintra à linha da Azambuja, não se consegue uma casa por menos de 300 euros. Como é que um jovem a ganhar pouco mais do que o ordenado mínimo pode pagar estas rendas? É impossível», afirma, sustentando que «os jovens têm direito a ter o seu espaço e a viver sozinhos».
Rita Rato considera que a alternativa que resta a muitos jovens é continuar a viver com os pais ou dividir apartamentos. «Fala-se muito da falta de independência dos jovens, mas esse discurso está desligado do dia-a-dia. A maioria não sai de casa dos pais porque não têm dinheiro suficiente e não tem filhos porque não têm empregos estáveis nem há creches. Estas questões estão relacionadas com as condições económicas e sociais dos jovens», garante.
Ao mesmo tempo, as cidades perdem habitantes, que se vêem obrigados a procurar casa nos subúrbios devido aos elevados preços, seja para alugar ou para comprar. À noite e aos fins-de-semana, muitas ruas de Lisboa ficam desertas, transformando a capital numa cidade fantasma. Para Rita Rato, «o mercado imobiliário é que ganha com esta situação. As taxas de juro para compra de habitação tem aumentado de uma forma escandalosa e depois vê-se os lucros que os bancos têm.»
As anunciadas reabilitações dos centros históricos são, na sua maioria, projectos demagógicos, pois «o processo de atribuição através da EPHUL é profundamente ambíguo e os preços são muito altos. Por exemplo, na Rua de S. Bento estão a ser reabilitados prédios, mas continuam a ter valores insuportáveis para a maioria dos jovens.»
Estima-se que, só em Lisboa, haja mais de 540 mil casas devolutas. «Muitos senhorios não têm dinheiro para recuperar prédios velhos e o Governo também não investe em habitação social para jovens», lamenta Rita Rato. Por isso, «a luta tem de continuar em relação a este tema».

As pro­postas dos co­mu­nistas

O PCP apresentou recentemente na Assembleia da República um projecto de lei que estabelece novas e mais avançadas condições para atribuição do IAJ, desburocratizando as candidaturas e actualizando os valores e a fórmula de cálculo que são estáticos desde 1992. O documento prevê que o cálculo do valor possa ser feito com base no pressuposto de que nenhum jovem deve suportar mais do que uma taxa de esforço de 20 por cento em gastos com arrendamento. O objectivo é eliminar qualquer injustiça com base nas disparidades salariais entre jovens, tendo por base as assimetrias dos valores das prestações mensais de arrendamento nas diferentes regiões do País. Este projecto de lei aguarda agendamento para discussão em plenário.
Recorde-se que a Constituição da República estabelece o dever do Estado na garantia do direito à habitação, dando particular ênfase à criação de mecanismos especiais dedicados a apoiar os jovens.

Re­que­ri­mento do PCP
Ha­bi­tação é um di­reito


«Uma das condições para a emancipação dos jovens no quadro da sua independência e do início de uma vida activa e produtiva é a capacidade para estabelecer uma residência também ela autónoma. A maioria dos jovens portugueses encontra dificuldades no que toca a suportar os custos, quer de arrendamento, quer de aquisição de habitação própria, quando procura dar esse passo natural no curso da sua vida», lê-se no requerimento do deputado do PCP Miguel Tiago, apresentado na sexta-feira no Parlamento.
O deputado sublinha que «o Estado não tem assumido a sua responsabilidade na garantia do direito à habitação para jovens. Desde 1992, o volume do custo médio de arrendamento aumentou significativamente, a par de um aumento, também ele significativo, do custo de vida. A actual participação do Estado está desajustada das condições de vida dos jovens e dos preços praticados no mercado, não satisfazendo as necessidades e não sendo suficiente para ultrapassar as barreiras económicas que são colocadas aos jovens no processo de arrendamento de habitação, além da disparidade e diversidade de preços em função da localização do imóvel.»
Com base na notícia do Diário de No­tí­cias de 5 de Fevereiro (ver caixa), Miguel Tiago salienta que, com a extinção progressiva do Apoio ao Arrendamento Jovem e a sua substituição por outro programa, «não só se termina com um importante programa social especificamente destinado a jovens, integrando-os na política geral de habitação, como se retira o direito ao subsídio a jovens com rendimentos mais baixos». Ao mesmo tempo «não se garante que as rendas dos contratos efectuados ao abrigo do novo programa “Porta 65” sejam, efectivamente, mais baixas, nem o direito ao subsídio a jovens com rendimentos mais elevados».

