Comentário

Novas ameaças

Ilda Figueiredo
A visão pragmática de diversos responsáveis da União Europeia está na base da insistência na liberalização dos serviços e na flexibilidade laboral, mesmo depois da recusa do projecto da dita constituição europeia, dado que o seu objectivo central é obter o máximo de ganhos com a concorrência também aplicada aos serviços.
Por isso, os dois instrumentos considerados fundamentais pelo grande patronato europeu – a chamada «directiva Bolkestein» e a proposta sobre a organização do tempo de trabalho – que vinham já da anterior Comissão Prodi, de que também fazia parte o comissário português António Vitorino, voltaram a estar na mesa das negociações dos 25 Estados-membros, visando um possível acordo no próximo Conselho Europeu de 16 de Junho, ainda sob a presidência austríaca.
Quanto ao primeiro caso, sabe-se que no dia 29 de Maio o Conselho chegou a um acordo político sobre a directiva dos serviços, tendo emitido um comunicado de imprensa relativamente aos principais resultados, de que se destaca a referência a uma aproximação às posições do Parlamento Europeu. Contudo, é necessário salientar que este acordo político, com a abstenção anunciada da Bélgica e da Lituânia, ainda terá que ser formalmente aprovado e o articulado da proposta de directiva terá de ser definido. Até lá, só podemos especular sobre o conteúdo do acordo, que, posteriormente, será transmitido ao PE para ser objecto de uma segunda leitura, talvez em Novembro.
Quanto ao conteúdo do comunicado de imprensa do Conselho, importa, ainda, salientar dois aspectos. Ao que tudo indica, exclui do âmbito de aplicação da directiva os serviços sociais (satisfazendo o PSE) e os serviços notariais (satisfazendo o PPE). Os serviços portuários ficam também de fora, bem como outros serviços que já foram tratados por directivas específicas e cuja liberalização já avançou ou tem calendário aprovado, como aconteceu com os transportes, telecomunicações, serviços financeiros, energia e correios.
Do comunicado de imprensa pode entender-se que, embora de forma mitigada, aceita a separação entre serviços de interesse económico geral (abrangidos pela directiva dos serviços e abrangendo os sectores liberalizados) e serviços de interesse não económico geral. Mas desconhece-se o que vai incluir, embora se saiba que esta divisão dos serviços de interesse geral em duas categorias visa distinguir a posse pública do serviço, o grau de liberalização e as condições em que o Estado pode conceder apoio à prestação do serviço. O que temos como certo é que se trata de um claro ataque aos serviços públicos, tentando integrá-los no quadro desta directiva, mesmo que gerando alguma confusão pelo meio.
Por isso, insistimos na necessidade de tomar posição contra esta proposta, continuando a rejeitar a liberalização e a criação de um mercado interno de serviços, que visa atacar os serviços públicos, diminuir a capacidade de controlo por parte dos Estados e promover a desregulamentação. As consequências serão: dumping social e ambiental, redução do poder negocial dos trabalhadores confrontados com o poder de grupos económicos europeus e a prática de contratação de serviços autónomos, redução da protecção dos consumidores, concentração e centralização de capital neste sector. Daí que o objectivo central do capitalismo europeu seja obter a directiva, mesmo que mais mitigada. Depois, facilmente poderá ser revista para incluir outros aspectos.

Processo acelerado

Entretanto, no Parlamento Europeu, os dois maiores grupos (PSE e PPE) querem um processo acelerado, nomeadamente o que se chama uma segunda leitura simplificada. Ou seja, considerando que o acordo satisfaz a sua posição parlamentar, querem que esta seja votada sem processo de alteração e o mais rapidamente possível. Mas como a social-democracia precisa justificar o seu voto, o PSE está a tentar ligar a discussão da directiva dos serviços com a discussão sobre os serviços de interesse geral (SIG), tendo em conta o livro branco apresentado pela Comissão. Para branquear a sua posição e desviar a atenção da directiva dos serviços, o PSE apresentou uma proposta de directiva-quadro relativa aos SIG, no passado dia 30.
Pela nossa parte, reafirmamos a nossa posição, não só denunciando toda esta manobra, como tornando claro que devem continuar a ser os Estados-membros a definir os serviços públicos que querem e a forma de os financiar. Somos contra uma directiva-quadro dos SIG, tendo também em conta que o seu conteúdo, nesta fase, só poderá ser mau, dada a correlação de forças no plano comunitário, onde predomina um claro preconceito contra a posse pública e os auxílios estatais, sempre em nome do primado da concorrência.
Quanto à proposta de directiva sobre a organização do tempo de trabalho, visando prolongar a jornada de trabalho e/ou criar um novo conceito de «tempo inactivo» ou «tempo de pausa», apenas parcialmente remunerado, não houve acordo com as propostas da presidência austríaca, mas a proposta não foi retirada. Isto significa que a luta continua e que é fundamental a campanha de esclarecimento em torno dos objectivos e perigos que se correm.


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