Pedofilias (5)
Ainda que o não reconheçam, os bispos portugueses estão profundamente preocupados com o escândalo da Casa Pia de Lisboa. Não por razões de ordem ética ou escritural, mas porque, na verdade, o caso dos pedófilos, das redes de tráfico de menores ou das eventuais ligações deste processo a outros que decorrem no nosso país, pode vir a representar para a igreja uma séria ameaça ao seu sistema de poder.
Veja-se só como se passou, sem transição gradual, da prática da fuga sistemática (verdades, meias-verdades, especulações, invenções, calúnias) a um silêncio pesado mas esclarecedor da gravidade da situação.
Repare-se no absurdo de todo o poder institucional, nesta fase crucial da investigação judicial, ter ficado nas mãos de Bagão Félix e de Catalina Pestana, justamente dois dos principais suspeitos de tudo terem sabido sobre os acontecimentos e tudo terem calado. E critique-se o facto de a opinião pública ter apenas uma vaga noção dos contornos gerais do escândalo mas não ser informada sobre dados - que não estão em segredo de justiça - susceptíveis de esclarecer e ampliar a capacidade do campo de análise. Nomeadamente: qual é a dimensão real do «império casapiano», que relações íntimas mantém a instituição com a hierarquia religiosa, que divulgação é dada às suas contas anuais e em que estruturas mundiais sócio-caritativas está a «Casa Pia» filiada? A árvore pode esconder uma imensa floresta. E o exercício da caridade tem de ser transparente e não conter recantos obscuros.
Este gravíssimo desencontro, o desgaste dos escândalos pedófilos e as posições oficiais do clero, atrai igualmente as atenções para o sentido estratégico de certas posições do episcopado. Por exemplo, não é apenas no campo das pedofilias que o clero opta pelo silêncio. Mudo e quedo, observa o que se está a passar na sociedade onde vivemos e regista as ameaças que se multiplicam em duas áreas a que a igreja tem a estrita obrigação de ser sensível: quando se trata de atentados aos direitos humanos do povo português e sempre que o poder entra em linha de colisão com os valores que a doutrina católica aparentemente afirma defender. Imprevistamente, cala-se quando as crianças são violadas, cala-se quando os trabalhadores são espoliados, cala-se quando o Governo ameaça os direitos dos imigrantes, cala-se perante pensões e salários de miséria, cala-se nos ordenados em atraso, cala-se nas falências fraudulentas, cala-se face ao crescimento do desemprego.
A igreja não evoluiu
Pode dizer-se que os silêncios do episcopado se ligam logicamente entre si: os bispos usam o silêncio como uma estratégia ou como uma categoria negativa da acção. Se, por vezes, chegam à opinião pública as vozes discordantes de membros da Conferência Episcopal, tudo está preparado no sentido de que essas reacções não tenham qualquer efeito útil nem mudem o sentido final das decisões do mais ínfimo centro de decisão da igreja.
Em princípio, um bispo pode dizer em público aquilo que lhe vier à cabeça. Mas as suas palavras somente significam o exercício de um direito de cidadania, como se fosse nada mais que cidadão. Não é a igreja mas um padre que fala. Quando o bispo castrense, D. Januário Torgal Ferreira, declarou que a nova lei da Imigração seria um retorno ao fascismo, nem um músculo se moveu nas faces dos outros bispos. Porque, nos problemas sociais, há sempre um padre vermelho de serviço! Os outros bispos sabiam que a lei seguiria em frente porque se enquadrava nas estratégias dos projectos capitalistas do clero. O padre Vaz Pinto não seria incomodado. Avançaria pois, mais um documento legal de cobertura à exploração do homem pelo homem, de reforço do exercício do autoritarismo e da exploração das misérias sociais e das vitórias políticas na Europa, crime no qual a intervenção activa da igreja católica teve papel central e decisivo.
No fim da sua vida, João Paulo II viaja pelo mundo e multiplica os pedidos do perdão de Deus para os crimes católicos de guerra. Espectáculo deprimente que os bispos portugueses deveriam, como pastores, saber condenar. Uma vez cometido, nada o crime poderá apagar. A igreja, contrariamente ao que alguns proclamam, não evoluiu no tempo. Nada entendeu com o «Vaticano II». Permanece o que sempre foi. Adula o poder e o dinheiro. «Ora et labora».
