Um projecto de futuro!

A Constituição da República, não obstante as mutilações a que foi sujeita, em consonância com os avanços da contra-revolução e na linha directa da política de direita dos últimos trinta anos, permanece como um texto inigualável que comporta em si a força de um projecto dirigido para a construção de um futuro melhor.
É certo que as alterações de que foi alvo, como se pode constatar em textos desta edição, significaram retrocessos, com graves consequências, que estamos a pagar caro, sobretudo ao nível da perda de direitos. O próprio estado a que o País chegou é, aliás, disso também testemunho. Seja como for – e esse é o traço que importa relevar – certo é que a nossa Lei Fundamental continua a ser um texto de conteúdo social fortemente progressista, dos mais avançados, sem paralelo entre as suas congéneres na Europa ou fora dela, ao consagrar um regime de amplas liberdades e direitos, entre tantas outras conquistas democráticas emanadas da Revolução de 25 de Abril. Como adiante se verá, explicando, de resto, por que é tão vilipendiada pelas classes possidentes.

Princípios fundamentais

A Constituição determina no capítulo das relações internacionais (artigo 7.º) que Portugal se rege, entre outros, pelos princípios do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos. Nela se afirma ainda que Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, o desarmamento geral e a dissolução dos blocos político-militares.
No artigo referente às tarefas fundamentais do Estado (artigo 9.º), entre outras, podemos encontrar no texto constitucional a que visa «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais».

Direitos e deveres

No plano dos direitos, liberdades e garantias, para além de perfilhar a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 16.º), a Constituição estabelece no artigo 13.º o princípio da igualdade - «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» - , assegura no artigo 20.º a todos o acesso ao direito e à justiça com vista à «defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos», garante no artigo 24.º o direito à vida - «a vida humana é inviolável» - e à liberdade e à segurança (artigo 27.º), proibindo as penas de carácter perpétuo. Garantidas são ainda a liberdade de imprensa, bem como a sua independência perante o poder político e económico (artigo 38.º), o mesmo sucedendo com o direito de reunião e manifestação (artigo 45.º) e com a liberdade de associação (artigo 46.º).

Organização económica

Tendo como primeira alínea do seu artigo 80.º a disposição que afirma a «subordinação do poder económico ao poder político democrático», no plano da organização económica continuam a figurar na Constituição importantes incumbências do Estado às quais é conferido um carácter prioritário. É o caso, por exemplo, das alíneas (artigo 81.º) que apontam para o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, da justiça social e da necessidade de «assegurar a igualdade de oportunidades», promover a coesão económica e social de todo o território nacional.
No artigo 82.º é garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção (público, privado e cooperativo e social), afirmando-se, por outro lado (artigo 85.º), o apoio do Estado à criação e actividade das cooperativas e às «experiências viáveis de autogestão». A Constituição impõe ainda que o investimento estrangeiro seja disciplinado no sentido de garantir a sua contribuição para o desenvolvimento do país, a defesa da independência nacional e dos interesses dos trabalhadores (artigo 87.º).
Nota de registo merece também o facto de continuar a estar prevista a existência de planos de desenvolvimento económico e social, integrando, nos seus objectivos, entre muito outros, o «desenvolvimento harmonioso e integrado de sectores e regiões», a «justa repartição individual e regional do produto nacional» ou a «defesa do mundo rural» e a «preservação do equilíbrio ecológico» (artigo 90.º).
No plano das políticas agrícola, comercial e industrial podem igualmente encontrar-se dispositivos constitucionais direccionados para o aumento da produção e da produtividade da agricultura, em paralelo com a criação das «condições necessárias para atingir a igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores» (artigo 93.º), bem como a eliminação dos latifúndios.
«O aumento da produção industrial» e o «apoio às pequenas e médias empresas» (artigo 100.º) constam igualmente do texto constitucional.
Por outro lado, na área financeira e fiscal (artigo 103.º), pode ler-se que um dos objectivos do sistema é «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza», visando o imposto sobre o rendimento pessoal (artigo 104.º), nomeadamente, «a diminuição das desigualdades».

Organização do poder político

No que se refere à organização do poder político, mantendo aspectos positivos fundamentais, a Constituição afirma, desde logo, que o poder político pertence ao povo (artigo 108º), garantindo-se a separação e interdependência entre os órgãos de soberania (artigo 111.º).
Uma alteração introduzida na última revisão, das poucas que aperfeiçoaram o texto nas sucessivas revisões, veio tornar possível referendar a vinculação do país a futuros tratados europeus, o que estava vedado desde 1997 por imposição de PS e PSD.
Nos comandos constitucionais podemos encontrar também a garantia da independência dos tribunais, apenas sujeitos à lei (artigo 203.º), e a autonomia do Ministério Público, com o seu estatuto próprio (artigo 219.º).
No que respeita à organização do Estado, consagrada está a existência das autonomias regionais (artigo 225.º e seguintes), do poder local democrático (artigo 235.º e seguintes), das regiões administrativas (artigo 255.º), embora com limitações à sua instituição em concreto, por força da introdução em revisão constitucional de um referendo condicionador aprovado pelo PSD e PS .
Relevante é também o dispositivo que dá a garantia de uma administração pública ao serviço do interesse público, desburocratizada e próxima das populações (artigos 266.º e 267º), conferindo simultaneamente aos cidadãos o «direito de ser informados pela administração» (artigo 268.º).
A nossa Constituição, por fim, no plano da democracia participativa, dedica um capítulo às organizações de moradores, mantendo no texto a existência de Comissões de Moradores (antes Organizações Populares de Base Territorial) como forma de organização de base do poder local, com direito de petição perante as autarquias locais relativamente a assuntos do seu interesse, a par da possibilidade de participação, sem voto, nas assembleias de freguesia e competência para desempenhar tarefas delegadas pelos órgãos da freguesia.

Assumir opções

A Constituição, no plano dos direitos dos trabalhadores, como o PCP insistentemente afirma, não é neutra. Toma partido pela defesa da parte mais desprotegida na relação de trabalho. E aos amplos direitos nela inscritos quis conferir-lhes dignidade e inclui-los no Título dos «Direitos Liberdades e Garantias». Dedicou-lhes um capítulo - «Capítulo III – Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores» - onde se encontram ao longo de cinco artigos (artigo 53º e seguintes) a garantia da segurança no emprego, os direitos de intervenção das comissões de trabalhadores na vida da empresa, a liberdade sindical como garantia da construção da unidade dos trabalhadores na defesa dos seus interesses, o direito de exercício de actividade sindical na empresa, os direitos das associações sindicais, designadamente à contratação colectiva, o direito à greve e proibição do lock-out, entre outros.

O direito a ter direitos

No título dos direitos económicos, sociais e culturais (artigo 58.º e seguintes) a Constituição afirma que «todos têm direito ao trabalho», incumbindo ao Estado, para assegurar esse desiderato, a «execução de políticas de pleno emprego». Consagrados são igualmente diversos direitos dos trabalhadores, como sejam à retribuição justa, à «prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde», à conciliação da vida profissional com a vida familiar, «ao repouso e aos lazeres».
Outros direitos e deveres sociais estão igualmente consagrados como o direito à segurança social e à saúde (este por via de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e tendencialmente gratuito), o direito a uma habitação adequada, o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, a protecção da família (designadamente através de uma rede de creches, do acesso ao planeamento familiar ou à procriação assistida), a protecção da maternidade e da paternidade, o direito à educação e à cultura, estipulando a gratuitidade do ensino na escolaridade obrigatória, bem como o seu carácter progressivamente gratuito em todos os restantes graus de ensino.


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