Os anais da TVI
No caos organizado em que vivemos há um número crescente de problemas que julgaríamos liquidados mas que, ciclicamente, reaparecem.
Quando ressurgem, voltam mais complexos, mais extensos, com um outro perigo nas suas ligações. Nesse aspecto, a infindável sucessão dos negócios pouco transparentes que a TVI tem promovido merece um interesse especial. Um a um, é possível que todos eles possam invocar cobertura legal. Mas encobrem, sistematicamente, a identidade dos verdadeiros protagonistas e os reais objectivos das suas intenções.
No caso do projecto de Canal da Igreja, tudo começou anos atrás e veio por aí fora, sempre com mistérios, polémicas, milagres e magias. São intrigas sobre intrigas que se vão entrelaçando umas nas outras e começaram a revelar-se mal foi esboçada a ideia das televisões privadas. Em 1990, a Igreja Católica ainda não sabia, sequer, se queria um canal privado da TV ou a se aceitava a concessão de um dos canais públicos, a título gratuito e com direito à exploração da publicidade comercial. O Patriarcado de Lisboa mantinha a exigência da atribuição à Igreja (sem necessidade da realização de um concurso público) de um canal televisivo nacional, enquanto que um grupo de bispos, sobretudo das dioceses do Norte, surgiu com alternativas estratégicas baseadas nas paróquias e nas regiões. Fizeram-se ouvir as vozes que continuamos a escutar agora, como as de Pinto Balsemão, Proença de Carvalho, Júlio Isidro, Belmiro de Azevedo e Marcelo Rebelo de Sousa, personalidades que marcam presença permanente nos cenários da TVI. Também os grandes grupos económicos e confessionais, inicialmente interessados nesta longa e devota caminhada, não desistiram de continuar a assinalar posições. A Radiotelevisão do Luxemburgo, a SONAE, a CADENA, a Rádio Renascença, a Universidade Católica, as Misericórdias, a Lusomundo, o BCP, o GES, etc., continuam a balizar as fronteiras da TVI.
Muitos foram os acidentes de percurso que os bispos enfrentaram ao longo dos últimos vinte anos. Mas se fosse necessário destacar uma etapa principal da história televisiva da igreja portuguesa, sem dúvida que se escolheria a fase da compra da maioria das acções da estação pela Média Capital, em 1997. Aconteceu o inesperado. Miguel Pais do Amaral queria comprar a TVI mas não tinha capital para realizar a operação. Então, fez férias no Brasil, falou com um amigo brasileiro e o dinheiro apareceu, como que caído do céu, vindo de parte incerta, entre as Ilhas Caimão e as estâncias turísticas de Santo Domingo. Tinha-se produzido um milagre!
Dar o dito pelo não dito ...
A grande paixão de Pais do Amaral pouco tempo durou. Vendeu aos espanhóis da PRISA o grupo Media Capital no qual a TVI se tinha integrado. E, deste modo, a TVI, independente (!), foi inundada por uma vaga de holdings financeiras com sede no estrangeiro, como a Prisa, a Berggruen, a Bertelesmann, a Fidelity, a The Capital Group Companies, a VOCENTA, etc., etc. As «janelas» que o Concílio Vaticano II prometera abrir sobre o mundo tinham-se transformado em observatórios virados para os mais gigantescos negócios.
A venda da Media Capital à Prisa, não entregou ao capital estrangeiro apenas o património comercial do grupo. Reuniu, numa só operação, três gigantes impérios financeiros (o grupo da Prisa, o grupo Bertelsmann AG. e o grupo Media Capital) dos quais, como é natural, Pais do Amaral é o mal menor. Todos juntos, podem impor facilmente a sua vontade no mercado dos media portugueses. Dispõem de um poder tão absoluto que o caso da TVI representará, no futuro, um simples «verbo de encher». São potentados na televisão, na publicidade, na Internet, na imprensa escrita, na rádio, na formação profissional, na área editorial, nos audiovisuais, na TV digital e por cabo, nas discográficas, e em muitas outras áreas que os gráficos não referem. Se ligarmos este caso da transação da Media Capital a outros meganegócios em curso (Lusomundo, GALP, TGV), teremos um bom retrato de como a grande política se faz através dos grandes negócios da globalização.
Apetece olhar para trás, para os anos 80, quando o canal de televisão da igreja era, somente, um sonho angelical de D. António Ribeiro. A Igreja Católica de então afirmava que a grande ambição do episcopado apenas era a evangelização do País, através das novas tecnologias. Basta que se atente na péssima oferta da TVI, em termos culturais e éticos, no seu desinteresse pelos valores morais, para se concluir que a verdadeira estrutura do negócio não é essa. O que cresceu insofismavelmente, à sombra do inocente sonho do Patriarca, foi a iminência de uma esmagadora ameaça às liberdades institucionais e às conquistas de Abril.
