Fórum Social Português

Lutar é o caminho!

Miguel Inácio
Almada acolheu, de sexta-feira a domingo, o Fórum Social Português. Foram três dias de conferências, oficinas e bancas, teatro e música, que deram expressão à convicção de que é possível trilhar caminhos rumo a um futuro mais justo e solidário. O PCP esteve presente nesta iniciativa, com voz própria e convicções, procurando unir e contribuir para isolar as visões retrógradas da ideologia dominante que defende a opressão, as discriminações e a guerra e que no nosso País tem expressões várias nas políticas de sucessivos governos.
As actividades do FSP realizaram-se todas em Almada, em torno da magnífica Praça São João Baptista. O Fórum Romeu Correia, as escolas Emídio Navarro e D. António da Costa, o Externato Frei Luiz de Sousa e o Teatro Municipal de Almada acolheram pessoas, organizações e movimentos que com a sua presença reafirmaram que um outro mundo – mais pacífico, mais justo, solidário, ecológico e sustentável – não é apenas necessário, mas possível.
No FSP participaram 98 organizações e centenas de pessoas em nome individual, que trabalham em diferentes áreas e convicções.
Fora da ordem de trabalhos, o FSP serviu também para mostrar a todos que aquele é um concelho com vida própria, jovem, activo, moderno e com qualidade de vida.

A conferência «Portugal numa Europa e num mundo mais justo, solidário e pacifico», que se realizou no Teatro Municipal de Almada, abriu os trabalhos. Nela participaram, com diferentes temas, Celina Santos (moderadora), Regina Marques (Paz e Guerra), Rui Namorado Rosa (Militarização), Sérgio Ribeiro (União Europeia e construção europeia) e Silas Cerqueira (Médio Oriente).
«No Médio Oriente a opressão económica e militar é brutal», alertou Silas Cerqueira, informando, para conhecimento de todos, que não eram poucos, que aquela área, bastante apetecida em termos de política geo-estratégica, abrange 9,5 por cento da superfície terrestre, 6,5 por cento da população e 3,5 do PIB mundial.
No caso particular da Palestina, Silas Cerqueira, apelando à solidariedade do povo português, informou, segundo um estudo das Nações Unidas, que as mortes de crianças palestinianas, no conflito com Israel, já são, nesta altura, mais do dobro do que foram em 2005. «Aqui não pode haver imparcialidade. Israel está a promover uma política racista, colonialista, imperialista e criminosa», denunciou.

Retirar direitos

Quando a noite rompia, lugar houve para mais uma conferência. Desta vez o tema era «Funções Sociais do Estado e Serviços Públicos». Aqui participaram Maria do Carmo Tavares (Funções Sociais do Estado), Luísa Ramos (Serviços Públicos), Nuno Vitorino (Água), Natacha Nunes (Educação) e Helena Roseta (Habitação). Rita Silva moderou os trabalhos.
«Os serviços públicos e as funções sociais do Estado são direitos básicos e fundamentais dos cidadãos, são uma conquista de Abril e estão consagrados na Constituição da República portuguesa, apesar das várias revisões feitas», lembrou Luísa Ramos, acusando os grupos financeiros, nacionais e internacionais, com o apoio dos sucessivos governos, de desenvolver «um ataque sistemático aos serviços públicos e uma ofensiva liberalizadora com o objectivo claro da sua descaracterização, degradação, redução e aumento dos preços para os seus utentes».
«Defendemos um sector público forte, dinâmico e eficiente. Para isso é necessário uma nova política onde prevaleça o interesse nacional, pondo fim às privatizações e ao desmantelamento dos serviços públicos essenciais. Só com um forte sector público poderemos construir uma sociedade desenvolvida, moderna e democrática», concluiu Luísa Ramos.

Condenar
as políticas do neoliberalismo


No sábado, as actividades do FSP começaram mais cedo. Na parte da manhã, realizaram três outras conferências. O auditório Fernando Lopes Graça acolheu a conferência «Trabalho, Economia e Globalização». Nela participaram Timóteo Macedo (moderador), Manuel Carvalho da Silva (Trabalho), António Avelãs Nunes (Economia e Globalização), Virgínia Ferreira (Feminização), Inês Fontinha (Tráfico de Mulheres) e Rui Pedro (Mobilidade Humana e Tráfico).
Num outro espaço, neste caso no Auditório do Externato Frei Luiz de Sousa, Marisa Matia (moderadora), João Vieira (Soberania Alimentar e Agricultura), Mário Ruivo (Desenvolvimento Sustentável), Luís Vicente (Ambiente) e Rita Alcazar (Activismo Ambiental) falaram sobre «Ambiente, soberania alimentar e desenvolvimento sustentável».
Por seu lado, no Ginásio da Escola Secundária Emídio Navarro, Natacha Amaro (moderadora), Elisabete Brasil (Direitos das Mulheres), Miguel Vale de Almeida (Direitos LGBT), Jorge Silva (Imigrantes), Manuel Correia (Racismo e Xenofobia) e Lia Vasconcelos (Participação Cívica), debateram «Direitos, participação, democracia, igualdade e luta contra as discriminações».

