Cinco horas com El Caudillo
Já há relativamente largo tempo, um jovem camarada com quem entretanto não tenho tido contactos mas que muito estimo, querendo com amigável malícia significar-me como eu já então lhe parecia velho disse-me que eu era «ainda do tempo de Guerra de Espanha». Havia naquela observação algum exagero apesar da sua justeza literal: o caso é que quando da insurreição franquista de 36, embora já nascido, eu ainda não tivera tempo de aprender a ler e escrever, muito menos para partilhar indignações, convicções ideológicas, e delas tirar ensinamentos. Mas é verdade inteira que desde muito cedo, embora não naquele tempo, entendi que a Guerra de Espanha foi, além do ensaio nazifascista que havia de preceder a Segunda Guerra Mundial, a primeira operação militar de uma ofensiva violenta contra a implementação de regimes que visavam a construção de um Socialismo autêntico. Essa ofensiva prosseguiu depois com outras etapas, entre as quais avulta a invasão hitleriana da URSS em 41 e, adoptando depois de 45 os métodos «pacíficos» mais condicentes com o equilíbrio de forças existente da altura, escolheu a injecção de movimentos instabilizadores em países do Leste, a imposição de uma corrida aos hiperarmamentos que resultaria ruinosa ou pelo menos paralisante para a economia soviética, a imparável propaganda do consumismo como forma de inocular crescentes sentimentos de frustração e desagrado em populações vulneráveis à tentação. Como se sabe, tudo isto resultou na vitória inevitavelmente transitória do anticomunismo à escala mundial, êxito em que um teórico de extremo optimismo pró-imperialista quis ler «o fim da História», interpretação que de facto revela o pavor perante a certeza de que na verdade a história vai continuar. Entretanto, porém, o projecto socialista de uma sociedade justa deixara ficar pelo caminho milhões de mortos em combate, perante pelotões de fuzilamento ou no horror das masmorras. E tudo começara em Espanha, em Julho de 36, ainda eu não lia jornais mas já estava vivo. De onde a acusação amigável e afinal justa de ser «do tempo da Guerra de Espanha».
Um incompleto rol
Por tudo isto, entender-se-á melhor que no passado domingo eu tenha estado diante do televisor, sintonizado no canal História, a assistir entre as 15 e as 20 horas à transmissão de cinco documentários acerca de Francisco Franco, El Caudillo, e da guerra por ele ateada não apenas para derrubar o governo democraticamente eleito da República Espanhola mas também, como foi dito num dos documentários referidos e por um analista não excessivamente progressista, para «eliminar de Espanha todos os vestígios do pensamento de Esquerda». De onde a brutalidade extrema de uma repressão que se prolongou muito para lá da vitória franquista proclamada em 39 e mesmo da derrota do Eixo nazifascista em 45. Porém, não se creia a partir do que até aqui ficou escrito que os documentários transmitidos pelo História no passado domingo, dia do 30.º aniversário da morte de Franco, foram todos claramente dominados por um pensamento de Esquerda que, apesar de tudo e contra os objectivos do ditador e das gentes de que foi o testa-de-ferro, sobreviveu a quase quarenta anos de terror. Pelo contrário, em alguns desses telefilmes houve inexactidões que correspondiam como que a impressões digitais de versões de centro-direita, pelo menos. Mas o essencial esteve lá e era precioso. Não cabe neste espaço o arrolamento completo, mas convém registar a proclamação franquista, como álibi, da defesa dos «valores raciais e da civilização cristã»; o rol extenso mas ainda incompleto dos crimes contra a humanidade que caracterizaram a repressão mesmo depois do fim da guerra civil; a cumplicidade da Igreja Católica de Espanha com as barbaridades cometidas; a presença de militares espanhóis na Frente Russa dos exércitos de Hitler. E, depois de 39, a criação de um sistema económico que «permitiu aos mais poderosos enriquecerem à custa da miséria geral», nesse processo se incluindo familiares próximos de Franco.
Também Portugal e os portugueses foram referidos ao longo das cinco horas dos documentários, como era inevitável. Saliento duas referências, uma por ser fundamental outra por ser particularmente saborosa. A primeira, incluída numa análise político-militar, foi a de que Franco talvez não tivesse vencido sem o apoio do Portugal salazarista que lhe permitiu o abastecimento de material de guerra, e não só, pela Alemanha nazi e a Itália fascista. A segunda foi a informação, apoiada em imagens, de que Franco recebeu em Coimbra o título de doutor honoris causa. Tendo sido seu patrono D. Manuel Cerejeira, cardeal patriarca de Lisboa.
Um incompleto rol
Por tudo isto, entender-se-á melhor que no passado domingo eu tenha estado diante do televisor, sintonizado no canal História, a assistir entre as 15 e as 20 horas à transmissão de cinco documentários acerca de Francisco Franco, El Caudillo, e da guerra por ele ateada não apenas para derrubar o governo democraticamente eleito da República Espanhola mas também, como foi dito num dos documentários referidos e por um analista não excessivamente progressista, para «eliminar de Espanha todos os vestígios do pensamento de Esquerda». De onde a brutalidade extrema de uma repressão que se prolongou muito para lá da vitória franquista proclamada em 39 e mesmo da derrota do Eixo nazifascista em 45. Porém, não se creia a partir do que até aqui ficou escrito que os documentários transmitidos pelo História no passado domingo, dia do 30.º aniversário da morte de Franco, foram todos claramente dominados por um pensamento de Esquerda que, apesar de tudo e contra os objectivos do ditador e das gentes de que foi o testa-de-ferro, sobreviveu a quase quarenta anos de terror. Pelo contrário, em alguns desses telefilmes houve inexactidões que correspondiam como que a impressões digitais de versões de centro-direita, pelo menos. Mas o essencial esteve lá e era precioso. Não cabe neste espaço o arrolamento completo, mas convém registar a proclamação franquista, como álibi, da defesa dos «valores raciais e da civilização cristã»; o rol extenso mas ainda incompleto dos crimes contra a humanidade que caracterizaram a repressão mesmo depois do fim da guerra civil; a cumplicidade da Igreja Católica de Espanha com as barbaridades cometidas; a presença de militares espanhóis na Frente Russa dos exércitos de Hitler. E, depois de 39, a criação de um sistema económico que «permitiu aos mais poderosos enriquecerem à custa da miséria geral», nesse processo se incluindo familiares próximos de Franco.
Também Portugal e os portugueses foram referidos ao longo das cinco horas dos documentários, como era inevitável. Saliento duas referências, uma por ser fundamental outra por ser particularmente saborosa. A primeira, incluída numa análise político-militar, foi a de que Franco talvez não tivesse vencido sem o apoio do Portugal salazarista que lhe permitiu o abastecimento de material de guerra, e não só, pela Alemanha nazi e a Itália fascista. A segunda foi a informação, apoiada em imagens, de que Franco recebeu em Coimbra o título de doutor honoris causa. Tendo sido seu patrono D. Manuel Cerejeira, cardeal patriarca de Lisboa.