Empresa, Escola e Família

Jorge Messias
A Reforma do Sistema Educativo é sempre uma operação de interesse nacional desde que concebida e executada num quadro político coerente e no respeito pelas leis da República. «O Ensino» – lê-se na Constituição, Art.º 74 – «deve contribuir para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre e promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade». Portanto, a lei-quadro aponta para a definição de uma Escola integrada numa sociedade política, económica e cultural com sólidas bases democráticas. Justamente o oposto à teoria e à prática desenvolvidas pelas forças actualmente no poder.
No projecto liberal, os alvos a atingir - no Ensino como na Saúde, no Emprego como na Família - exigem a destruição e a ruína das bases sociais já instaladas, com matrizes populares e institucionais (direitos, liberdades e garantias). O poder financeiro e empresarial assim o exige. Os órgãos políticos, legislativos e executivos é isso que fazem. O encerramento das escolas e o aumento desmedido das propinas promove o recurso ao ensino privado por parte das economias familiares mais ricas e a exclusão das mais pobres. O desemprego crescente entre os licenciados portugueses e a degradação das carreiras públicas desmotiva a juventude e forma exércitos de reserva de quadros disponíveis. A imposição de princípios como o da mobilidade cega é uma das armas encontradas para a destruição final das garantias institucionais. E os erros informáticos sistematicamente cometidos pelos ministérios (colocação de professores, falsas avaliações, divulgação de rankings das escolas, etc.), são ferramentas de que o Governo se serve para alcançar o seu objectivo estratégico principal: destruir, dividir, desmobilizar e dar origem ao reforço da tirania social das fortunas e dos centros de decisão instalados no deserto da miséria do povo português. Cria-se o maior abismo de sempre entre pobres e ricos. Nega-se o acesso colectivo ao conhecimento. Gera-se pobreza material e pobreza cultural. Os próprios projectos governamentais de reforma do Ensino obedecem a esta lógica reaccionária.

A «Rainha da Noite»

Entende-se facilmente, à luz da globalização, o casamento de interesses entre as elites empresariais e um aberrante governo socialista tirânico, prepotente e enfatuado. Mas há ainda lugar para um parceiro invisível – a Igreja ou «Rainha da Noite». Só com a sua colaboração activa o imperialismo pode tratar, organizar em rede e submeter as formações decisivas da área civil: o trabalho, a segurança social, o ensino e a família. Será, provavelmente, esta a difícil etapa que agora iremos atravessar. É a consequência de dezenas de anos de livre minagem do terreno. O poder foi entregue aos bons católicos e aos bons ladrões. Hoje, vivemos realidades de alto risco.
Tão graves são os problemas que se colocam que é curioso verificar-se que as questões do ensino não existem por si mesmas. É utópico pensar-se que a reforma do ensino educativo será bastante para responder aos problemas da escola ou à elevação da fasquia cultural. Tal como nada acontecerá, a nível do desenvolvimento do país, se for eliminado o famigerado défice público. Em Portugal o Ensino, entre outros sectores, é um enorme caldeirão para onde escorrem e onde se vazam os resíduos das injustiças e dos crimes das políticas sociais. Porque, ao ensino só compete ensinar ou seja, transportar da teoria para a prática o saber, sistematizar o conhecimento, abrir canais para a cultura e contribuir para a dignificação do cidadão. O ensino português não é nada disto. Reflecte, simplesmente, os baixos rendimentos das famílias, as más condições de vida dos alunos, a desadaptação dos métodos pedagógicos de muitos docentes, a falta de instalações, a ausência de uma autêntica carga cultural que rompa com as inércias do sistema, a insegurança. As soluções para os problemas do ensino não é no próprio ensino que poderão ser encontradas. São soluções políticas que exigem decisões políticas e uma transformação radical do rumo político do Estado. E de todos nós reclama lucidez, firmeza de convicções, coragem e decisão nas lutas que inevitavelmente iremos ter de enfrentar. O trilo do diabo que por aí se entoa, proclama que o Estado vai procurar, a curto prazo, fundir num só os ministérios do Trabalho e da Educação e entregar aos serviços da igreja católica toda a área da Segurança Social e da Família. A combinação implica mais desemprego, menos qualidade de vida, exclusão social. É uma regressão da Escola. O choque tecnológico de Sócrates, o Socialista, oculta simplesmente uma partilha do Poder.


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