Actualidade do Socialismo
Processos de luta e construção de alternativas

O Auditório Fernando Lopes Graça acolheu, no sábado, a maior iniciativa do Fórum Social Português. Organizada pelo PCP, cerca de duas centenas de pessoas fizeram questão de estar presentes no debate que tinha como nome «Processos de Luta e Construções de Alternativas. A Actualidade do Socialismo». Participaram nesta iniciativa Albano Nunes, António Avelãs Nunes, Ilda Figueiredo e Jorge Cordeiro (moderador).
Alertando para os crescentes atentados a direitos e liberdades fundamentais, prisões secretas, torturas, o avanço da extrema-direita e, consequentemente, o anticomunismo, Albano Nunes destacou dois elementos fundamentais. O primeiro aquando da Guerra do Golfo, «em que é proclamada a construção de uma ordem mundial, destinada a assegurar uma nova formação de forças, diferente e contrária à que passou por toda a 2.ª Guerra Mundial». O segundo momento, continuou, «é o chamado 11 de Setembro. Sob o pretexto da guerra ao terrorismo o imperialismo acentua brutalmente a sua ofensiva de colonização do planeta, com os EUA procurando a hegemonia a todo o custo».
Esta é, para o dirigente comunista, «uma ofensiva em que o imperialismo norte-americano é o inimigo principal». «É necessário sublinhar que o imperialismo não têm as mãos livres e que, por toda a parte, prossegue a resistência, a luta dos trabalhadores e dos povos», afirmou Albano Nunes, dando como exemplo o Médio Oriente e a Ásia Central.
Esta resistência percorre praticamente todo o mundo, inclusivamente a Europa. «É fundamental não esquecer o significado do "Não" à projectada constituição europeia, em França, na Holanda, que embrulhou e atrapalhou extraordinariamente os projectos do imperialismo», valorizou.
Por outro lado, Albano Nunes reafirmou os progressos e avanços que suscitam a esperança na América Latina. «Tratam-se, sem dúvida, de processos muito diferenciados que expressam uma grande vontade de mudança», disse, acentuando «não ter dúvidas», que «a perspectiva do desenvolvimento mundial é o socialismo e o comunismo».

Combater os «bush’s» do mundo

António Avelãs Nunes, desmistificou, através da teoria de Keynes, os fundamentos do neoliberalismo. «A nova direita, assim chamada, a que está por detrás de todos os “bush’s” do mundo, vem insistindo na redução do Estado, na privatização do serviço público, na desregulação das relações laborais, na eliminação do poder dos sindicatos, tudo isto, em nome das leis de mercado, da concorrência livre», acusou o economista, sublinhando que «é preciso adoptar novas políticas».
«As coisas não acontecem apenas porque nós queremos que elas aconteçam. As boas intenções e o voluntarismo nunca foram o motor da história. O motor da história, também já está dito e escrito, foi a luta de classes. É por aqui que tem que continuar a passar a nossa luta», concluiu.
Por seu lado, Ilda Figueiredo, cerzindo as duas intervenções anteriores, reflectiu sobre a permanência de Portugal na União Europeia. «Há 20 anos prometeram-nos que vinha ai o paraíso, que iríamos viver todos felizes, com grandes salários. Hoje, a população portuguesa já não pensa assim», acentuou, dando o exemplo da Constituição Europeia, «que só não foi para a frente porque o Governo não tinha a certeza que o resultado fosse favorável».

JCP debate processo de Bolonha
Destruição do Ensino Superior Público

Também a JCP participou no Fórum Social Português. Sob o tema «Processo de Bolonha: Destruição do Ensino Superior Público português», dezenas de pessoas, jovens na sua maioria, os principais interessados e visados neste objectivo, contrário aos interesses dos estudantes portugueses, participaram no debate que se realizou, sábado, na parte da tarde, na Escola Básica D. António da Costa.
«O Processo de Bolonha não está desligado daquilo que é um processo mais geral do sistema capitalista, cujo objectivo é a dominação de todas as esferas da sociedade», alertou Paulo Marques, denunciando os seus objectivos centrais, relativamente à educação: «Por um lado, querem entregar o Ensino Superior ao sector privado. Depois, adequar o produto às necessidades do capital».
Deste modo, o objectivo deste processo é fazer coincidir as características do Ensino Superior com as vontades e necessidades do patronato e do mercado de trabalho por si dominado. Daí que se passe a considerar o ensino não mais como uma «fonte de conhecimento», mas, a partir de agora, como um meio de «aquisição de competências», ou seja, em vez da educação servir para formar, elevar a consciência e o espírito crítico, passa a servir para incutir conhecimentos meramente técnicos e, por isso, profundamente limitados no que deve ser a função social da educação, em geral, e do Ensino Superior, em particular.
Assim, em termos concretos, o que assistimos é um reduzir das licenciaturas para três anos e o apelidar de «mestrado» aos dois anos seguintes.

