do Orçamento do Estado 2007
Retrocesso económico e social
Um documento socialmente injusto, de retrocesso económico e social, onde os interesses dos poderosos continuam a falar mais alto, eis, em síntese, algumas das linhas fortes do Orçamento do Estado para 2007. Traços negativos que conferem sólidas razões ao inequívoco voto contra do PCP na votação que hoje, quinta-feira, mais logo à tarde, culminará a discussão na generalidade iniciada anteontem no Parlamento.
A vida dos portugueses, longe de melhorar, vai ser mais difícil
No primeiro dos três dias de trabalhos, definindo a posição da sua bancada, numa intervenção de fundo (ver excertos nestas páginas), o líder comunista Jerónimo de Sousa acusou o Governo de com este orçamento prosseguir a sua aposta em «levar o país pelo pior dos caminhos: o da acentuação das desigualdades sociais e regionais e o do agravamento do atraso relativo do País face à União Europeia»».
Desta realidade falou também ao Avante Bernardino Soares, presidente da bancada comunista, na véspera do arranque do debate, em conversa onde adiantou uma leitura mais pormenorizada sobre os motivos que levam o PCP a opor-se a um Orçamento que, em sua opinião, mantém os níveis de desemprego, agrava as condições de vida dos portugueses, acentua as desigualdades, ataca as funções sociais do Estado, reflecte, em suma, uma política que compromete o presente o futuro do País.
Logo que foi conhecido o OE, numa primeira reacção ao seu conteúdo, o PCP afirmou que o mesmo reflecte o prosseguimento de uma política de cega obediência ao Pacto de estabilidade. «Trata-se de um obsessão que, por um lado introduz uma lógica de redução forçada da despesa pública, independentemente das necessidades existentes, com enormes prejuízos para o desenvolvimento do país e para a vida dos trabalhadores e do povo, mas por outro serve de pretexto para a reconfiguração neo-liberal da administração pública e para a privatização de diversos sectores e serviços», diz-nos o presidente da bancada do PCP, explicitando a forma como em seu entender a obsessão do Executivo pelo défice vai determinar as políticas económicas e sociais.
Falta de rigor
O Governo, entretanto, visando conferir credibilidade ao OE, tem vindo a apresentá-lo como um documento de «rigor». Essa foi uma tecla que o Primeiro-Ministro explorou de novo no debate. A realidade, porém, encarrega-se de desmentir essa imagem de rigor, como demonstra a forma como é manipulado o valor da inflação.
Lembrado a este propósito pelo deputado comunista foi o facto de o Governo ter previsto no orçamento do corrente ano uma inflação de 2,3%, para dizer agora que o ano fechará com 2,5% e que em 2007 será de 2,1%. «Este é o quadro recorrente da subavaliação premeditada da inflação por parte dos governos», acusa, fazendo notar «que este ano a questão agrava-se uma vez que, no próprio dia da apresentação do orçamento, o INE anunciou que segundo uma nova forma de avaliação a inflação será de 3% em 2006 e apesar disso certamente abaixo do que é o real aumento do custo de vida».
«Como acreditar então numa inflação de 2,1% em 2007 com 3% em 2006 ?», pergunta Bernardino Soares, para quem esta prática recorrente de utilizar a previsão da inflação mais não é afinal do que uma artimanha que visa «justificar a imposição de diminuições reais dos salários e das reformas, actualizações insuficientes dos escalões do IRS e prestações sociais mais fracas».
Vêm aí dias piores
Neste quadro, por conseguinte, não são de esperar melhorias nas condições de vida ou no poder de compra dos trabalhadores, dos reformados e dos estratos sociais mais desprotegidos. Bernardino Soares vai mais longe e considera mesmo que «com este orçamento a vida dos portugueses será certamente mais difícil», não só pelas razões expostas, mas, igualmente, sublinha, «porque se agravaram e provavelmente agravarão as taxas de juro na habitação» (e os bancos já anteciparam os próximos aumentos), como agravados serão os preços das rendas, da água, da electricidade, do gás, dos transportes e de outros serviços públicos que serão crescentemente pagos pelas populações.
Perante este cenário fácil é concluir, pois, que o País continuará a assistir a uma injusta repartição da riqueza. O que, só por si, desmente categoricamente a propaganda do Governo que pretende fazer passar a ideia – foi o próprio Primeiro-Ministro a afirmá-lo – de que este é um «orçamento socialista» por privilegiar o combate à pobreza.
