«A luta continua!»
Para assinalar a passagem do primeiro aniversário da morte do General Vasco Gonçalves, a sua dimensão ética, moral e política, o seu exemplo de dedicação ao País e aos portugueses, a sua simplicidade e transparência e sobretudo a sua luta por uma sociedade mais justa e mais fraterna, mais de um milhar de pessoas encheu, no sábado, a Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa. Foi um momento único e cheio de força, onde se homenageou um político da Revolução de Abril que defendeu intransigentemente os seus ideais, sem qualquer tipo de aproveitamento pessoal, com a humildade que outros, noutras circunstâncias, não tiveram.
Esta iniciativa, apresentada por Cândido Mota, contou com a participação do Coro Lopes Graça da Academia de Amadores de Música, do pianista Fausto Neves, do Coro dos Mineiros de Aljustrel, do Grupo Coral Feminino Terra de Catarina de Baleizão e do cantor Manuel Freire. As intervenções do general Pezarat Correia, do professor Barata Moura, do coronel Luís Vicente da Silva e de Vasco Gonçalves Larangeira, neto do homenageado, recordaram a dinâmica de uma Revolução que superou tudo o que a imaginação de um povo, por mais fértil que fosse, podia prever.
Faltavam ainda longos minutos para que a homenagem se iniciasse, já a Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa se encontrava repleta de gente. A cada segundo que passava, muitos outros se iam juntando aos que lá já se encontravam e que admiravam, por um lado, ou relembravam, por outro, através de uma pequena exposição, parte daquela que foi a vida de um homem que, juntamente com muitos outros, sempre defendeu os ideais de Abril.
Entre estes e importantes momentos, podia ver-se, por exemplo, uma fotografia de Vasco Gonçalves com Jorge Reis e Fernando Lopes Graça, outra no aniversário da nacionalização das Minas de Aljustrel, junto de Manuel Patrício - dirigente sindical, e, ainda, na UCP 1.º de Maio, em Avis. Havia ainda alguns cartazes onde podia ler-se: «A cultura é a liberdade do povo», «Força, força, companheiro Vasco; Nós seremos a muralha de aço», «Os trabalhadores da nova banca abrem ao povo a porta do futuro». À cabeça da exposição mostrava-se uma caricatura de autoria de Baltazar Ortega, onde Vasco Gonçalves, bastante sorridente, segurava um cravo.
À hora marcada, por volta das 15h30, dava-se inicio ao momento cultural que antecedia as intervenções programadas. Lá dentro, tal não foi a adesão, já não havia cadeiras para que todos se pudessem sentar. Foi, certamente, uma das maiores enchentes daquele espaço. Os mais novos deram lugar aos mais velhos, que, de pé, lado a lado, reviveram os tempos de todas as verdades e dos ideais tornados realidade.
A primeira intervenção esteve a cargo do Coro Lopes Graça da Academia de Amadores de Música. Segui-se o pianista Fausto Neves, que tocou duas peças, uma delas inédita, de Fernando Lopes Graça. Oriundo de uma família com tradições musicais, Fausto Neves iniciou os seus estudos na Academia de Música de Espinho - e completou-os no Conservatório de Música do Porto, na Universidade Laval (Canadá) e no Conservatório de Música de Genebra (Suíça), onde conquistou o Prémio de Virtuosidade.
A força de quem trabalha
Num momento de continuada beleza artística, sempre aclamada, quase sempre de punho erguido, seguiu-se o Grupo Coral Feminino Terra de Catarina de Baleizão. Durante a sua actuação, no intervalo de um dos cantares, uma das mulheres evocou a luta de Catarina Eufémia. A plateia responde-lhe: «A luta continua». Para terminar, de lenço branco na mão, as mulheres despediram-se da Aula Magna sob um intenso bater de palmas. Seguiu-se Manuel Freire que, em uníssono com a plateia, cantou, entre outras, a «Pedra Filosofal», de António Gedeão.
Depois de um momento de poesia, oferecido, através de áudio, pela actriz Maria do Céu Guerra, foi a vez de subir ao palco o Coro dos Mineiros de Aljustrel. Vestidos a preceito - fato de trabalho azul, capacete e um lenço de cores portuguesas - os mineiros, companheiros de trabalho, unidos, cantaram e encantaram toda aquela imensa plateia, com as suas vozes. É o canto de trabalho, amor e luta, na sua forma mais autêntica, em todo o seu esplendor. «Grândola Vila Morena», foi um dos temas que todos cantaram. À despedida algo de único aconteceu. Desrespeitando a formatura, um dos mineiros viu Jerónimo de Sousa e foi abraçá-lo. De repente, o secretário geral do PCP ficou rodeado pelos mineiros, que lhe ofereceram o seu apoio, a sua camaradagem.