Ensino para todos

Tiago Vieira deu, entretanto, alguns exemplos. «Uma licenciatura em Economia passará a garantir qualquer coisa como um estatuto de técnico de contabilidade. No ISCTE, em Arquitectura, os alunos serão apenas desenhadores. Os que tirarem o curso de advocacia serão ajudantes de advogados», enumerou o jovem comunista, acentuando que «todas as pessoas que tirarem uma só licenciatura estarão sujeitos, no desempenho da sua profissão, à dependência, não só económica como até prática, daqueles que tenham um mestrado».
«Nada de isto decorre de cálculos matemáticos feitos pela JCP, ou de especulação, mas sim de afirmações dos próprios directores ou dirigentes dessas instituições», acrescentou Tiago Vieira.
Neste sentido, a JCP defende a retirada imediata de Portugal do Processo de Bolonha, a restituição das características das licenciaturas de quatro e cinco anos e a adopção de uma estratégia de massificação sustentada do Ensino Superior público, permitindo que este seja universal.
Para que isto aconteça só há um caminho: a luta. Lamentando que mobilização para a discussão tem sido «pouca ou nenhuma», Andreia Pereira acentuou, no entanto, que «à medida que os estudantes se vão apercebendo destas medidas, vai crescendo o descontentamento dos estudantes e, como é obvio, a luta».

Solidariedade com os povos em luta
Pela paz no Sahara Ocidental!

Este foi também um espaço de solidariedade internacionalista. No domingo, logo pela manhã, organizado pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), realizou-se, na Escola Secundária Emídio Navarro, o debate «Solidariedade com o Sahara Ocidental, pela paz e autodeterminação dos povos».
Esta iniciativa contou com a presença de Mohamed Lamin, representante da Frente Polisário em Portugal, e Rosário Salgueiro, jornalista da RTP, que, recentemente, realizou um documentário sobre a situação do povo saharauí.
Do debate, acentuou-se a imensa capacidade de luta, de resistência, de sacrifício e de adaptação às condições de vida inóspitas que tem sido impostas ao povo saharauí. Mohamed Lamin denunciou, entretanto, que, apesar de, em Agosto de 1988, as duas partes (Marrocos e Sahara Ocidental) neste processo terem aceite um plano de paz do secretário-geral da ONU, que incluía a retirada das tropas marroquinas e a realização de um referendo sobre independência ou anexação do território, Marrocos continua a boicotar o processo.
Por seu lado, Rosário Salgueiro frisou que aquele povo sobrevive graças à ajuda e solidariedade internacionais. No entanto, essa ajuda está a diminuir. «Não vi crianças com fome, mas sim com falta de alimentos básicos, sobrevivendo à base de lentilhas e arroz», relatou a jornalista.
Durante os três dias de Fórum, outros momentos de solidariedade e denuncia aconteceram. O CPPC falou sobre a «Guerra no Iraque, Líbano e Palestina – A face do imperialismo» e a Associação de Amizade Portugal Cuba lembrou os «47 anos de luta pela soberania. 47 anos de combate ao terrorismo», em Cuba.

Desfile encerra FSP 2006

«Fórum Social para um outro Portugal» foi a palavra de ordem que unificou o desfile de encerramento do Fórum Social Português, que se realizou em Almada no passado fim-de-semana. Cerca de um milhar de pessoas, representantes de largas dezenas de organizações, percorreram as ruas da cidade demonstrando a sua convicção de que «Um novo Portugal e um novo mundo são possíveis».
Era precisamente esta a palavra de ordem inscrita no pano que seguia na frente do desfile, e atrás do qual seguiam elementos das diversas organizações e movimentos, bem como os voluntários que garantiram, durante os três dias, o funcionamento da iniciativa. Logo atrás seguiam as organizações e movimentos, com as suas causas e bandeiras próprias.
A encerrar o desfile seguiam as delegações da JCP e do PCP. A faixa do PCP, empunhada por dirigentes nacionais do Partido, traduzia a sua convicção de que «um outro mundo é possível, com o socialismo».
A terminar, no Largo de tem nome de um histórico militante comunista – Gabriel Pedro –, foram lidos os documentos fundadores do Fórum Social Português, a «Declaração de Coimbra» e o «Apelo de Almada».
Foram ainda prestados os agradecimentos às associações e colectividades do concelho de Almada e à Câmara Municipal «pelo seu inexcedível apoio». Deixou-se ainda uma palavra especial aos trabalhadores do município que, «muito para além das suas obrigações profissionais contribuíram com o seu entusiasmo, disponibilidade pessoal e alegria, para a criação de um ambiente próprio do espírito do Fórum Social Português».


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