Cinco dias, 50 anos
Enquanto a Holanda discute se não serão uma violência para a mulher os cinco dias de reflexão a que está obrigada entre a primeira consulta e a efectiva interrupção voluntária da gravidez, a Suécia
comemora meio século de Educação Sexual nas escolas. Portugal insiste em ignorar o drama que devia ser só de cada mulher e a julgá-las como criminosas.
Em vez da Assembleia da República, em Lisboa, estava na sala de um hotel, no Porto. Em vez de uma plateia de deputados, encarou mulheres e homens de idades e proveniências diversas. 23 anos depois, Ilda Figueiredo esteve novamente num debate sobre o aborto. 23 anos depois de o Parlamento ter rejeitado o projecto-lei do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez, uma decisão que é apenas de cada mulher que com ela se vê confrontada continua a ser crime, em Portugal. Será o aborto clandestino um «beco sem saída»? A interrogação e o apelo à luta «por uma nova lei até ao final do ano» foi o mote da discussão promovida pela DORP, na última sexta-feira, que se constituiu como mais um exemplo da longa luta comunista neste domínio. Ao primeiro impulso, a resposta seria sim – abortar na clandestinidade é inevitável, num País que se vê empurrado para mais um referendo. 23 anos depois, o aborto clandestino só permanece um beco sem saída enquanto o Governo quiser. Enquanto tiver coragem de ignorar esta violência a que a lei submete as mulheres.
Basta olhar à volta para se recuperar a noção da aberração da lei que leva a julgamento quem ousa decidir o que faz com o próprio corpo. Foi isso que se fez, no Porto. Além de Ilda Figueiredo, o debate
contou com a experiência de Kartika Liotard, do Partido Socialista da Holanda, e de Sophie Russell, em representação de Eva-Britt Svensson, do Partido da Esquerda da Suécia, também deputadas ao Parlamento Europeu, que contaram a uma sala cheia como é tratada a questão do aborto nos respectivos países.
Portugal fora da Europa?
Na Holanda, o aborto é legal desde 1984. Quando uma mulher holandesa decide que não pode ter um filho, comunicá-lo a um médico é o primeiro passo a dar. «Quando o faz, é vista por especialistas, a
quem tem de expor, ao abrigo do sigilo profissional, as suas razões.»
«Preservar a saúde física e ou mental, razões de ordem económica, social, situações de violação e de deficiência» contam-se entre os motivos admitidos pela lei, que também prevê que nesse primeiro
contacto sejam «apontadas alternativas». «Não há pressão alguma», sublinhou a eurodeputada; há informação e a certeza de «ajuda médica e apoio psicológico».
«Na Suécia, acreditamos que sexualidade e reprodução são a porta para o bem-estar ou para a miséria», explicou Sophie Russell, sublinhando que o aborto é uma entre muitas vertentes em causa. «Não se trata de decidir se são boas ou más» as opções de cada indivíduo, «mas apenas de reconhecer que são um direito»: «Em 1955, tivemos Educação Social nas escolas; em 1959, passou a poder comprar-se preservativos em locais públicos; em 1964 passou a comercializar-se a pílula; em 1969, a violação no casamento foi considerada ilegal; em 1975, finalmente, foi reconhecido o direito ao aborto mediante solicitação, até à oitava semana». Em 2005, os suecos têm «acesso à contracepção de emergência».
Uma sala cheia de portugueses e portuguesas ouviu estes relatos com revolta porque a realidade que tem para apresentar é a da perseguição às mulheres que correm o risco de abortar e que – ouviram-se vários alertas – são cada vez mais, à medida que a pobreza se entranha na sociedade. O aborto não é um beco sem saída. É um caminho cobardemente bloqueado pelo sucessivos governos, sendo mais
escandalosa a postura do actual, que se esconde na promessa de um referendo para adiar a simples aprovação da lei que o próprio PS concebeu e travou, em 1998. Na altura, Guterres negociou com o PSD um referendo que trouxe a público as maiores barbaridades sobre o tema.