Abril resiste!
Depois de uma pequena intervenção do general Pezarat Correia, que falou um pouco da sua experiência de vida com Vasco Gonçalves, José Barata-Moura afirmou que a Revolução de Abril não foi um episódio «revoluto».
«O Portugal de Abril, uma vez lançado às águas da história do povo, é uma obra de muitos maios que continua a desafiar a imaginação, a lucidez, o trabalho, de um desafio colectivo nosso que, apesar, dentro e para além de todas as vicissitudes desfavoráveis e contrárias, não abdicamos de escrever e de inscrever no corpo das realidades», afirmou, sublinhando que «é neste marco, é neste espírito, é com esta determinação e este horizonte de luta, que, com Vasco Gonçalves, comemoramos aqui uma gesta, em que ele foi gesto e de que nós nos sentimos herdeiros de estaleiro em construção, não dissipadores, nem mal-agradecidos».
Para os mais «distraídos», o professor universitário lembrou ainda que foi com Vasco Gonçalves, à frente dos II, III, IV e V governos provisórios da República, durante cerca de 14 meses, entre meados de Julho de 1974 e os começos de Setembro de 1975, que se deram os avanços mais significativos num processo revolucionário, «de antemão e de entrada, antifascista e anti-colonialista, mas que, com clara firmeza, perspectivas as transformações necessárias num sentido de, no mesmo passo, corresponder efectivamente aos anseios de melhoria de condição, de desenvolvimento económico e social, de maioridade esclarecida, do povo português».
«Lançaram-se, assim, as bases da institucionalização e do enraizamento do regime democrático, com a instauração de amplas liberdades, garantias e direitos políticos, cívicos, culturais, sindicais e laborais. Destruíram-se os esteios do capitalismo monopolista de Estado e dos grandes grupos económicos, tendo-se nacionalizado a banca, os seguros, os sectores básicos de produção, as principais empresas de transportes e comunicações, dando origem à criação de um sector público de peso determinante na economia, na regulação dos mercados e no comércio externo», frisou José Barata-Moura, acrescentando: «Realizou-se a Reforma Agrária, aprovou-se uma nova lei do arrendamento rural, e devolveram-se os terrenos baldios às populações vizinhas. Melhoraram-se e dignificaram-se substancialmente as condições de vida dos trabalhadores, em geral, e de vastas camadas sociais. Promoveram-se transformações progressistas no ensino, na cultura, no desporto, na saúde, com uma forte respiração e cunho democratizadores».
Esta importante intervenção será brevemente publicada na íntegra pelo Avante!.
Ofensivas sistemáticas
Reportando-se para o presente, o professor universitário alertou para «uma série de ofensivas sistemáticas e programadas contra tudo aquilo que objectivamente pode constituir uma base material, social e de esperança para a construção de formas realmente novas de produzir e de reproduzir o viver colectivo».
«No meio destas torrentes de conformação sibilina e muscularmente induzida, e contra uma impetuosidade de águas que ganha velocidade e poder de arrastamento à medida que prolonga a sua marcha sem freio, Abril permanece levantado, de pé, resiste, não como uma memória saudosa que se referencia, não como um sonho perdido que nos acalenta o coração resfriado, não como uma teimosia sanguínea de que se esqueceram as razões verdadeiras: mas, sim, como um objectivo de luta que, em condições transformadas e buscando uma transformação das condições, não capitula, não desiste, não se entrega: trabalha», afirma Barata-Moura, acentuando que «o caminho não é fácil, não é simples, não tem êxito assegurado ou oferecido imediatamente em cada pequeno ou grande combate».
Mas, como um dia Vasco Gonçalves disse: «Só a luta, sobre a base de problemas concretos, procurando mobilizar as consciências e os corações, estimular a disponibilidade para a acção ao longo da qual se promoverá a participação e a intervenção populares, em todos os domínios da vida da sociedade, conduzirá o homem a ser sujeito do seu próprio destino».
Contra a ditadura e as injustiças
Por seu lado, o coronel Luís Vicente da Silva fez um relato histórico e de vida, que sempre acompanhou, de Vasco Gonçalves.
