Audição do Partido aos trabalhadores do sector

Melhorar o sector rodoviário

Luís Gomes
Com vista a apresentar o seu projecto de iniciativa legislativa na Assembleia da República relativo à situação nos transportes rodoviários, o PCP realizou sábado, em Coimbra, uma audição aos trabalhadores do sector.

A política de direita das privatizações tem levado à degradação das condições de trabalho

Em todas as 24 intervenções, os participantes salientaram que o PCP é o único Partido que realiza este tipo de audição aos trabalhadores do sector de transportes para preparar o seu trabalho institucional.
Na iniciativa – silenciada pela comunicação social dominante – participaram cerca de uma centena de representantes sindicais, membros de CT’s e trabalhadores provenientes de 40 empresas do sector, metade dos quais na condição de convidados.
Em declarações ao Avante!, o dirigente da Festru/CGTP-IN, Vítor Pereira, afirmou que a audição «revelou que o PCP conhece a realidade do sector e as suas propostas assim o comprovam».«A Festru está grata por esta iniciativa e pela acção legislativa que pode dar uma grande ajuda aos trabalhadores», considerou.
O membro do Comité Central do Partido, Júlio Vintém, começou por caracterizar os problemas relacionados com os tempos de condução e de descanso, o trabalho a tempo parcial, o Código Penal e os exames psicológicos. Os convidados deram um decisivo contributo.

Medidas gravosas

A audição teve por base três eixos fundamentais: O primeiro prende-se com o trabalho a tempo parcial dos motoristas. O Partido pretende proibir o patronato de continuar a contratar, para tarefas nocturnas, motoristas que desempenham outras actividades, sem que a proibição ponha em causa o seu posto de trabalho.
Uma segunda proposta refere-se á introdução do Decreto-Lei n.º 45/2005, que cria como condicionalismo para a renovação das cartas de condução, a obrigatoriedade da junção de um comprovativo de aptidão mental. Várias intervenções denunciaram que esta imposição não é aplicada aos restantes condutores de viaturas.
Para o PCP, a solução passa pela realização de exames de aptidão mental, mas apenas se a autoridade médica competente o entender necessário, aquando da realização do exame de aptidão física. Caso se manifeste a inaptidão, o patronato deve fica impossibilitado, em qualquer situação, de privar o trabalhador dos direitos adquiridos.
A terceira proposta altera o Código Penal para que acabem os pagamentos ao quilómetro e as restantes irregularidades que obrigam a jornadas de trabalho de mais de 16 e mais horas seguidas de condução. O PCP pretende responsabilizar criminalmente os responsáveis por esta organização dos serviços.

O mau exemplo da RN

O encontro denunciou as consequências das privatizações no sector, particularmente na Rodoviária Nacional, onde os salários e as condições de trabalho se degradaram, apesar dos ganhos apresentados pelas empresas nascidas do desmembramento da empresa pública. São ganhos conseguidos à custa da supressão de metade do quadro de efectivos e da degradação da oferta e da qualidade dos transportes, salientou Júlio Vintém.
Como noutras transportadoras epresentadas no encontro, as populações têm assistido à redução de serviços nocturnos, à diminuição e supressão de carreiras.
As privatizações têm também provocado «o bloqueio da negociação colectiva, o pagamentos de salários em forma de ajudas de custo, o alastrar dos contratos individuais a prazo e a tempo parcial, além de outras condicionantes», denunciou.