Até hoje, a direita continua a impor a sua vontade, através do PS. Há muito mais de 23 anos que mulheres e homens comunistas lutam pela legalização do aborto. O drama não está no cansaço, que esse nem se lhes sente na voz. O drama são as mortes, a violência, a humilhação que todos os dias dão razão a esta luta que não pode parar.
comemora meio século de Educação Sexual nas escolas. Portugal insiste em ignorar o drama que devia ser só de cada mulher e a julgá-las como criminosas.
Em vez da Assembleia da República, em Lisboa, estava na sala de um hotel, no Porto. Em vez de uma plateia de deputados, encarou mulheres e homens de idades e proveniências diversas. 23 anos depois, Ilda Figueiredo esteve novamente num debate sobre o aborto. 23 anos depois de o Parlamento ter rejeitado o projecto-lei do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez, uma decisão que é apenas de cada mulher que com ela se vê confrontada continua a ser crime, em Portugal. Será o aborto clandestino um «beco sem saída»? A interrogação e o apelo à luta «por uma nova lei até ao final do ano» foi o mote da discussão promovida pela DORP, na última sexta-feira, que se constituiu como mais um exemplo da longa luta comunista neste domínio. Ao primeiro impulso, a resposta seria sim – abortar na clandestinidade é inevitável, num País que se vê empurrado para mais um referendo. 23 anos depois, o aborto clandestino só permanece um beco sem saída enquanto o Governo quiser. Enquanto tiver coragem de ignorar esta violência a que a lei submete as mulheres.
Basta olhar à volta para se recuperar a noção da aberração da lei que leva a julgamento quem ousa decidir o que faz com o próprio corpo. Foi isso que se fez, no Porto. Além de Ilda Figueiredo, o debate
contou com a experiência de Kartika Liotard, do Partido Socialista da Holanda, e de Sophie Russell, em representação de Eva-Britt Svensson, do Partido da Esquerda da Suécia, também deputadas ao Parlamento Europeu, que contaram a uma sala cheia como é tratada a questão do aborto nos respectivos países.
Portugal fora da Europa?
Na Holanda, o aborto é legal desde 1984. Quando uma mulher holandesa decide que não pode ter um filho, comunicá-lo a um médico é o primeiro passo a dar. «Quando o faz, é vista por especialistas, a
quem tem de expor, ao abrigo do sigilo profissional, as suas razões.»
«Preservar a saúde física e ou mental, razões de ordem económica, social, situações de violação e de deficiência» contam-se entre os motivos admitidos pela lei, que também prevê que nesse primeiro
contacto sejam «apontadas alternativas». «Não há pressão alguma», sublinhou a eurodeputada; há informação e a certeza de «ajuda médica e apoio psicológico».
«Na Suécia, acreditamos que sexualidade e reprodução são a porta para o bem-estar ou para a miséria», explicou Sophie Russell, sublinhando que o aborto é uma entre muitas vertentes em causa. «Não se trata de decidir se são boas ou más» as opções de cada indivíduo, «mas apenas de reconhecer que são um direito»: «Em 1955, tivemos Educação Social nas escolas; em 1959, passou a poder comprar-se preservativos em locais públicos; em 1964 passou a comercializar-se a pílula; em 1969, a violação no casamento foi considerada ilegal; em 1975, finalmente, foi reconhecido o direito ao aborto mediante solicitação, até à oitava semana». Em 2005, os suecos têm «acesso à contracepção de emergência».
Uma sala cheia de portugueses e portuguesas ouviu estes relatos com revolta porque a realidade que tem para apresentar é a da perseguição às mulheres que correm o risco de abortar e que – ouviram-se vários alertas – são cada vez mais, à medida que a pobreza se entranha na sociedade. O aborto não é um beco sem saída. É um caminho cobardemente bloqueado pelo sucessivos governos, sendo mais
escandalosa a postura do actual, que se esconde na promessa de um referendo para adiar a simples aprovação da lei que o próprio PS concebeu e travou, em 1998. Na altura, Guterres negociou com o PSD um referendo que trouxe a público as maiores barbaridades sobre o tema.
Até hoje, a direita continua a impor a sua vontade, através do PS. Há muito mais de 23 anos que mulheres e homens comunistas lutam pela legalização do aborto. O drama não está no cansaço, que esse nem se lhes sente na voz. O drama são as mortes, a violência, a humilhação que todos os dias dão razão a esta luta que não pode parar.