Os problemas da cruz
Para a cadeia hierárquica da igreja o problema dos crucifixos nas escolas é importante mas não prioritário. Outras cruzes, bastante mais pesadas, esmagam os ombros dos fiéis de Bento XVI.
No caso português, é certo que o clero reagiu mal aos rumores de que o actual governo socialista iria começar a retirar os crucifixos das paredes das escolas públicas. Mas as reacções eclesiásticas foram difusas e pouco empenhadas, subscritas por padres de segunda linha, assinalando a forma como a igreja relativiza este problema. O episcopado foge sempre a deixar-se envolver em polémicas deste tipo, arriscadas e quase sempre inúteis. Aliás, D. José Policarpo está tranquilo. Sabe que o governo de Sócrates jamais tentará fazer respeitar o princípio da separação entre a Igreja e o Estado. Mesmo que essa doutrina esteja consagrada na Constituição da República e tenha sido formalmente acolhida pela Concordata em vigor e pela Lei da Liberdade Religiosa. O governo faz a sua parte, fingindo que cumpre a lei fundamental.
Em Portugal, o peso da igreja continua a ser tão grande que basta a mais ligeira ameaça de apagão soprada pelo dragão religioso, para que as laicidades ocultem prudentemente as suas luzes. E é assim que outras cruzes preocupam os homens da Cúria e da conferência episcopal portuguesa. Bento XVI, o lobo transformado em pomba, o homem que os cardeais escolheram como Sumo Pastor, será porventura o mais pesado dos madeiros cujo peso começa a incomodar a igreja católica.
A Via Dolorosa
Tantos e tão diversos são os apelos, os temas e as sugestões da vida moderna, que frequentemente omitimos o que é simples mas revelador. Por exemplo, que a credibilidade da igreja católica continua a preocupar milhões de homens e mulheres. São crentes e não-crentes cansados desse perpétuo oscilar das hierarquias entre a velha igreja do Concílio de Trento e o desautorizado concílio Vaticano II. No centro da polémica estão o actual papa Bento XVI e as escolhas neoliberais da Cúria Romana.
Joseph Ratzinger é um homem parado no tempo mas em busca de uma imagem de modernidade. Enquanto cardeal e ministro da Cúria, defensor da Doutrina da Fé e herdeiro do Tribunal do Santo Ofício, Ratzinger revelou-se, durante largos anos, como caudilho do fundamentalismo católico. Conduziu a estratégia de destruição da Teologia da Libertação, escreveu o essencial das encíclicas de João Paulo II, jogando com as palavras e viciando-lhes o sentido, e planeou acções que ocultam os propósitos de expansão do poder católico sob a capa da ética, da religião e da falsa comunhão entre os homens.
Tornado Bento XVI, Ratzinger não mudou. Continua, agora como Sumo Pontífice, a privilegiar os ricos e a tentar impor aos outros a imagem da sua igreja mariana e triunfante (Nova Evangelização), o controlo do mundo eclesial (Ecumenismo) e a Sagrada Aliança com o capitalismo (Ética cristã e
empresarial ).
Num mundo moderno a viver a ritmos alucinantes, onde a linha do saque e da morte se cruza com outra, menos evidente mas não menos real, de evolução positiva no sentido da justiça social e da consciência de classe, estas estratégias - outrora sagazes - perdem, elas próprias, o sentido da realidade. Impõem, em tudo, o monolitismo da Igreja e o império do dogma. Mas são contraditórias entre si e lançam a dúvida nas comunidades crentes. Que sentido faz que o Vaticano se auto-proclame bandeira da Liberdade e campeão dos Direitos Humanos e se cale ou finja não entender os crimes das guerras de agressão, o fracasso das políticas sociais ou a tortura quando praticada pelos poderosos aliados das hierarquias eclesiásticas ?
A tentativa de relativização, por parte dos bispos, da questão da retirada dos símbolos católicos das escolas que dependem de um Estado laico, também oculta uma intenção que deve ser considerada com cuidado. Trata-se da função de cobertura de um feixe de privilégios católicos que abrangem, não somente, os símbolos cristãos - cuja exibição é de resto inaceitável na área do ensino público de um país de imigração - mas também outros aspectos particularmente importantes da expansão da igreja, como as do ensino da religião e moral, as capelanias, o voluntariado, a família, etc. No seu conjunto, estes aspectos de pormenor garantem a presença física constante da doutrina católica entre as crianças cujas personalidades se encontram em processo de formação. Recordemos que os crucifixos nas escolas foram impostos em 1936, quando os alunos, por entre cruzes, catecismos, retratos de Salazar e gravuras murais a lembrar as obras do Estado Novo, se levantavam e faziam a saudação fascista mal alguém entrava na aula.
