Luzes e sombras
Gosto de supers e de hipers. Não se trata, no que me diz respeito, de algum pendor consumista, nem o chamado shopping alguma vez me seduziu. Mas gosto de passear nas avenidas, travessas e becos, praças e rotundas iluminadas e pejadas de cores. O que mais me atrai, entretanto, nessas megalópoles abastecedoras é o seu carácter de «cidade». Parece que ali estão todos e que ali está tudo o que é preciso para que uma civilização funcione. Ricos de carrinhos a abarrotar e pobres de saquinho na mão. E, quando vemos um frango numa prateleira de farinhas, é sinal de que alguém fez uma escolha de última hora e de últimos tostões – o dinheiro não dava para a carne, vá lá um pacote de bolachas. E temos assim avenidas de farináceos, alamedas de televisões, boulevards de carnes e de peixes, ruas de apetrechos escolares, travessas de produtos de beleza, praças de frutas e pracetas de congelados, pátios de bebidas, rotundas de móveis.
E também, como nas cidades, há becos. Ou daquelas ruas, como a da Betesga, onde não cabe o Rossio, em que se pode apenas dar meia dúzia de passos, mas cuja proximidade com a Baixa lhes confere um destacado plano.
É num beco assim que, no meu super de eleição – e já reparei que em muitos outros – se mostra e vende... cultura.
Logo na primeira banca estão os maiores escritores, portugueses e estrangeiros. Livros aos maços propõem-nos o melhor da literatura. Aí encontramos as obras dos grandes – Miguel Sousa Tavares, Paulo Coelho, Margarida Rebelo Pinto, Dan Brown – o do Código Da Vinci – autores do agrado de multidões de gentes bem pensantes, anunciados por toda a parte onde um jornal se folheia ou onde uma televisão se mostra. Estamos num mercado, e é legítimo pensar que o que mais se vende venha á frente.
Depois seguem-se outras bancas, dispostas hierarquicamente por valor intelectual – primeiro, os livros sobre candentes e metafísicas questões: os templários, os códigos descodificados, os segredos de fátimas e outras excelências que nos chamam a atenção para um Outro Mundo tão necessário à alma dos vivos; depois, os esclarecedores documentos sobre a história e a política, normalmente a dizer-nos que isto é tudo a mesma coisa, que se o Hitler foi um mau, o Stáline foi um pior; depois ainda os romances de emparvecer sobre os instintos mais fundos da humanidade; e depois, e depois, lá para o fundo, os escritos mais chatos, só para alguns – livros de Saramago, de Mia Couto, por exemplo. Nas bancas do fundo é difícil já a gente espiolhar. Velhotes reformados abrem aí, sobre os livros, os exemplares do Correio da Manhã ou do 24 horas, numa ânsia de saber.
No outro dia, na primeira banca, uma surpresa – o livro de Carolina Salgado, obra-prima, certamente. E, com o hábito que tenho de pensar que um super é como uma cidade paradigmática, olhei em redor. Talvez à espera de encontrar, como anfitriã desta cultura, a ministra Isabel Pires de Lima.
E também, como nas cidades, há becos. Ou daquelas ruas, como a da Betesga, onde não cabe o Rossio, em que se pode apenas dar meia dúzia de passos, mas cuja proximidade com a Baixa lhes confere um destacado plano.
É num beco assim que, no meu super de eleição – e já reparei que em muitos outros – se mostra e vende... cultura.
Logo na primeira banca estão os maiores escritores, portugueses e estrangeiros. Livros aos maços propõem-nos o melhor da literatura. Aí encontramos as obras dos grandes – Miguel Sousa Tavares, Paulo Coelho, Margarida Rebelo Pinto, Dan Brown – o do Código Da Vinci – autores do agrado de multidões de gentes bem pensantes, anunciados por toda a parte onde um jornal se folheia ou onde uma televisão se mostra. Estamos num mercado, e é legítimo pensar que o que mais se vende venha á frente.
Depois seguem-se outras bancas, dispostas hierarquicamente por valor intelectual – primeiro, os livros sobre candentes e metafísicas questões: os templários, os códigos descodificados, os segredos de fátimas e outras excelências que nos chamam a atenção para um Outro Mundo tão necessário à alma dos vivos; depois, os esclarecedores documentos sobre a história e a política, normalmente a dizer-nos que isto é tudo a mesma coisa, que se o Hitler foi um mau, o Stáline foi um pior; depois ainda os romances de emparvecer sobre os instintos mais fundos da humanidade; e depois, e depois, lá para o fundo, os escritos mais chatos, só para alguns – livros de Saramago, de Mia Couto, por exemplo. Nas bancas do fundo é difícil já a gente espiolhar. Velhotes reformados abrem aí, sobre os livros, os exemplares do Correio da Manhã ou do 24 horas, numa ânsia de saber.
No outro dia, na primeira banca, uma surpresa – o livro de Carolina Salgado, obra-prima, certamente. E, com o hábito que tenho de pensar que um super é como uma cidade paradigmática, olhei em redor. Talvez à espera de encontrar, como anfitriã desta cultura, a ministra Isabel Pires de Lima.