Uma moeda para os ricos

Quem ganhou com o euro?

Testemunhando as diferentes realidades socioeconómicas dos respectivos países, as deputadas, alemã e grega, convergiram em aspectos essenciais da análise sobre as consequências do euro, cuja criação teve desde o início um marcado carácter de classe.

Debate: EURO CINCO ANOS DEPOIS

Para Sahra Wagenknecht, «o euro está muito longe do sucesso» que os seus defensores garantiam no que respeita «ao crescimento económico e ao bem-estar». «Apenas os grandes grupos económicos tiraram proveito do euro e do pacto de estabilidade, como demonstram os lucros recorde que registaram nos últimos três anos. O euro aumentou o bem-estar somente dos ricos, dos tais 2,7 milhões de milionários que vivem na Europa».
Quanto ao cidadão comum, é certo que tem a possibilidade de viajar sem precisar de cambiar divisas. Contudo, sublinhou a deputada alemã, «a percentagem de alemães que passam férias no estrangeiro tem vindo a diminuir todos os anos».
Tal como em Portugal, também os trabalhadores alemães têm perdido poder de compra. Os salários não aumentam e todos os bens e serviços essenciais têm subido de custo.
Tal como em Portugal, salvaguardadas as devidas distâncias que nos separam do nível de vida germânico (como mais adiante fez questão de sublinhar a deputada llda Figueiredo), também alí se tem cavado o fosso entre ricos e pobres, resultado do agravamento das desigualdades na distribuição da riqueza (a parte dos rendimentos do trabalho no total da riqueza produzida diminuiu de 47,7 por cento, em 1992, para 41,5 por cento actualmente).
Em alternativa às políticas económicas em curso, Sahra Wagenknecht contrapôs um pacto europeu contra a pobreza e o desemprego: «quem não cumprisse seria sancionado», sugeriu a deputada, que defendeu «uma Europa, não do capital e do dinheiro, mas das pessoas. É isto a que eu chamo uma Europa socialista».

Resistência à ofensiva social

Diamanto Manolaku, referindo-se à situação no seu país, semelhante a Portugal em dimensões e nível de desenvolvimento, lembrou que a Grécia, mesmo não cumprindo os critérios para aderir à moeda única, foi incluída na zona euro por força da decisão política do núcleo duro da UE, que assim correspondeu ao desejo da oligarquia nacional.
Manolaku lembrou que os comunistas gregos denunciaram desde logo os reais objectivos da nova moeda e sua inevitável tradução em medidas antilaborais e antipopulares. «O Partido Comunista Grego (KKE) deixou claro que os custos da introdução do euro seria pagos exclusivamente pelas classes trabalhadoras».
«Cinco anos depois», acrescentou, «as previsões do KKE confirmaram-se»: os salários sofreram uma redução real; o regime legal de oito horas de trabalho diárias foi abolido; o nível de endividamento das famílias mais do que duplicou em cinco anos, atingindo 32,5 por cento do PIB. No mesmo período agravou-se a situação económica do país. As importações crescerem 9,8 mil milhões de euros enquanto as exportações evoluíram apenas 2,6 mil milhões. «Verificou-se uma queda da competitividade e perda de milhares de postos de trabalho, em especial no sector manufactureiro».
O desequilíbrio das contas públicas (défice de 5,2% por cento e dívida pública de 107% do PIB) tornou-se o argumento preferencial para as «reformas» ditas «estruturais». Em cima da mesa está o aumento da idade de aposentação em mais cinco anos para os homens e entre cinco e dez anos para as mulheres, bem como a desresponsabilização do Estado em sectores coma a saúde ou a educação.
Ao mesmo tempo, a contestação social tem vindo a subir de intensidade. Recentemente, uma vaga de lutas estudantis abalou o sector da Educação. Estabelecimentos do secundário e superior foram ocupados, enquanto que, no ensino básico, greves consecutivas levaram ao encerramento das escolas durante quatro semanas. Os conservadores no poder retiraram o seu projecto, mas ameaçaram regressar ao assunto já no próximo ano. Novos combates se perspectivam para os trabalhadores gregos.