Ora a verdade é que se vive um quadro em que os grandes grupos económicos e o sector financeiro vivem desafogadamente e na maioria dos casos com lucros crescentes. «É ver os negócios bolsistas e as OPAs em curso para comprovarmos que para o grande capital a crise foi sempre uma miragem. É ver grandes empresas antes públicas e agora privadas como a EDP a distribuírem aos accionistas milhões de euros de dividendos enquanto impõem tarifas mais altas às populações», exemplifica o presidente da bancada comunista.
Corte no investimento
Aspecto central a merecer a crítica dura do Grupo Parlamentar do PCP é o que diz respeito ao investimento público, fundamental para promover o crescimento económico e o desenvolvimento, mas que leva novo corte significativo, depois de cortes sucessivos em anos anteriores.
Verberado, por outro lado, é o facto de o Governo transferir nalgumas áreas a despesa de investimento para as empresas públicas, que terão de recorrer a empréstimos se de facto quiserem concretizar alguns investimentos. Bernardino Soares faz notar, ainda neste capítulo, que a «gestão dos investimentos está cada vez mais centralizada e circunscrita aos chamados grandes projectos», onde, aliás, certamente não por acaso, «se acumulam os mais importantes interesses económicos privados».
Satisfação dos banqueiros
Legítimo é concluir, neste contexto, que o aperto do cinto não é para todos e que alguns continuam a dispor de benefícios ilegítimos. E se dúvidas houvesse sobre o carácter fundamental deste orçamento, como refere o nosso interlocutor, «bastaria ver a satisfação dos banqueiros e dos arautos da política de direita com as propostas do Governo. A única crítica que ainda assim lhe fazem é a de que vai no sentido certo mas ainda é pouco.»
Bastaria ver o que se passa, por exemplo, em matéria de privatizações – com a alienação do que resta do nosso melhor património público - para não ser difícil concluir que os grandes interesses se revêem por inteiro nesta política. Esse é também o entendimento da bancada do PCP que, em relação às privatizações, considera que «o Governo PS pede meças a qualquer Governo de direita». Bernardino Soares dá exemplos: «TAP e ANA são algumas das que estão na linha da frente. Mas o Governo avança decisivamente na privatização de serviços públicos. É o caso até das visitas aos parque naturais que passarão a ser concessionadas. É a famosa externalização que o Governo já tinha anunciado na reforma da administração pública».
Caminho da divergência
Contas feitas, para o PCP, não há a mínima dúvida de que com esta política o País «continuará a divergir em relação ao crescimento económico da União Europeia» e a ver agravados os seus atrasos estruturais, comprometendo o presente e o futuro.
Daí que este orçamento não possa ter outro voto que não seja o voto contra do PCP, como realçou Bernardino Soares, porquanto, sustentou, «é um orçamento de retrocesso económico e social», «um orçamento que aprofunda a adulteração do modelo do Estado consagrado pela Constituição de Abril».
Mas este não é, como o Governo quer fazer crer, um orçamento inevitável. Essa é mais uma das falácias do Executivo de Sócrates, pois – foi ainda o presidente do grupo comunista a lembrá-lo - , o orçamento «até já cumpre um dos critérios fundamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento recentemente actualizado - o do défice estrutural - e no entanto continua a aplicar o garrote».
Por isso os comunistas insistem em afirmar que há um caminho alternativo, o qual passa, defendem, «por um orçamento com mais investimento público, uma melhor distribuição da riqueza designadamente através de uma justa valorização dos salários e das reformas, maior tributação efectiva para o grande capital, melhores prestações sociais e uma política de investimento nos sectores sociais que os considere não como um fardo que é preciso aligeirar, mas como matéria decisiva para o desenvolvimento económico e social».
Redução real dos salários
Também nos salários se vai fazer sentir a política de corte nas despesas em nome do cumprimento cego da redução do défice público. Por isso este «será mais um orçamento de redução real dos salários», uma vez que o Governo fixou-se já nos 1,5% de aumento para os trabalhadores da administração pública (a que se desconta o aumento de 0,5% de desconto para a ADSE), com indicação para o sector privado de que este será o valor desejável a ter em conta. Também aqui a palavra de ordem do Governo, em sintonia com o patronato, é «moderação» e «forte contenção», sempre com o estafado argumento da competitividade, quando, como nos diz Bernardino Soares, «está mais do que provado que os salários não são o obstáculo ao aumento da competitividade da nossa produção».