Lembrou ainda os avanços proporcionados com a Revolução de Abril, nomeadamente «a instituição do salário mínimo nacional», «o 13.º mês, que corresponde ao subsídio de Natal», «as férias para os trabalhadores e o subsídio de férias», «as pensões de reforma passaram, pelo menos, para o dobro», «os despedimentos sem justa causa que deixaram de existir».
«No curto espaço em foi primeiro-ministro não seria possível, com as dificuldades que ia encontrando, fazer tudo aquilo que ambicionava. Falando com ele, sabia muitos dos desejos que tinha e que não podia, de forma alguma, ver realizados de imediato», lamentou, sublinhando que Vasco Gonçalves «deixou uma rota, um caminho, que, infelizmente, foi apagado por essa gente que nos governa».
Um exemplo a seguir
Outro momento de grande emoção foi a intervenção de Vasco Gonçalves Larangeira, neto do homenageado.
«Para ele [Vasco Gonçalves] as pessoas estavam realmente primeiro. Todos tinham o mesmo direito a viver condignamente, a ter empregos estáveis, justamente remunerados, para que acima de tudo pudessem viver felizes, sem a pressão diária da necessidade de sobrevivência», relatou, a certa parte, acrescentando que o seu avô «se preocupava, sofria, com o que se passava não apenas com a sociedade actual mas com o rumo da civilização».
«Sofria com o problema dos outros, como se todos esses outros pelo mundo fora fossem da sua própria família. Sentia nele, um amor sem reservas pelo povo, pelos trabalhadores e pelos mais desprotegidos», continuou.
Porque cresceu com o 25 de Abril em sua casa, Vasco Gonçalves Larangeira teve ainda a sorte de ter convivido com figuras históricas que se destacaram na luta contra a ditadura e na Revolução que não viveu.
Em Peniche, «ouvi Dias Lourenço recordar como se evadira da prisão no tempo da ditadura. De como do cimo do forte saltara para o mar, correndo o risco de se esmagar sobre as rochas.»
Recordando o dia do funeral de Vasco Gonçalves, contou ainda uma história, que nunca irá esquecer. Uma senhora, nos seus quarenta anos, veio ter com ele e disse estas palavras: «Sou de uma família de oito irmãos, filhos de trabalhadores do campo. E queria que soubesse da minha boca que só no tempo dos governos do seu avô comi pela primeira vez um bife. Nós antes só comíamos os restos deles.»
«Vivências que pareciam mitos, eram realmente verdades passados no século XX», lamentou, terminando: «Se alguma dúvida ainda me restasse da justeza da acção política do meu avô, ter-se-ia desvanecido naquele momento. O meu avô será sempre para mim um exemplo a seguir na procura de melhores formas de vivência e convívio humanas. Um exemplo de alguém que lutou até ao fim pela melhoria de condições de vida do povo português».
Faltavam ainda longos minutos para que a homenagem se iniciasse, já a Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa se encontrava repleta de gente. A cada segundo que passava, muitos outros se iam juntando aos que lá já se encontravam e que admiravam, por um lado, ou relembravam, por outro, através de uma pequena exposição, parte daquela que foi a vida de um homem que, juntamente com muitos outros, sempre defendeu os ideais de Abril.
Entre estes e importantes momentos, podia ver-se, por exemplo, uma fotografia de Vasco Gonçalves com Jorge Reis e Fernando Lopes Graça, outra no aniversário da nacionalização das Minas de Aljustrel, junto de Manuel Patrício - dirigente sindical, e, ainda, na UCP 1.º de Maio, em Avis. Havia ainda alguns cartazes onde podia ler-se: «A cultura é a liberdade do povo», «Força, força, companheiro Vasco; Nós seremos a muralha de aço», «Os trabalhadores da nova banca abrem ao povo a porta do futuro». À cabeça da exposição mostrava-se uma caricatura de autoria de Baltazar Ortega, onde Vasco Gonçalves, bastante sorridente, segurava um cravo.
À hora marcada, por volta das 15h30, dava-se inicio ao momento cultural que antecedia as intervenções programadas. Lá dentro, tal não foi a adesão, já não havia cadeiras para que todos se pudessem sentar. Foi, certamente, uma das maiores enchentes daquele espaço. Os mais novos deram lugar aos mais velhos, que, de pé, lado a lado, reviveram os tempos de todas as verdades e dos ideais tornados realidade.