É a essa ordem que alguns querem regressar.
No caso português, é certo que o clero reagiu mal aos rumores de que o actual governo socialista iria começar a retirar os crucifixos das paredes das escolas públicas. Mas as reacções eclesiásticas foram difusas e pouco empenhadas, subscritas por padres de segunda linha, assinalando a forma como a igreja relativiza este problema. O episcopado foge sempre a deixar-se envolver em polémicas deste tipo, arriscadas e quase sempre inúteis. Aliás, D. José Policarpo está tranquilo. Sabe que o governo de Sócrates jamais tentará fazer respeitar o princípio da separação entre a Igreja e o Estado. Mesmo que essa doutrina esteja consagrada na Constituição da República e tenha sido formalmente acolhida pela Concordata em vigor e pela Lei da Liberdade Religiosa. O governo faz a sua parte, fingindo que cumpre a lei fundamental.
Em Portugal, o peso da igreja continua a ser tão grande que basta a mais ligeira ameaça de apagão soprada pelo dragão religioso, para que as laicidades ocultem prudentemente as suas luzes. E é assim que outras cruzes preocupam os homens da Cúria e da conferência episcopal portuguesa. Bento XVI, o lobo transformado em pomba, o homem que os cardeais escolheram como Sumo Pastor, será porventura o mais pesado dos madeiros cujo peso começa a incomodar a igreja católica.
A Via Dolorosa
Tantos e tão diversos são os apelos, os temas e as sugestões da vida moderna, que frequentemente omitimos o que é simples mas revelador. Por exemplo, que a credibilidade da igreja católica continua a preocupar milhões de homens e mulheres. São crentes e não-crentes cansados desse perpétuo oscilar das hierarquias entre a velha igreja do Concílio de Trento e o desautorizado concílio Vaticano II. No centro da polémica estão o actual papa Bento XVI e as escolhas neoliberais da Cúria Romana.
Joseph Ratzinger é um homem parado no tempo mas em busca de uma imagem de modernidade. Enquanto cardeal e ministro da Cúria, defensor da Doutrina da Fé e herdeiro do Tribunal do Santo Ofício, Ratzinger revelou-se, durante largos anos, como caudilho do fundamentalismo católico. Conduziu a estratégia de destruição da Teologia da Libertação, escreveu o essencial das encíclicas de João Paulo II, jogando com as palavras e viciando-lhes o sentido, e planeou acções que ocultam os propósitos de expansão do poder católico sob a capa da ética, da religião e da falsa comunhão entre os homens.
Tornado Bento XVI, Ratzinger não mudou. Continua, agora como Sumo Pontífice, a privilegiar os ricos e a tentar impor aos outros a imagem da sua igreja mariana e triunfante (Nova Evangelização), o controlo do mundo eclesial (Ecumenismo) e a Sagrada Aliança com o capitalismo (Ética cristã e
empresarial ).
Num mundo moderno a viver a ritmos alucinantes, onde a linha do saque e da morte se cruza com outra, menos evidente mas não menos real, de evolução positiva no sentido da justiça social e da consciência de classe, estas estratégias - outrora sagazes - perdem, elas próprias, o sentido da realidade. Impõem, em tudo, o monolitismo da Igreja e o império do dogma. Mas são contraditórias entre si e lançam a dúvida nas comunidades crentes. Que sentido faz que o Vaticano se auto-proclame bandeira da Liberdade e campeão dos Direitos Humanos e se cale ou finja não entender os crimes das guerras de agressão, o fracasso das políticas sociais ou a tortura quando praticada pelos poderosos aliados das hierarquias eclesiásticas ?
A tentativa de relativização, por parte dos bispos, da questão da retirada dos símbolos católicos das escolas que dependem de um Estado laico, também oculta uma intenção que deve ser considerada com cuidado. Trata-se da função de cobertura de um feixe de privilégios católicos que abrangem, não somente, os símbolos cristãos - cuja exibição é de resto inaceitável na área do ensino público de um país de imigração - mas também outros aspectos particularmente importantes da expansão da igreja, como as do ensino da religião e moral, as capelanias, o voluntariado, a família, etc. No seu conjunto, estes aspectos de pormenor garantem a presença física constante da doutrina católica entre as crianças cujas personalidades se encontram em processo de formação. Recordemos que os crucifixos nas escolas foram impostos em 1936, quando os alunos, por entre cruzes, catecismos, retratos de Salazar e gravuras murais a lembrar as obras do Estado Novo, se levantavam e faziam a saudação fascista mal alguém entrava na aula.
É a essa ordem que alguns querem regressar.