Comentário

Dar expressão à indignação

Natacha Amaro
Na semana passada 5 pessoas foram condenadas no Tribunal de Aveiro por crimes de aborto clandestino: um médico, a empregada do consultório e três mulheres. Todas, à excepção do médico, viram a sua pena suspensa numa nova sentença de um processo judicial cujo desfecho, em 2004, tinha sido a absolvição dos 17 arguidos.
O acórdão agora refeito, com conclusão contrária ao de 2004, baseia-se em provas apresentadas anteriormente e consideradas ilegais: os exames ginecológicos realizados compulsivamente a algumas arguidas, durante a investigação, sem o obrigatório despacho do Ministério Público. Tão infame prova, recolhida de forma ainda mais abjecta, foi determinante no volte-face desta sentença. O julgamento de mulheres por crime de aborto clandestino é uma daquelas notícias que quanto mais recorrente, mais abominável e absurda se torna.

No PE

Perseguidas, investigadas, julgadas por terem tomado uma decisão árdua – para muitas, a mais marcante das suas vidas – estas mulheres encontram na sociedade portuguesa a humilhação e a culpa que a hipocrisia do juízo alheio muitas vezes transporta. A deputada Ilda Figueiredo sempre se solidarizou com estas mulheres. Promoveu uma campanha de solidariedade internacional com as mulheres da Maia, em 2001, a partir do Parlamento Europeu. Em 2004, protagonizou novo apelo de solidariedade com as mulheres julgadas em Aveiro (as mesmas desta nova sentença), mais tarde nos julgamentos de Lisboa e Setúbal, com a sua presença ou mensagens de apoio a estas mulheres, em particular, e pela dignidade de todas as portuguesas, em geral.
Com este novo acórdão, reacende-se a indignação, aviva-se a memória dos que insistem que a lei não precisa de ser alterada porque não é cumprida, renova-se a solidariedade para com estas mulheres pelos que sempre se bateram pela despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Neste sentido, Ilda Figueiredo voltou a apelar à solidariedade dos seus pares, convidando-os a subscrever um apelo ao Presidente da Assembleia da República «para a necessidade de alterar quanto antes a lei que permite a criminalização de mulheres nestas circunstâncias». Manifestando «toda a solidariedade para com estas mulheres condenadas a penas de prisão» insiste na «urgência de pôr cobro a esta situação, na defesa de direitos humanos fundamentais como é o direito das mulheres a decidir da sua vida». Até ao momento mais de meia centena de deputados ao Parlamento Europeu, de vários países, já subscreveram este apelo, dando voz à indignação sentida por nova condenação de mulheres pela prática de aborto.

Argumentos

A manutenção do actual quadro penal na questão do aborto é, como todos sabemos, absolutamente insustentável. O reiterar dos julgamentos apenas reforça a injustiça de uma lei que condena mulheres por uma decisão que, ao longo dos anos, muitos milhares de outras mulheres também se viram na contingência de tomar.
A insistência na opção do referendo sobre a IVG, por parte do Partido Socialista, é uma tripla falácia: perpetuar a terrível teoria de que «a sociedade» tem que opinar sobre uma questão que é do foro absolutamente íntimo de cada uma; apostar numa solução falível e demorada; justificar com a obrigatoriedade de cumprir uma (a única?) promessa eleitoral. Por tudo isto, e por muito mais que não cabe nesta coluna, o referendo não é solução. A Assembleia da República é quem tem poder para alterar as leis, em Portugal, e conta com uma maioria que se tem manifestado pela resolução deste flagelo.
O PE, em resolução aprovada em 2002 sobre saúde sexual e reprodutiva, «recomenda, a fim de salvaguardar a saúde reprodutiva e os direitos das mulheres, que a interrupção voluntária da gravidez seja legal, segura e universalmente acessível». O mesmo documento exorta ainda «os governos a se absterem, em quaisquer circunstâncias, de agir judicialmente contra mulheres que tenham feito abortos ilegais». IVG legal, não perseguir mulheres que tenham abortado – mais claro, é impossível! Como é que, quatro anos após a aprovação desta resolução, o quadro penal se mantenha em Portugal e os processos persecutórios e humilhantes se acumulem? Será esta resolução mais complicada de cumprir que o tenebroso Pacto de Estabilidade ou as assíduas medidas de destruição do aparelho produtivo nacional?
As mulheres portuguesas não podem esperar mais pela resolução deste problema. Demasiados atrasos já foram consentidos à aplicação de uma medida civilizacional imprescindível para todas. As instâncias internacionais recomendam-no, há uma maioria de deputados que o pode aprovar, todas nós exigimos: alteração da lei que penaliza o aborto, já!


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