Veja-se só como se passou, sem transição gradual, da prática da fuga sistemática (verdades, meias-verdades, especulações, invenções, calúnias) a um silêncio pesado mas esclarecedor da gravidade da situação.
Repare-se no absurdo de todo o poder institucional, nesta fase crucial da investigação judicial, ter ficado nas mãos de Bagão Félix e de Catalina Pestana, justamente dois dos principais suspeitos de tudo terem sabido sobre os acontecimentos e tudo terem calado. E critique-se o facto de a opinião pública ter apenas uma vaga noção dos contornos gerais do escândalo mas não ser informada sobre dados - que não estão em segredo de justiça - susceptíveis de esclarecer e ampliar a capacidade do campo de análise. Nomeadamente: qual é a dimensão real do «império casapiano», que relações íntimas mantém a instituição com a hierarquia religiosa, que divulgação é dada às suas contas anuais e em que estruturas mundiais sócio-caritativas está a «Casa Pia» filiada? A árvore pode esconder uma imensa floresta. E o exercício da caridade tem de ser transparente e não conter recantos obscuros.
Este gravíssimo desencontro, o desgaste dos escândalos pedófilos e as posições oficiais do clero, atrai igualmente as atenções para o sentido estratégico de certas posições do episcopado. Por exemplo, não é apenas no campo das pedofilias que o clero opta pelo silêncio. Mudo e quedo, observa o que se está a passar na sociedade onde vivemos e regista as ameaças que se multiplicam em duas áreas a que a igreja tem a estrita obrigação de ser sensível: quando se trata de atentados aos direitos humanos do povo português e sempre que o poder entra em linha de colisão com os valores que a doutrina católica aparentemente afirma defender. Imprevistamente, cala-se quando as crianças são violadas, cala-se quando os trabalhadores são espoliados, cala-se quando o Governo ameaça os direitos dos imigrantes, cala-se perante pensões e salários de miséria, cala-se nos ordenados em atraso, cala-se nas falências fraudulentas, cala-se face ao crescimento do desemprego.
A igreja não evoluiu
Pode dizer-se que os silêncios do episcopado se ligam logicamente entre si: os bispos usam o silêncio como uma estratégia ou como uma categoria negativa da acção. Se, por vezes, chegam à opinião pública as vozes discordantes de membros da Conferência Episcopal, tudo está preparado no sentido de que essas reacções não tenham qualquer efeito útil nem mudem o sentido final das decisões do mais ínfimo centro de decisão da igreja.
Em princípio, um bispo pode dizer em público aquilo que lhe vier à cabeça. Mas as suas palavras somente significam o exercício de um direito de cidadania, como se fosse nada mais que cidadão. Não é a igreja mas um padre que fala. Quando o bispo castrense, D. Januário Torgal Ferreira, declarou que a nova lei da Imigração seria um retorno ao fascismo, nem um músculo se moveu nas faces dos outros bispos. Porque, nos problemas sociais, há sempre um padre vermelho de serviço! Os outros bispos sabiam que a lei seguiria em frente porque se enquadrava nas estratégias dos projectos capitalistas do clero. O padre Vaz Pinto não seria incomodado. Avançaria pois, mais um documento legal de cobertura à exploração do homem pelo homem, de reforço do exercício do autoritarismo e da exploração das misérias sociais e das vitórias políticas na Europa, crime no qual a intervenção activa da igreja católica teve papel central e decisivo.
No fim da sua vida, João Paulo II viaja pelo mundo e multiplica os pedidos do perdão de Deus para os crimes católicos de guerra. Espectáculo deprimente que os bispos portugueses deveriam, como pastores, saber condenar. Uma vez cometido, nada o crime poderá apagar. A igreja, contrariamente ao que alguns proclamam, não evoluiu no tempo. Nada entendeu com o «Vaticano II». Permanece o que sempre foi. Adula o poder e o dinheiro. «Ora et labora».