Quanto às reformas e pensões e embora os mecanismos de diminuição de direitos não estejam em 2007 ainda plenamente em aplicação, o Governo já vai dizendo que as actualizações serão já inspiradas pelos novos princípios, isto é tendo em conta não já apenas a inflação prevista mas também o inferior crescimento do PIB.
Ataque brutal
Os sectores sociais são um dos alvos que estão no centro da mira da política de direita do Governo neste Orçamento. «Para além do que se prevê em relação às reformas a partir de 2007, as prestações sociais estão a ser aplicadas com critérios crescentemente restritivos», denuncia a bancada do PCP, que, por outro lado, classifica de «ataque brutal» o que se passa no capítulo da educação e da saúde.
Bernardino Soares considera mesmo que se assiste a «um vale tudo nas áreas sociais», exemplificando, a este respeito, com a redução das dotações para o pessoal que obrigarão na educação ao despedimento de professores e trabalhadores não docentes e certamente ao encerramento de mais instituições em todos os níveis de ensino; com a continuidade da política de encerramento de escolas por todo o país; com a aplicação de critérios economicistas na gestão das unidades de saúde, a crescente privatização da prestação de cuidados, e a crescente transferência de custos para os utentes.
«Na saúde vamos ter nova baixa das comparticipações de muitos medicamentos e a imposição das novas taxas que o Governo agora já não considera moderadoras mas que são de facto um co-financiamento da saúde, ao arrepio do que está estabelecido na Constituição, que significarão um aumento de 20% no total das taxas pagas, mesmo acreditando nos dados do próprio Ministério da Saúde», denunciou ao Avante! o líder parlamentar comunista, não escondendo a sua indignação por o investimento nestas áreas ser o que apelidou de «desgraça completa». Exemplo disso é o que se passa com a rede pública de educação pré escolar, sector que não vai beneficiar de qualquer investimento do Estado em 2007.
Iniquidade fiscal
O carácter socialmente injusto e a bem vincada opção de classe em favor dos poderosos é uma matriz deste OE. Estando bem presente no capítulo das despesas, é nas receitas que essa marca emerge ainda com mais intensidade. A justiça fiscal continua arredada do orçamento, como demonstra o facto de continuamos a ter uma receita fiscal maioritariamente assente nos impostos indirectos, na maior parte dos casos de aplicação cega. O peso fundamental é o do IVA em que tanto paga quem tem muito como quem tem pouco.
Entretanto, com a actualização insuficiente dos rendimentos do IRS, teremos os rendimentos do trabalho novamente penalizados, enquanto se mantém os benefícios fiscais à banca.
Importa referir, a este propósito, apesar da intensa campanha do Governo para convencer as pessoas do contrário, que a banca não vai pagar mais impostos e não está certo ainda que não passe com algumas propostas do orçamento de Estado a pagar ainda menos.
Em simultâneo o governo prossegue no alargamento da tributação das reformas, fazendo com que passem a pagar imposto pessoas com reformas ao nível dos 100 contos, no caso dos aposentados da administração pública ainda agravados pelo inédito desconto de 1% para a ADSE.
Este ano o Governo decidiu também agravar a tributação dos rendimentos dos deficientes. Não se discute que se pudessem fazer alterações no sentido de corrigir algumas injustiças relativas. Mas o Governo avança com propostas que vão penalizar rendimentos que não são altos. E em matéria de pessoas com deficiência o princípio não pode ser o de tributar os seus rendimentos sem ter em conta que a deficiência lhes impõe em regra um conjunto de encargos (para a mobilidade, ajudas técnicas, adaptação dos postos de trabalho e habitações), que na maior parte dos casos não são asseguradas pelo Estado mas suportadas pelos próprios.
Acentuar as desigualdades
Questão a que a bancada comunista dá uma particular atenção é a que se refere à repartição do rendimento. Para o PCP, e ao contrário do que propala o Executivo, este não é um Orçamento dirigido para o combate às desigualdades, à pobreza, ao desemprego.