Citações

«Diziam que a moeda única era bom para o País e para os portugueses. Acenavam até com o aproximar dos salários ao dos restantes países da moeda única. Hoje é claro que tudo não passou de uma miragem.»
Da intervenção de João Pedro Soares, da Confederação
das Micro, Pequenas e Médias Empresas


«Foi neste período que as multinacionais implantadas em Portugal, que davam emprego a cerca de 40 mil trabalhadores, deslocalizaram as suas empresas para países de mão-de-obra muito mais barata, com moedas a desvalorizar quase permanentemente e com políticas comerciais de dumping»
Da intervenção de António Marques,
da Federação dos Trabalhadores Têxteis


«Em 1998, o desemprego afectava 151 mil jovens entre os 15 e 24 anos. Hoje, passados sete anos, este número é superior em 73 mil.»
Da intervenção de Paulo Marques,
da Direcção Nacional da JCP


«Os critérios de convergência financeira [foram] arbitrariamente estabelecidos e arbitrariamente avaliados sob a capa de um rigor que nunca existiu a não ser na exigência de diminuir o papel do Estado na economia (e nas suas funções sociais), e de apoiar a tomada de posse, pelos privados cada vez mais transnacionalizados, do património colectivamente construído.»
Da intervenção de Sérgio Ribeiro

«A taxa de inflação média da Zona Euro (1,6%) está abaixo do nível desejado pelo Banco Central Europeu. Apesar disso, o BCE prepara-se para subir novamente as taxas de juro (…) O colapso deflacionista global dos mercados é praticamente inevitável.»
Da intervenção de Cilas Cerqueira

Factos e números

Nos últimos cinco anos, a economia portuguesa cresceu apenas 0,5% ao ano, isto é, cerca de um terço da média da zona euro.

Neste período a procura interna praticamente que estagnou em Portugal

Nos últimos cinco anos o investimento em Portugal não cresceu, nem estagnou, pura e simplesmente diminuiu a um ritmo médio anual de 3,7%.

Enquanto no período de 1997 a 2001, o emprego cresceu a um ritmo médio anual de 1,9% ao ano (cerca de 76 mil novos postos de trabalho anuais), nos últimos cinco anos foram apenas criados 9 mil postos de trabalho por ano.

No período de 1997-2001, a taxa de desemprego média anual era de apenas 4,9%, quase metade da taxa média dos países da zona euro. Entre 2002 e 2006, o número de desempregados mais do que duplicou, passando de 213.600 no final de 2001, para 425 mil.

Enquanto nos períodos de 1992-1996 e de 1997-2001 as exportações cresceram a ritmo superior à média da zona euro, nos últimos cinco anos, a taxa de crescimento ficou-se pelos 3,7%, enquanto na zona euro foi 4,3% ao ano.

Em sintonia com a diminuição da procura interna, a evolução das importações baixou nos últimos 5 anos, para apenas 2% ao ano, para uma média na zona euro de 4,6%.

O défice da Balança de Transacções Correntes de Portugal (8,2%) é na zona euro, juntamente com o da Grécia, o que representa um maior peso em relação ao PIB.

O peso da nossa dívida pública no PIB tem vindo a crescer ininterruptamente. Se há cinco anos atrás representava já 52,9% do PIB, no final do corrente ano situar-se-á nos 67,4% do PIB. Nos restantes países da zona euro regista-se uma tendência contrária.

Dados extraídos da intervenção de José Alberto Lourenço,
membro da Comissão de Assuntos Económicos
junto do CC do PCP



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Eurocrise

A introdução do euro, há cinco anos, coincidiu com o início da drástica redução do poder de compra da generalidade dos portugueses, com o surto de falências e deslocalizações de empresas multinacionais e o consequente disparo do desemprego. Entretanto, o afundamento da economia e o agravamento das contas públicas têm servido de pretexto aos últimos governos para justificar o vasto programa de contra-reformas na área dos direitos laborais e dos sistemas públicos de segurança social, saúde, educação, entre outros.

O euro é um instrumento do grande capital

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