A primeira intervenção esteve a cargo do Coro Lopes Graça da Academia de Amadores de Música. Segui-se o pianista Fausto Neves, que tocou duas peças, uma delas inédita, de Fernando Lopes Graça. Oriundo de uma família com tradições musicais, Fausto Neves iniciou os seus estudos na Academia de Música de Espinho - e completou-os no Conservatório de Música do Porto, na Universidade Laval (Canadá) e no Conservatório de Música de Genebra (Suíça), onde conquistou o Prémio de Virtuosidade.
A força de quem trabalha
Num momento de continuada beleza artística, sempre aclamada, quase sempre de punho erguido, seguiu-se o Grupo Coral Feminino Terra de Catarina de Baleizão. Durante a sua actuação, no intervalo de um dos cantares, uma das mulheres evocou a luta de Catarina Eufémia. A plateia responde-lhe: «A luta continua». Para terminar, de lenço branco na mão, as mulheres despediram-se da Aula Magna sob um intenso bater de palmas. Seguiu-se Manuel Freire que, em uníssono com a plateia, cantou, entre outras, a «Pedra Filosofal», de António Gedeão.
Depois de um momento de poesia, oferecido, através de áudio, pela actriz Maria do Céu Guerra, foi a vez de subir ao palco o Coro dos Mineiros de Aljustrel. Vestidos a preceito - fato de trabalho azul, capacete e um lenço de cores portuguesas - os mineiros, companheiros de trabalho, unidos, cantaram e encantaram toda aquela imensa plateia, com as suas vozes. É o canto de trabalho, amor e luta, na sua forma mais autêntica, em todo o seu esplendor. «Grândola Vila Morena», foi um dos temas que todos cantaram. À despedida algo de único aconteceu. Desrespeitando a formatura, um dos mineiros viu Jerónimo de Sousa e foi abraçá-lo. De repente, o secretário geral do PCP ficou rodeado pelos mineiros, que lhe ofereceram o seu apoio, a sua camaradagem.
Abril resiste!
Depois de uma pequena intervenção do general Pezarat Correia, que falou um pouco da sua experiência de vida com Vasco Gonçalves, José Barata-Moura afirmou que a Revolução de Abril não foi um episódio «revoluto».
«O Portugal de Abril, uma vez lançado às águas da história do povo, é uma obra de muitos maios que continua a desafiar a imaginação, a lucidez, o trabalho, de um desafio colectivo nosso que, apesar, dentro e para além de todas as vicissitudes desfavoráveis e contrárias, não abdicamos de escrever e de inscrever no corpo das realidades», afirmou, sublinhando que «é neste marco, é neste espírito, é com esta determinação e este horizonte de luta, que, com Vasco Gonçalves, comemoramos aqui uma gesta, em que ele foi gesto e de que nós nos sentimos herdeiros de estaleiro em construção, não dissipadores, nem mal-agradecidos».
Para os mais «distraídos», o professor universitário lembrou ainda que foi com Vasco Gonçalves, à frente dos II, III, IV e V governos provisórios da República, durante cerca de 14 meses, entre meados de Julho de 1974 e os começos de Setembro de 1975, que se deram os avanços mais significativos num processo revolucionário, «de antemão e de entrada, antifascista e anti-colonialista, mas que, com clara firmeza, perspectivas as transformações necessárias num sentido de, no mesmo passo, corresponder efectivamente aos anseios de melhoria de condição, de desenvolvimento económico e social, de maioridade esclarecida, do povo português».
«Lançaram-se, assim, as bases da institucionalização e do enraizamento do regime democrático, com a instauração de amplas liberdades, garantias e direitos políticos, cívicos, culturais, sindicais e laborais. Destruíram-se os esteios do capitalismo monopolista de Estado e dos grandes grupos económicos, tendo-se nacionalizado a banca, os seguros, os sectores básicos de produção, as principais empresas de transportes e comunicações, dando origem à criação de um sector público de peso determinante na economia, na regulação dos mercados e no comércio externo», frisou José Barata-Moura, acrescentando: «Realizou-se a Reforma Agrária, aprovou-se uma nova lei do arrendamento rural, e devolveram-se os terrenos baldios às populações vizinhas. Melhoraram-se e dignificaram-se substancialmente as condições de vida dos trabalhadores, em geral, e de vastas camadas sociais. Promoveram-se transformações progressistas no ensino, na cultura, no desporto, na saúde, com uma forte respiração e cunho democratizadores».