Esta é uma questão que não suscita a menor dúvida e leva Bernardino Soares a pensar que o «rendimento continua a ser desigualmente distribuído». Há inclusivamente um conjunto de indicadores que o levam a ir mais longe e a concluir que «estão criadas as condições para o alastramento da pobreza e das desigualdades». Aí se chega, observa, «se pensarmos que o próprio Governo prevê a manutenção dos actuais elevados níveis de desemprego e, ao mesmo tempo, restringe o acesso ao respectivo subsídio; se pensarmos que o famoso complemento solidário de idosos se aplica a uns poucos milhares de pessoas (tais são as restrições no acesso); se pensarmos no facto de pela primeira vez desde há muitos anos o peso da despesa com os sectores sociais diminuir no Orçamento do Estado».
Desta realidade falou também ao Avante Bernardino Soares, presidente da bancada comunista, na véspera do arranque do debate, em conversa onde adiantou uma leitura mais pormenorizada sobre os motivos que levam o PCP a opor-se a um Orçamento que, em sua opinião, mantém os níveis de desemprego, agrava as condições de vida dos portugueses, acentua as desigualdades, ataca as funções sociais do Estado, reflecte, em suma, uma política que compromete o presente o futuro do País.
Logo que foi conhecido o OE, numa primeira reacção ao seu conteúdo, o PCP afirmou que o mesmo reflecte o prosseguimento de uma política de cega obediência ao Pacto de estabilidade. «Trata-se de um obsessão que, por um lado introduz uma lógica de redução forçada da despesa pública, independentemente das necessidades existentes, com enormes prejuízos para o desenvolvimento do país e para a vida dos trabalhadores e do povo, mas por outro serve de pretexto para a reconfiguração neo-liberal da administração pública e para a privatização de diversos sectores e serviços», diz-nos o presidente da bancada do PCP, explicitando a forma como em seu entender a obsessão do Executivo pelo défice vai determinar as políticas económicas e sociais.
Falta de rigor
O Governo, entretanto, visando conferir credibilidade ao OE, tem vindo a apresentá-lo como um documento de «rigor». Essa foi uma tecla que o Primeiro-Ministro explorou de novo no debate. A realidade, porém, encarrega-se de desmentir essa imagem de rigor, como demonstra a forma como é manipulado o valor da inflação.
Lembrado a este propósito pelo deputado comunista foi o facto de o Governo ter previsto no orçamento do corrente ano uma inflação de 2,3%, para dizer agora que o ano fechará com 2,5% e que em 2007 será de 2,1%. «Este é o quadro recorrente da subavaliação premeditada da inflação por parte dos governos», acusa, fazendo notar «que este ano a questão agrava-se uma vez que, no próprio dia da apresentação do orçamento, o INE anunciou que segundo uma nova forma de avaliação a inflação será de 3% em 2006 e apesar disso certamente abaixo do que é o real aumento do custo de vida».
«Como acreditar então numa inflação de 2,1% em 2007 com 3% em 2006 ?», pergunta Bernardino Soares, para quem esta prática recorrente de utilizar a previsão da inflação mais não é afinal do que uma artimanha que visa «justificar a imposição de diminuições reais dos salários e das reformas, actualizações insuficientes dos escalões do IRS e prestações sociais mais fracas».
Vêm aí dias piores
Neste quadro, por conseguinte, não são de esperar melhorias nas condições de vida ou no poder de compra dos trabalhadores, dos reformados e dos estratos sociais mais desprotegidos. Bernardino Soares vai mais longe e considera mesmo que «com este orçamento a vida dos portugueses será certamente mais difícil», não só pelas razões expostas, mas, igualmente, sublinha, «porque se agravaram e provavelmente agravarão as taxas de juro na habitação» (e os bancos já anteciparam os próximos aumentos), como agravados serão os preços das rendas, da água, da electricidade, do gás, dos transportes e de outros serviços públicos que serão crescentemente pagos pelas populações.
Perante este cenário fácil é concluir, pois, que o País continuará a assistir a uma injusta repartição da riqueza. O que, só por si, desmente categoricamente a propaganda do Governo que pretende fazer passar a ideia – foi o próprio Primeiro-Ministro a afirmá-lo – de que este é um «orçamento socialista» por privilegiar o combate à pobreza.
Ora a verdade é que se vive um quadro em que os grandes grupos económicos e o sector financeiro vivem desafogadamente e na maioria dos casos com lucros crescentes. «É ver os negócios bolsistas e as OPAs em curso para comprovarmos que para o grande capital a crise foi sempre uma miragem. É ver grandes empresas antes públicas e agora privadas como a EDP a distribuírem aos accionistas milhões de euros de dividendos enquanto impõem tarifas mais altas às populações», exemplifica o presidente da bancada comunista.
