Congresso para a Nova Evangelização

Jorge Messias
Vogando na nuvem de sonhos que envolve os prelados, escreveu monsenhor Rafael Espírito Santo, Vigário da Região Portuguesa do Opus Dei, a propósito da realização do Congresso Internacional para a Nova Evangelização (Expresso, 29.10.05 : «A separação da fé e da vida é a maior fragilidade da Igreja». Esta conclusão era retirada do contexto de uma parábola onde entravam um padre-amigo não identificado e um motorista de táxi marxista-leninista... O taxista metera conversa com o padre-passageiro, criticara a igreja mas acabara por pedir ao sacerdote que lhe desse uma dupla bênção: uma, para ele, como pecador; a outra, para o seu táxi...
A imaginação de monsenhor é delirante mas bem ao jeito das parábolas para uso das criancinhas e dos pobres de espírito de que o Opus Dei tantas vezes se socorre. Uma demonstração do seu elitismo, como tantas outras.
Bastaram poucas linhas para monsenhor Espírito Santo contar esta história de encantar. Logo em seguida, arriscou-se a uma transposição – pouco imaginativa – da ficção do taxista para as realidades do Congresso da Nova Evangelização. E sugere, a propósito: «A cidade poderá fazer à Igreja o pedido do taxista»!
Tudo aponta para que tenha sido outro, afinal, o balanço deste anacrónico congresso imaginado por D. José Policarpo e pela igreja revivalista. Como sempre acontece nas manifestações da igreja mais conservadora, as jornadas da Nova Evangelização foram repetitivas e bolorentas, fatimeiras, ao melhor estilo do «antigamente». Desde as missas e procissões à consagração de Lisboa à Senhora de Fátima ou à recuperação do mistério das relíquias de Santa Teresinha do Menino Jesus, tudo serviu para desmentir a existência de uma igreja renovada. A iniciativa não despertou o interesse das massas nem motivou os órgãos da Comunicação Social, sempre tão desejosos de agradarem à hierarquia da igreja.

As razões do Vigário

Num aspecto importante há, porém, que reconhecer razão às afirmações de monsenhor Espírito Santo. É quando ele identifica o problema central da ortodoxia. Como falar com os homens? Como encontrar para o catolicismo uma nova imagem que ostente traços de modernidade mas contenha e prolongue os dogmas da igreja antiga? Como fortalecer as alianças secretas e denunciar, na aparência, os crimes sociais e os escândalos?
É neste quadro de intenções que a hierarquia católica sugere o diálogo com o mundo. E é justamente nesse ponto que se levantam problemas que o governo eclesiástico é incapaz de resolver. Para dialogar, é necessário ser-se capaz de ouvir os outros, em pé de igualdade, de aceitar-se a culpa própria, de condenar o que é socialmente mau e de recusar toda e qualquer atitude dogmática e o imobilismo. Dialogar é aceitar, logo à partida, o movimento e a mudança. Sem certezas pré-definidas, sem dogmas.
Ora, tudo isto requer uma nova igreja e outra teologia. Exige o despojamento material e a ruptura com o capitalismo. Por isso, os bispos e os cardeais, os teólogos e os tecnocratas, não dialogam com os humildes. Fingem escutá-los mas apenas aceitam o que convém aos interesses do poder temporal da sua igreja romana.
É à luz desta atitude mental que o vigário regional do Opus Dei encontra justificação para a enormidade que assina ao dizer: «Embora com acentuada expressão económica e social, as angústias de hoje alimentam-se da profunda crise de civilização diagnosticada, de modo certeiro, pela nossa Conferência Episcopal em 2001». Ou seja: a igreja disse e... está dito! A hierarquia apela ao diálogo mas fecha a porta na cara aos pobres, aos explorados pelo sistema e aos homens de boa-vontade. Nada há a debater, a criticar ou a pôr em dúvida. Só a hierarquia, o Vaticano, possui as chaves do conhecimento e do Mistério. Enquanto que ao clero compete ensinar, aos homens do mundo importa compreender que a camisa de forças em que o grande capital o enfiou nada mais representa que uma «crise de civilização». É certo que existem alguns problemas como a pobreza, a desertificação, a insegurança, a educação, a saúde, o desemprego, a injusta distribuição da riqueza (a que o Vigário chama sabiamente «desequilíbrios do tecido social»), a exclusão, a prostituição, a fome, a exploração infantil, a guerra e o trabalho escravo. O padre minimiza estes simples detalhes: embora com acentuada expressão económica e social, as angústias de hoje alimentam-se da profunda crise de civilização. . Está tudo dito. A Igreja falou e fica o caso encerrado. Aos humildes fica o recurso à consolação dos dons celestiais da Virgem de Fátima ou da Santa Teresinha do Menino Jesus.


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