O voto dos católicos nas Autárquicas

Jorge Messias
É evidente a gravidade do momento que o País atravessa. A fase é de risco porque estamos de pés e mãos atados a um modelo capitalista que não é do interesse nacional. Situação perigosa porque as forças que ocupam o poder adoptaram o princípio da exclusão automática de qualquer orientação efectivamente socialista e democrática.
Todos sabemos que o presente não é simples cópia do passado e que a história não se repete. Mas também se torna claro que quando os erros antigos não são corrigidos acabam, sempre, por voltar aos cenários reais. É neste sentido que muitos portugueses se preocupam com as semelhanças que se vão revelando entre os factos da nossa experiência actual e aqueles que foram vividas antes da consolidação do fascismo.
Nesses anos, Portugal atravessava uma grave crise económica e financeira. O regime dependia dos empréstimos contraídos no estrangeiro e dos «cortes» (ou do «apertar do cinto») constantemente impostos ao povo português. As promessas republicanas estavam em ruínas. Havia fome, crescia o desemprego e o custo de vida. Em grande parte, esta situação devia-se ao facto da República ter aceite continuar a praticar um crime do Liberalismo : o interior rural continuava sob a autoridade discricionária da elite dos grandes proprietários e dos oportunistas políticos. Em contraste com a miséria do povo, prosperava uma rica clientela de políticos e de especuladores. Embora a uma escala menor do que a actual, formavam-se os primeiros núcleos monopolistas, na metalurgia, nas industrias químicas, na banca, no mercado financeiro, com raízes nas matérias-primas baratas abundantes na colónias, no comércio com o Brasil, nas oscilações cambiais, etc. As margens de lucro eram elevadas mas não justificavam, na opinião dos capitalistas, os grandes investimentos privados.
O grupo dos mais ricos reclamava um governo forte, de salvação da pátria, capaz de tomar «medidas corajosas». A mesma ordem de ideias progredia, então, na Europa graças, primeiro à marcha vitoriosa dos fascistas italianos sobre Roma; depois, com o golpe de estado alemão, nazi e racista. No outro lado do Atlântico, crescia a utopia da «american way of life» e surgia, em todo o seu esplendor mediático, o primeiro superestado capitalista moderno.
Em Portugal, a conquista do poder pelo fascismo não se realizou de forma fulminante. O 28 de Maio deu-se em 1926 e foi, principalmente, executado pelo Exército. A Constituição foi suspensa e um triunvirato de oficiais generais assumiu o poder : Gomes da Costa, Carmona e Mendes Cabeçadas, (que também era almirante mas não se deve confundir com o actual Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas ).
Quanto à Igreja portuguesa - como é habitual nessas circunstâncias - dividiu-se em duas partes desiguais. O essencial do imenso património acumulado, material e social, permaneceu sob o controlo de uma hierarquia ultraconservadora. Mal a República decretou a separação dos poderes do Estado e da Igreja, à semelhança do que ia acontecendo na Europa, o clero assumiu um papel condutor na resistência ao novo regime. A reacção clerical criou verdadeiros pólos de acção e propaganda anti-republicana, como foi o caso do Centro Católico, da Associação Católica do Porto, do CADC-Centro Académico da Democracia Cristã, etc. Esta íntima colaboração integralista e reaccionária viria a ser consagrada, primeiro pela Constituição de 1933; depois, pela Concordata de 1940.

São outros os tempos de agora

É bem claro o paralelo entre o que aconteceu há décadas, em Portugal, e o que agora vai acontecendo. O que não significa que seja fatalmente o mesmo o desenlace dos processos históricos, aparentemente convergentes. Se as peças do xadrez são quase as mesmas, o jogo que agora se joga é potencialmente diferente. O povo tem consciência dos perigos e não recuará.
O Poder Local permanece como a mais valiosa conquista da Democracia de Abril. Isto, apesar dos cercos e dos ataques frontais ou das ciladas que um poder central reaccionário não tem cessado de contra ele desferir. O Poder Local é um factor insubstituível na afirmação de uma democracia com conteúdos e de um desenvolvimento social e económico que recuse os expedientes corruptos e os compadrios. Tem, não apenas uma base e uma perspectiva política mas também se impõe nos planos da ética e da moral da acção.
Os erros cometidos pelos eleitores, têm sido muitos. É preciso que não se repitam nas próximas eleições locais. Não há tempo para mais enganos. O eleitor católico deve entender a que ponto a sua consciência cristã e os seus deveres de cidadão se entrecruzam na fronteira das eleições do dia 19. Independentemente daquilo que a sua hierarquia disser.


Mais artigos de: Argumentos

Idosos, memória e teia

O passado dia 1 foi o Dia Mundial da Música e o Dia Mundial do Idoso. Da música pouco ou nada se falou então na TV, o que não espanta porque, é sabido, a televisão portuguesa não gosta de música. Quanto a idosos, do pouco que ouvi o que mais notável pareceu foi que uma das agora habituais reportagens acerca da campanha...