O bico do tentilhão

Francisco Silva
Foi publicado recentemente no nosso país o livro O bico do tentilhão r de Jonhathan Weine(1). Esta obra, publicada originalmente em meados dos anos 90, uma obra galardoada, não perdeu nenhum dos seus motivos de atracção. Antes pelo contrário, à medida que o tempo passa, torna-se mais evidente a sua importância. Levou uma década a chegar até ao nosso «torrão», sob a forma do português de aqui. Esta diferença nos tempos de publicação parecerá a muitos, e não sem razão, uma eternidade, sobretudo quando vivemos envolvidos numa época do efémero, da moda, do tudo passa como relâmpagos que mal podem ser vislumbrados - quando olhamos para uma situação, já vai noutra a situação que os media nos mostram, nos contam, etc.
Contudo, sei. Vários de nós já conhecem, já leram e apreciam esta obra. Leram-na no original. E não apenas os que não conhecem a língua inglesa, ou que não a conhecem suficientemente para nela poderem ler um livro, ou que, ainda, não encontraram pelo caminho esta obra na sua versão original, mas também os que a leram em inglês encontrarão redobrado interesse em frui-la em português.
E é certo. No nosso país existe uma não pouco relevante actividade editorial sobre temas científicos. Inclusive, relativa à mesma área onde se insere O bico do tentilhão, à área da Evolução. Mas esta obra, por quaisquer razões, levou mais algum tempo a fazer o caminho até nós. Penso que entre as principais razões para o tempo que levou a obra a ser publicada em português estará o imenso e minucioso trabalho que - percebia-se - a sua edição numa língua diferente poderia implicar. Uma dificuldade que tinha a ver sobretudo com a imensidade de termos da fauna e flora locais, para os quais era preciso encontrar com rigor as designações correspondentes. Mas também tinha a ver com a forma de traduzir para a nossa língua certas questões, certas operações de observação científica, certos modos de fazer entender exactamente o significado de certas passagens. Mas, finalmente, aí está o livro em português.
Deve ser realçado que se trata de uma obra-prima, na qual a vertente de narrativa literária e a vertente do discurso científico aparecem entrelaçados, em plena cumplicidade, para nos mostrar a Evolução das espécies a actuar ao vivo e a uma escala própria dos nossos sentidos - nomeadamente à escala do olhar que se maravilha com o que vê. E uma Evolução também a actuar numa escala temporal própria da duração das nossas vidas - e, em particular, do essencial as carreiras profissionais dos investigadores envolvidos nestes estudos. Mostra assim que a evolução não tem de ser necessariamente estudada em registos fósseis. Nem tão pouco é uma coisa reservada a microbiologistas que em laboratório estudam a variação da constituição genético de populações de bactérias. Uma obra, esta d’O bico do tentilhão, cuja narrativa proporciona um imenso prazer na sua leitura. Lê-se de um fôlego, não obstante não se tratar de um livro pequeno. E, durante a sua leitura, até dá vontade de ir desde onde estivermos para os Galápagos e acampar lá durante meses na companhia dos investigadores e da sua família.
Os seres observados, durante anos seguidos pelos investigadores que protagonizam O bico do tentilhão, são populações de tentilhões que vivem nas Galápagos, o arquipélago no Oceano Pacífico, ao largo da costa sul-americana, visitado por Darwin durante a sua celebrada viagem na Beagle. Por isso, aqueles também são conhecidos por tentilhões de Darwin.
Uma publicação oportuna, com o século e meio que nos separa da divulgação da obra de Darwin sobre a origem das espécies, e quanto tanta gente ainda desconhece essas ideias. Quando este livro foi publicado nos EUA - há cerca de uma década - 47% dos americanos adultos estavam convencidos que a nossa espécie tinha sido criada por Deus há menos de uma dezena de milhar de anos. Em 1999, a teoria de Darwin foi retirada dos currículos escolares no Estado do Kansas, EUA. Há dois anos apenas, o Ministro da Cultura da Sérvia ordenou que as escolas deixassem de ensinar a teoria de Darwin, decisão revogada devido à luta dos cientistas. Mas já este ano, no país de Darwin, uma sondagem mostrou que apenas 48% dos inquiridos se pronunciou pelo evolucionismo como explicação da origem e desenvolvimento da vida . Por cá não sei que resultados dariam sondagens similares, se é que ainda não foram realizadas. Bruxo não sou. Talvez não fossem diferentes as conclusões. Ou, pelo contrário, talvez fossem mais em linha com a Teoria da Evolução...

(1) Colecção “Caminho da Ciência”. Editorial Caminho.


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