Esta importante intervenção será brevemente publicada na íntegra pelo Avante!.
Ofensivas sistemáticas
Reportando-se para o presente, o professor universitário alertou para «uma série de ofensivas sistemáticas e programadas contra tudo aquilo que objectivamente pode constituir uma base material, social e de esperança para a construção de formas realmente novas de produzir e de reproduzir o viver colectivo».
«No meio destas torrentes de conformação sibilina e muscularmente induzida, e contra uma impetuosidade de águas que ganha velocidade e poder de arrastamento à medida que prolonga a sua marcha sem freio, Abril permanece levantado, de pé, resiste, não como uma memória saudosa que se referencia, não como um sonho perdido que nos acalenta o coração resfriado, não como uma teimosia sanguínea de que se esqueceram as razões verdadeiras: mas, sim, como um objectivo de luta que, em condições transformadas e buscando uma transformação das condições, não capitula, não desiste, não se entrega: trabalha», afirma Barata-Moura, acentuando que «o caminho não é fácil, não é simples, não tem êxito assegurado ou oferecido imediatamente em cada pequeno ou grande combate».
Mas, como um dia Vasco Gonçalves disse: «Só a luta, sobre a base de problemas concretos, procurando mobilizar as consciências e os corações, estimular a disponibilidade para a acção ao longo da qual se promoverá a participação e a intervenção populares, em todos os domínios da vida da sociedade, conduzirá o homem a ser sujeito do seu próprio destino».
Contra a ditadura e as injustiças
Por seu lado, o coronel Luís Vicente da Silva fez um relato histórico e de vida, que sempre acompanhou, de Vasco Gonçalves.
Lembrou ainda os avanços proporcionados com a Revolução de Abril, nomeadamente «a instituição do salário mínimo nacional», «o 13.º mês, que corresponde ao subsídio de Natal», «as férias para os trabalhadores e o subsídio de férias», «as pensões de reforma passaram, pelo menos, para o dobro», «os despedimentos sem justa causa que deixaram de existir».
«No curto espaço em foi primeiro-ministro não seria possível, com as dificuldades que ia encontrando, fazer tudo aquilo que ambicionava. Falando com ele, sabia muitos dos desejos que tinha e que não podia, de forma alguma, ver realizados de imediato», lamentou, sublinhando que Vasco Gonçalves «deixou uma rota, um caminho, que, infelizmente, foi apagado por essa gente que nos governa».
Um exemplo a seguir
Outro momento de grande emoção foi a intervenção de Vasco Gonçalves Larangeira, neto do homenageado.
«Para ele [Vasco Gonçalves] as pessoas estavam realmente primeiro. Todos tinham o mesmo direito a viver condignamente, a ter empregos estáveis, justamente remunerados, para que acima de tudo pudessem viver felizes, sem a pressão diária da necessidade de sobrevivência», relatou, a certa parte, acrescentando que o seu avô «se preocupava, sofria, com o que se passava não apenas com a sociedade actual mas com o rumo da civilização».
«Sofria com o problema dos outros, como se todos esses outros pelo mundo fora fossem da sua própria família. Sentia nele, um amor sem reservas pelo povo, pelos trabalhadores e pelos mais desprotegidos», continuou.
Porque cresceu com o 25 de Abril em sua casa, Vasco Gonçalves Larangeira teve ainda a sorte de ter convivido com figuras históricas que se destacaram na luta contra a ditadura e na Revolução que não viveu.
Em Peniche, «ouvi Dias Lourenço recordar como se evadira da prisão no tempo da ditadura. De como do cimo do forte saltara para o mar, correndo o risco de se esmagar sobre as rochas.»
Recordando o dia do funeral de Vasco Gonçalves, contou ainda uma história, que nunca irá esquecer. Uma senhora, nos seus quarenta anos, veio ter com ele e disse estas palavras: «Sou de uma família de oito irmãos, filhos de trabalhadores do campo. E queria que soubesse da minha boca que só no tempo dos governos do seu avô comi pela primeira vez um bife. Nós antes só comíamos os restos deles.»
«Vivências que pareciam mitos, eram realmente verdades passados no século XX», lamentou, terminando: «Se alguma dúvida ainda me restasse da justeza da acção política do meu avô, ter-se-ia desvanecido naquele momento. O meu avô será sempre para mim um exemplo a seguir na procura de melhores formas de vivência e convívio humanas. Um exemplo de alguém que lutou até ao fim pela melhoria de condições de vida do povo português».