PE deixa passar Bolkestein

Serviços e direitos à mercê do capital

Oportunisticamente, em vésperas do referendo sobre a «constituição europeia», na Primavera de 2005, o presidente francês, Jacques Chirac, declarou como «morta e enterrada» a directiva liberalizadora dos serviços, que estava então no centro da campanha pelo «Não».

A versão aprovada mantém os traços essenciais do projecto Bolkestein

Parecendo recusar a Bolkesteine afirmar-se na defesa intransigente dos serviços públicos contra a lógica implacável do mercado, o governo francês esperava desmobilizar os apoiantes do Não à «constituição» europeia. Mas a manobra de nada lhe valeu, já que, bem informado, o povo francês apercebeu-se de que o projecto constitucional representava a via aberta ao avanço das forças ultraliberais do grande capital. A Bolkesteinera apenas um primeiro passo nessa vasta ofensiva.
A braços com duas pesadas derrotas referendárias, na França e na Holanda, os responsáveis europeus optaram prudentemente pela retirada da directiva dos serviços, fingindo ter ouvido a vontade dos povos. Na verdade continuaram a debatê-la no silêncio recatado dos gabinetes, procurando novas formulações que, deixando intactos os objectivos essenciais, iriam conferir à directiva um visual socialmente menos controverso.
Foi assim que desapareceu do texto a referência ao «princípio do país de origem», segundo o qual as empresas passariam a reger-se exclusivamente pela legislação do país onde estivesses registadas.
Todavia, em sua substituição, o texto aprovado no dia 15, no Parlamento Europeu, proclama «a liberdade de prestação de serviços» por parte das empresas, e impede os estados-membros de colocar obstáculos à sua actividade, mesmo em sectores vitais dos serviços públicos, como a água, energia, serviços postais, educação, entre muitos outros considerados por Bruxelas como serviços de interesse geral com carácter económico.
Embora se pretenda fazer crer o contrário, na prática, tal como antes, a directiva propõe-se fazer tábua rasa das legislações nacionais, amputando importantes prerrogativas aos estados em matéria de definição de políticas próprias de serviços públicos.
Sublinhe-se que o texto enviado ao Parlamento Europeu pura e simplesmente ignorou o relatório aprovado pelos eurodeputados, em 16 de Fevereiro último, no qual se afirmava claramente que a directiva «não tem por objecto a liberalização dos serviços de interesse económico geral, nem a privatização das entidades públicas prestadoras desses serviços».
Ora, a presente proposta de directiva apenas exclui alguns serviços sociais de carácter não económico. Mas esta prepotência do Conselho e da Comissão não impediu que os grupos maioritários do Parlamento Europeu (PSE e PPE) capitulassem em toda a linha, dando o dito por não dito e assinando de cruz o documento. Sem manifestações de trabalhadores à porta, a «sensibilidade social» dos eurodeputados socialistas e populares ficou notoriamente enfraquecida.
Outro aspecto dos mais contestados da anterior versão da Bolkestein era a sua clara propensão para o dumping laboral e social, permitindo que as empresas aplicassem as legislações mais rudimentares dos países de estabelecimento e ignorassem impunemente as regulamentações nacionais.
Por imposição da luta dos trabalhadores de vários países da UE, que se manifestaram por várias vezes em Bruxelas, o Parlamento Europeu, na sua primeira leitura, em Fevereiro passado, retirou do âmbito de aplicação da directiva a legislação laboral, assim como os direitos de acção sindical, as convenções colectivas e os regimes de segurança social vigentes em cada Estado.
Na actual redacção, é certo que se afirma que o direito laboral não é afectado pela directiva, mas esta disposição pode ter várias interpretações uma vez que também ela é condicionada ao ambíguo «respeito pelo direito comunitário», ou seja, às regras da concorrência.
Em caso de conflito, caberá ao Tribunal de Justiça Europeu interpretar e fazer valer o tal direito comunitário sobre as legislações nacionais, historicamente determinadas pela lutas e vontade democrática dos povos.
O texto, agora com a chancela do Parlamento Europeu, deverá ter a aprovação formal do Conselho antes do fim do ano, prevendo-se que seja transposto para as legislações nacionais no prazo máximo de três anos.

Esquerda Unitária votou contra

Na sessão, apenas o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, no qual se integram os dois deputados do PCP, e o Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia votaram pela rejeição do relatório.
Numa declaração escrita, o deputado do PCP, Pedro Guerreiro, considerou a proposta «inaceitável», notando que ela «subverte a soberania dos estados (...) e impõe o primado da concorrência com gravíssimas consequências para os direitos dos trabalhadores e os serviços prestados às populações».
Pedro Guerreiro acusou ainda os socialistas de «com as suas cambalhotas tácticas», terem contribuído para «branquear os objectivos e o alcance da proposta de directiva», acabando por «apoiar agora o que diziam rejeitar antes».


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