Ilegalidades a rodos

Quanto á obrigatoriedade de efectuarem exames psicológicos para a renovação das cartas de condução, a medida tem sido usada para substituir trabalhadores efectivos por precariedade.
No sector, efectuam-se pagamentos ilegais ao quilómetro, à viagem e à tonelagem, com o propósito de fazer o trabalhador percorrer o máximo de distancia abdicando dos tempos de descanso e das folgas. Em risco fica a sua vida e saúde, bem como a segurança rodoviária, além da quase impossibilidade de ter uma vida familiar normal. As entidades patronais continuam a passar declarações falsas, enganando a fiscalização dos tempos de descanso.
Justamente, os motoristas querem ver a sua profissão reconhecida como sendo de desgaste rápido e rejeitam, por isso, o aumento da idade de reforma, como pretende o Governo.
Júlio Vintém responsabilizou o poder central por a fiscalização não funcionar devido à ausência de meios, lembrou o aumento das custas judiciais «para que os trabalhadores não possam recorrer aos tribunais» e recordou a conivência dos sucessivos governos com as prepotências patronais.

Europa agrava a situação

Na Comissão Europeia, «tanto forças ligadas á social democracia, como as ligadas mais à direita têm tomado iniciativas que visam legalizar a ilegalidade», denunciou o eurodeputado comunista, Pedro Guerreiro.
Salientou uma proposta sobre a organização do tempo de trabalho da dita Comissão e à qual Durão Barroso deu seguimento, que diferencia o tempo efectivo de trabalho do tempo no local de trabalho.
Assim, passaria a contar, para efeitos remuneratórios, apenas como tempo de trabalho o período de condução, enquanto o de carga e descarga e as pausas deixariam de ser pagos.
Outra directiva do PE, de extrema gravidade, «pretende autorizar que uma empresa de transportes coloque a sua sede num país que garanta menos direitos, podendo depois operar em países que garantem mais, mas ficando ao abrigo da lei laboral do país onde tem a sede, subordinando os trabalhadores à legislação menos favorável».
Pedro Guerreiro salientou a necessidade da tomada de consciência destas situações para que, colectivamente organizados, os trabalhadores possam impedir a sua aplicação.

Particularmente penalizados

Em nome do Grupo parlamentar do PCP, Odete Santos recordou que, no ano 2000, a Assembleia da República introduziu no novo Código Penal um novo crime a aplicar a motoristas em caso de acidente rodoviário. «Muitas vezes, não é ameaçando com penas de prisão que se resolvem situações, nomeadamente quando os acidentes resultam de circunstâncias que determinam negativamente a conduta do condutor e lhe são alheias», considerou.
Odete Santos recordou um estudo de uma agência europeia com sede em Dublin, na Irlanda onde se refere que a idade dos veículos de passageiros usados em Portugal ronda os 30-40 anos.
O estudo revela que as causas dos acidentes resultam muitas vezes de factores alheios ao condutor, pelo que a medida nada resolve mas apenas penaliza fortemente os trabalhadores, sujeitos a inúmeros factores de risco.

Os partidos não são iguais

No fim do encontro, o membro do Secretariado e da Comissão Política do Partido, Francisco Lopes, salientou que a audição demonstrou que «os partidos não são todos iguais». «Para nós a acção política é a procura de respostas para os problemas dos trabalhadores sejam quais forem os sectores de actividade», acrescentou.
O mesmo responsável salientou que «a força organizada dos trabalhadores pode fazer frente às medidas do patronato e o PCP tudo fará para que essa luta se reforce e seja o mais poderosa possível».
Após traçar um quadro da realidade laboral, social e política do País, afirmou que esta não está desligada das eleições presidenciais. Terminou com um forte apelo ao voto em Jerónimo de Sousa.

Determinação e confiança

Impossibilitado de estar presente na iniciativa devido a compromissos da campanha presidencial, o Secretário-Geral do PCP, Jerónimo de Sousa enviou, «com determinação e confiança», uma saudação com votos de êxito na identificação das políticas «que vêm sendo praticadas pela acção conjugada dos governos e das entidades patronais, com as respectivas consequências e prejuízos para os trabalhadores, agravadas com a proposta de revisão do Código do Trabalho apresentada pelo Governo PS».
Considerando necessária a inversão desta ofensiva, Jerónimo de Sousa salienta que a sua candidatura «dá atenção e valoriza a acção dos trabalhadores e as suas organizações representativas e é solidária com a luta persistente que desenvolvem neste quadro».


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