Corte no investimento
Aspecto central a merecer a crítica dura do Grupo Parlamentar do PCP é o que diz respeito ao investimento público, fundamental para promover o crescimento económico e o desenvolvimento, mas que leva novo corte significativo, depois de cortes sucessivos em anos anteriores.
Verberado, por outro lado, é o facto de o Governo transferir nalgumas áreas a despesa de investimento para as empresas públicas, que terão de recorrer a empréstimos se de facto quiserem concretizar alguns investimentos. Bernardino Soares faz notar, ainda neste capítulo, que a «gestão dos investimentos está cada vez mais centralizada e circunscrita aos chamados grandes projectos», onde, aliás, certamente não por acaso, «se acumulam os mais importantes interesses económicos privados».
Satisfação dos banqueiros
Legítimo é concluir, neste contexto, que o aperto do cinto não é para todos e que alguns continuam a dispor de benefícios ilegítimos. E se dúvidas houvesse sobre o carácter fundamental deste orçamento, como refere o nosso interlocutor, «bastaria ver a satisfação dos banqueiros e dos arautos da política de direita com as propostas do Governo. A única crítica que ainda assim lhe fazem é a de que vai no sentido certo mas ainda é pouco.»
Bastaria ver o que se passa, por exemplo, em matéria de privatizações – com a alienação do que resta do nosso melhor património público - para não ser difícil concluir que os grandes interesses se revêem por inteiro nesta política. Esse é também o entendimento da bancada do PCP que, em relação às privatizações, considera que «o Governo PS pede meças a qualquer Governo de direita». Bernardino Soares dá exemplos: «TAP e ANA são algumas das que estão na linha da frente. Mas o Governo avança decisivamente na privatização de serviços públicos. É o caso até das visitas aos parque naturais que passarão a ser concessionadas. É a famosa externalização que o Governo já tinha anunciado na reforma da administração pública».
Caminho da divergência
Contas feitas, para o PCP, não há a mínima dúvida de que com esta política o País «continuará a divergir em relação ao crescimento económico da União Europeia» e a ver agravados os seus atrasos estruturais, comprometendo o presente e o futuro.
Daí que este orçamento não possa ter outro voto que não seja o voto contra do PCP, como realçou Bernardino Soares, porquanto, sustentou, «é um orçamento de retrocesso económico e social», «um orçamento que aprofunda a adulteração do modelo do Estado consagrado pela Constituição de Abril».
Mas este não é, como o Governo quer fazer crer, um orçamento inevitável. Essa é mais uma das falácias do Executivo de Sócrates, pois – foi ainda o presidente do grupo comunista a lembrá-lo - , o orçamento «até já cumpre um dos critérios fundamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento recentemente actualizado - o do défice estrutural - e no entanto continua a aplicar o garrote».
Por isso os comunistas insistem em afirmar que há um caminho alternativo, o qual passa, defendem, «por um orçamento com mais investimento público, uma melhor distribuição da riqueza designadamente através de uma justa valorização dos salários e das reformas, maior tributação efectiva para o grande capital, melhores prestações sociais e uma política de investimento nos sectores sociais que os considere não como um fardo que é preciso aligeirar, mas como matéria decisiva para o desenvolvimento económico e social».
Redução real dos salários
Também nos salários se vai fazer sentir a política de corte nas despesas em nome do cumprimento cego da redução do défice público. Por isso este «será mais um orçamento de redução real dos salários», uma vez que o Governo fixou-se já nos 1,5% de aumento para os trabalhadores da administração pública (a que se desconta o aumento de 0,5% de desconto para a ADSE), com indicação para o sector privado de que este será o valor desejável a ter em conta. Também aqui a palavra de ordem do Governo, em sintonia com o patronato, é «moderação» e «forte contenção», sempre com o estafado argumento da competitividade, quando, como nos diz Bernardino Soares, «está mais do que provado que os salários não são o obstáculo ao aumento da competitividade da nossa produção».
Quanto às reformas e pensões e embora os mecanismos de diminuição de direitos não estejam em 2007 ainda plenamente em aplicação, o Governo já vai dizendo que as actualizações serão já inspiradas pelos novos princípios, isto é tendo em conta não já apenas a inflação prevista mas também o inferior crescimento do PIB.