Ques­tões

O deputado apresenta um conjunto de perguntas concretas ao Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e da Presidência do Conselho de Ministros para tornar claro o universo de jovens afectados pelo IAJ entre 1992 e 2007, nomeadamente: o número de pedidos que deram entrada anualmente; o número de beneficiários, por ano; a despesa anualmente realizada com o IAJ; o montante médio do incentivo atribuído, anualmente, aos beneficiários; o subsídio médio pago a título de IAJ e a renda média praticada por distrito (incluindo regiões autónomas); o rendimento médio anual dos beneficiários do IAJ; e o período médio de atribuição do subsídio, por beneficiário.
Miguel Tiago questiona ainda os motivos concretos em que se baseia o Governo para diminuir tão significativamente a verba destinada ao IAJ e prevê o seu fim, bem como pretende garantir rendas no montante que permitam um acesso universal e justo dos jovens à habitação no âmbito dos contratos de arrendamento efectuados ao abrigo do novo programa «Porta 65».

Os pro­jectos para o apoio à ha­bi­tação

O Governo não assume explicitamente a extinção do Apoio ao Arrendamento Jovem (IAJ), mas a edição do Diário de No­tí­cias de 5 de Fevereiro revela os resultados de um estudo efectuado pela empresa Quar­te­naire Por­tugal sobre o programa.
De acordo com o artigo, a verba orçamental destinada ao IAJ será, em 2007, de 32,7 milhões de euros, um montante que corresponde apenas a metade da despesa anual média registada entre 2004 e 2006.
Tendo como fonte o Instituto Nacional da Habitação, o jornal refere que a nova filosofia do Governo passará depois pelo abandono do IAJ e pela criação de um novo programa habitacional designado «Porta 65». Este novo instrumento integrará todas as políticas de habitação (retirando a especificidade do apoio aos jovens) e funcionará por concurso, fazendo depender o número de beneficiários das verbas que o Governo disponibilizar.
Os casos de carência económica mais acentuada serão encaminhados para a habitação social, sejam relativos a jovens ou não. Todos os outros casos serão encaminhados para uma alegada agência central responsável por contratualizar arrendamentos.
Em declarações ao DN, o presidente do INH, Teixeira Monteiro, refere que «a maior parte dos jovens beneficiários estão no escalão de rendimentos mais baixos, pelo que se espera que venham a ser encaminhados para outro segmento de apoio, o da habitação social».

O que é o IAJ?

O Incentivo ao Arrendamento Jovem (IAJ) é um programa que tem como objectivo declarado «revitalizar o mercado de oferta de habitação» e que «pretende que o arrendamento seja uma verdadeira alternativa à satisfação das necessidades de habitação dos jovens que iniciam uma nova fase das suas vidas».
Para ter acesso ao IAJ, os jovens têm de ter menos de 30 anos; apresentar uma declaração de IRS compatível com o valor da renda da casa; ter celebrado um contrato de arrendamento ao abrigo do actual Regime do Arrendamento Urbano; apresentar uma licença de utilização emitida pela Câmara Municipal; não possuir outra casa própria ou arrendada para habitação permanente; e não praticar subarrendamento ou hospedagem na casa arrendada. A apresentação de candidaturas pode ser feita nos serviços dos Instituto Nacional de Habitação ou nas agências da Caixa Geral de Depósitos.
Mais informações em www.inh.pt.

Em Viana do Cas­telo

Em Viana do Castelo, os protestos centraram-se na estação da CP. Foram montadas tendas na rua, num acto simbólico para demonstrar os problemas de habitação em Portugal, em particular dos jovens. Foram também distribuídos documentos sobre o Incentivo ao Arrendamento Jovem (IAJ) e as propostas da JCP.


Mais artigos de: Juventude

Secundário protesta

Estava prevista para ontem a realização de um conjunto de protestos dos estudantes do ensino secundário, integrados no Dia de Luta Nacional convocado por dezenas de associações de estudantes de todo o País. Em Lisboa foi marcada uma concentração em frente ao Ministério da Educação, enquanto no Porto foi organizada uma...

Vitória da D. João de Castro

O Ministério da Educação anunciou, na semana passada, a reabertura da Escola Secundária D. João de Castro no ano lectivo 2008/9. Até lá, esta instituição de Lisboa deverá receber obras de requalificação. De acordo com uma fonte ministerial em declarações à agência Lusa, a escola vai «acolher o ensino secundário e o...

<em>Manifesta-te</em>

A Organização Regional do Algarve da JCP acaba de editar o seu boletim, Manifesta-te. Com uma tiragem mais ambiciosa, esta edição pretende chegar a mais escolas secundárias, universidades e locais de trabalho e aborda o 8.º Encontro Regional da JCP, o anunciado fim do Incentivo ao Arrendamento Jovem e o resultado do...