Quando ressurgem, voltam mais complexos, mais extensos, com um outro perigo nas suas ligações. Nesse aspecto, a infindável sucessão dos negócios pouco transparentes que a TVI tem promovido merece um interesse especial. Um a um, é possível que todos eles possam invocar cobertura legal. Mas encobrem, sistematicamente, a identidade dos verdadeiros protagonistas e os reais objectivos das suas intenções.
No caso do projecto de Canal da Igreja, tudo começou anos atrás e veio por aí fora, sempre com mistérios, polémicas, milagres e magias. São intrigas sobre intrigas que se vão entrelaçando umas nas outras e começaram a revelar-se mal foi esboçada a ideia das televisões privadas. Em 1990, a Igreja Católica ainda não sabia, sequer, se queria um canal privado da TV ou a se aceitava a concessão de um dos canais públicos, a título gratuito e com direito à exploração da publicidade comercial. O Patriarcado de Lisboa mantinha a exigência da atribuição à Igreja (sem necessidade da realização de um concurso público) de um canal televisivo nacional, enquanto que um grupo de bispos, sobretudo das dioceses do Norte, surgiu com alternativas estratégicas baseadas nas paróquias e nas regiões. Fizeram-se ouvir as vozes que continuamos a escutar agora, como as de Pinto Balsemão, Proença de Carvalho, Júlio Isidro, Belmiro de Azevedo e Marcelo Rebelo de Sousa, personalidades que marcam presença permanente nos cenários da TVI. Também os grandes grupos económicos e confessionais, inicialmente interessados nesta longa e devota caminhada, não desistiram de continuar a assinalar posições. A Radiotelevisão do Luxemburgo, a SONAE, a CADENA, a Rádio Renascença, a Universidade Católica, as Misericórdias, a Lusomundo, o BCP, o GES, etc., continuam a balizar as fronteiras da TVI.
Muitos foram os acidentes de percurso que os bispos enfrentaram ao longo dos últimos vinte anos. Mas se fosse necessário destacar uma etapa principal da história televisiva da igreja portuguesa, sem dúvida que se escolheria a fase da compra da maioria das acções da estação pela Média Capital, em 1997. Aconteceu o inesperado. Miguel Pais do Amaral queria comprar a TVI mas não tinha capital para realizar a operação. Então, fez férias no Brasil, falou com um amigo brasileiro e o dinheiro apareceu, como que caído do céu, vindo de parte incerta, entre as Ilhas Caimão e as estâncias turísticas de Santo Domingo. Tinha-se produzido um milagre!
Dar o dito pelo não dito ...
A grande paixão de Pais do Amaral pouco tempo durou. Vendeu aos espanhóis da PRISA o grupo Media Capital no qual a TVI se tinha integrado. E, deste modo, a TVI, independente (!), foi inundada por uma vaga de holdings financeiras com sede no estrangeiro, como a Prisa, a Berggruen, a Bertelesmann, a Fidelity, a The Capital Group Companies, a VOCENTA, etc., etc. As «janelas» que o Concílio Vaticano II prometera abrir sobre o mundo tinham-se transformado em observatórios virados para os mais gigantescos negócios.
A venda da Media Capital à Prisa, não entregou ao capital estrangeiro apenas o património comercial do grupo. Reuniu, numa só operação, três gigantes impérios financeiros (o grupo da Prisa, o grupo Bertelsmann AG. e o grupo Media Capital) dos quais, como é natural, Pais do Amaral é o mal menor. Todos juntos, podem impor facilmente a sua vontade no mercado dos media portugueses. Dispõem de um poder tão absoluto que o caso da TVI representará, no futuro, um simples «verbo de encher». São potentados na televisão, na publicidade, na Internet, na imprensa escrita, na rádio, na formação profissional, na área editorial, nos audiovisuais, na TV digital e por cabo, nas discográficas, e em muitas outras áreas que os gráficos não referem. Se ligarmos este caso da transação da Media Capital a outros meganegócios em curso (Lusomundo, GALP, TGV), teremos um bom retrato de como a grande política se faz através dos grandes negócios da globalização.
Apetece olhar para trás, para os anos 80, quando o canal de televisão da igreja era, somente, um sonho angelical de D. António Ribeiro. A Igreja Católica de então afirmava que a grande ambição do episcopado apenas era a evangelização do País, através das novas tecnologias. Basta que se atente na péssima oferta da TVI, em termos culturais e éticos, no seu desinteresse pelos valores morais, para se concluir que a verdadeira estrutura do negócio não é essa. O que cresceu insofismavelmente, à sombra do inocente sonho do Patriarca, foi a iminência de uma esmagadora ameaça às liberdades institucionais e às conquistas de Abril.