Ataque brutal
Os sectores sociais são um dos alvos que estão no centro da mira da política de direita do Governo neste Orçamento. «Para além do que se prevê em relação às reformas a partir de 2007, as prestações sociais estão a ser aplicadas com critérios crescentemente restritivos», denuncia a bancada do PCP, que, por outro lado, classifica de «ataque brutal» o que se passa no capítulo da educação e da saúde.
Bernardino Soares considera mesmo que se assiste a «um vale tudo nas áreas sociais», exemplificando, a este respeito, com a redução das dotações para o pessoal que obrigarão na educação ao despedimento de professores e trabalhadores não docentes e certamente ao encerramento de mais instituições em todos os níveis de ensino; com a continuidade da política de encerramento de escolas por todo o país; com a aplicação de critérios economicistas na gestão das unidades de saúde, a crescente privatização da prestação de cuidados, e a crescente transferência de custos para os utentes.
«Na saúde vamos ter nova baixa das comparticipações de muitos medicamentos e a imposição das novas taxas que o Governo agora já não considera moderadoras mas que são de facto um co-financiamento da saúde, ao arrepio do que está estabelecido na Constituição, que significarão um aumento de 20% no total das taxas pagas, mesmo acreditando nos dados do próprio Ministério da Saúde», denunciou ao Avante! o líder parlamentar comunista, não escondendo a sua indignação por o investimento nestas áreas ser o que apelidou de «desgraça completa». Exemplo disso é o que se passa com a rede pública de educação pré escolar, sector que não vai beneficiar de qualquer investimento do Estado em 2007.
Iniquidade fiscal
O carácter socialmente injusto e a bem vincada opção de classe em favor dos poderosos é uma matriz deste OE. Estando bem presente no capítulo das despesas, é nas receitas que essa marca emerge ainda com mais intensidade. A justiça fiscal continua arredada do orçamento, como demonstra o facto de continuamos a ter uma receita fiscal maioritariamente assente nos impostos indirectos, na maior parte dos casos de aplicação cega. O peso fundamental é o do IVA em que tanto paga quem tem muito como quem tem pouco.
Entretanto, com a actualização insuficiente dos rendimentos do IRS, teremos os rendimentos do trabalho novamente penalizados, enquanto se mantém os benefícios fiscais à banca.
Importa referir, a este propósito, apesar da intensa campanha do Governo para convencer as pessoas do contrário, que a banca não vai pagar mais impostos e não está certo ainda que não passe com algumas propostas do orçamento de Estado a pagar ainda menos.
Em simultâneo o governo prossegue no alargamento da tributação das reformas, fazendo com que passem a pagar imposto pessoas com reformas ao nível dos 100 contos, no caso dos aposentados da administração pública ainda agravados pelo inédito desconto de 1% para a ADSE.
Este ano o Governo decidiu também agravar a tributação dos rendimentos dos deficientes. Não se discute que se pudessem fazer alterações no sentido de corrigir algumas injustiças relativas. Mas o Governo avança com propostas que vão penalizar rendimentos que não são altos. E em matéria de pessoas com deficiência o princípio não pode ser o de tributar os seus rendimentos sem ter em conta que a deficiência lhes impõe em regra um conjunto de encargos (para a mobilidade, ajudas técnicas, adaptação dos postos de trabalho e habitações), que na maior parte dos casos não são asseguradas pelo Estado mas suportadas pelos próprios.
Acentuar as desigualdades
Questão a que a bancada comunista dá uma particular atenção é a que se refere à repartição do rendimento. Para o PCP, e ao contrário do que propala o Executivo, este não é um Orçamento dirigido para o combate às desigualdades, à pobreza, ao desemprego.
Esta é uma questão que não suscita a menor dúvida e leva Bernardino Soares a pensar que o «rendimento continua a ser desigualmente distribuído». Há inclusivamente um conjunto de indicadores que o levam a ir mais longe e a concluir que «estão criadas as condições para o alastramento da pobreza e das desigualdades». Aí se chega, observa, «se pensarmos que o próprio Governo prevê a manutenção dos actuais elevados níveis de desemprego e, ao mesmo tempo, restringe o acesso ao respectivo subsídio; se pensarmos que o famoso complemento solidário de idosos se aplica a uns poucos milhares de pessoas (tais são as restrições no acesso); se pensarmos no facto de pela primeira vez desde há muitos anos o peso da despesa com os sectores sociais diminuir no Orçamento do Estado».