A unidade na acção

Jorge Messias
O PCP tem mantido, mantém e manterá uma atitude coerente relativamente aos católicos que têm fome e sede de justiça. Na base de uma firme garantia do direito à liberdade religiosa numa futura sociedade comunista ou em fase de transição, o PCP tem vindo a lutar, desde a sua fundação, pela crescente aproximação dos comunistas aos cidadãos católicos cuja consciência cívica e moral reclama da sociedade e do Estado mais liberdades, mais justiça, maior solidariedade com todos os povos, mais direitos e deveres colectivos, melhor distribuição da riqueza. Simultaneamente, o nosso Partido não abdica do dever de recordar aos católicos que a substância da sua fé e a sua religião são frequentemente manipuladas e traídas pelas hierarquias da Igreja que se aliam, sistematicamente, ao grande capital, pactuam e prosperam com a exploração e falseiam, assim, o sentido declarado da doutrina católica.
Para os comunistas, a sua orientação em relação à religião não é uma linha estratégica que mude ao sabor das circunstâncias. É um compromisso assumido, uma questão de princípios que o marxismo-leninismo definiu para sempre. Lénine afirmou em 1905, já lá vão mais de cem anos: «Cada um deve ser absolutamente livre de professar a religião que quiser ou de não professar nenhuma religião.» E, em 1947, numa fase de terrível repressão fascista, Álvaro Cunhal garantia: «A nossa política é de unidade e concórdia. Nada nos move contra o catolicismo ou contra qualquer outra religião.»

Católicos e hierarquia católica

Para os comunistas, a aproximação aos crentes ou a participação comum em associações políticas, culturais, sociais ou humanitárias, não só é desejável como é profundamente desejada. A sociedade sem classes que pretendemos construir, através de métodos de análise e de intervenção dialécticos profundamente enraizados na realidade e na mudança, é inteiramente alheia ao dogma que imobiliza. Nós, comunistas dominamos, é certo, uma área importante mas limitada da ética e do conhecimento mas não somos senhores de verdades absolutas ; o futuro vai-se construindo com os outros, comunistas ou não. Nestas guerras por uma sociedade de novo tipo, há um ilimitado número de postos de combate a preencher. Os católicos são naturalmente bem-vindos às nossas trincheiras.
É, pois, urgente que os militantes comunistas saibam compreender que para um activista católico honesto é tremendamente difícil distinguir mentalmente entre a sua fé, ditada por uma decisão pessoal e livre, e a igreja que lhe impõe uma férrea obediência às orientações da ordem clerical e ao dogma. A melhor forma de ajudar um católico honesto não é com a polémica ideológica mas na acção comum. Se temos ideias diferentes quanto, por exemplo, no combate à pobreza, nas questões da guerra e da paz ou na solução dos problemas laborais causados pela globalização capitalista, uma coisa é certa: comunistas e católicos de base sofrem na pele as consequências da derrocada abrupta e sem alternativa dos valores de uma sociedade construída com sacrifícios enormes através da história. Tanto basta para que só o trabalho comum possa corrigir o que estiver errado nas perspectivas de católicos e de comunistas.
A petrificação da hierarquia católica e os seus desvios não são de agora, vêm do fundo da história. A hierarquia alimenta-se da própria igreja. Dizia o camarada Álvaro Cunhal, nos já longínquos anos da era de 40: O primeiro factor prejudicial à unidade com os católicos é a política reaccionária do Vaticano e ... a defesa do fascismo levada a cabo pela igreja portuguesa. Referia depois o sempre presente camarada que os ódios alimentados pelo Vaticano em relação à democracia e ao comunismo, a protecção concedida a todas as formas de sobrevivência do fascismo e a cegueira antinacional e antipatriótica caracterizavam a obediência incondicional dos bispos portugueses à vontade de Roma.
Tudo continua a ser assim, com a agravante de que no mundo da globalização capitalista o Vaticano se transformou no maior polvo da família dos ricos opulentos. A igreja pensa e age em termos do grande capital. Os seus interesses e as suas preocupações giram exclusivamente em torno das causas dos ricos e dos poderosos.
Os católicos portugueses têm a noção deste estado de coisas, mesmo sem uma clara consciencialização dos factos. Ofende-os e repugna-lhes a corrupção, a mentira, a fraude, a exploração. Sentimento que os comunistas partilham. O povo católico está abandonado e sem enquadramento que lhe permita lutar e manter a fé. Muitos deixaram já a igreja. Outros, converteram-se aos deuses do Mercado.
Acerca disto, dizia Cunhal: Venham ao nosso Partido... Católicos, UNAMO-NOS!
O apelo é vivo e actual.


Mais artigos de: Argumentos

Partilha do saber<br>em ambiente «digital»

Sendo uma questão de sempre, a da partilha do saber, adquiriu, como não podia deixar de ser, contornos novos na época «digital». Para além das possibilidades técnicas de acesso ao saber serem mais dilatadas do que o eram até à actualidade, é o próprio poder de cercear esse acesso que vai sendo, e mais cedo do que tarde,...

As vozes estridentes

Ouvi uma voz feminina em estridência que me pareceu de angústia e alarme e, naturalmente, fui saber o que se passava. Nada de grave: era, no televisor, uma jovem jornalista ou equiparada a fazer a reportagem de um acontecimento de importância minúscula. Censurei-me por me ter permitido o sobressalto, estou farto de saber...