Interpelação do PCP ao Governo sobre a situação económica e social

Uma política desastrosa

A política económica foi passada a pente fino na interpelação do PCP ao Governo. Útil e oportuno, este foi um debate que demonstrou a responsabilidade do Executivo PSD/CDS-PP pelo actual quadro de crise, pondo em evidência, simultaneamente, a existência de alternativas a esta política.

Privatizações são contra o interesse público

Estas são duas ideias essenciais a reter do debate que dominou a agenda parlamentar da passada semana. Uma discussão em que ficou patente o pouco à-vontade do Governo em descer ao concreto das questões sectoriais suscitadas pela bancada comunista, preferindo refugiar-se num discurso ora evasivo ora provocatório, vincadamente marcado por uma matriz ideológica de cariz reaccionário.
A própria escolha de Bagão Félix como principal protagonista do debate - «ministro verbalista, especialista em comités de caridade e assistência à pobreza», como o apelidou ironicamente o deputado Lino de Carvalho -, em vez do responsável pela pasta da economia, não deixa de ser em si mesma uma escolha reveladora do embaraço com que o Governo encarou este agendamento destinado a examinar a sua política económica. Um incómodo tanto mais compreensível quanto é certo que a sua política nem ao «fogo amigo» de especialistas da própria área ideológica e partidária do Governo tem escapado.
Desemprego galopante
Numa análise que acabou no essencial por ser corroborada pelas restantes bancadas da oposição, o PCP demonstrou, desde logo, pela voz do seu Secretário-Geral, Carlos Carvalhas (ver intervenção na página seguinte), que a razão fundamental para a situação de crise do País tem por base as erradas opções governativas que levaram a uma «radical diminuição da procura interna e, com isso, à quebra da actividade económica e ao disparar do desemprego».
Provado foi, também, que a visão monetarista sempre presente nas suas opções – «confundindo a necessária disciplina e rigor das finanças públicas com as desacreditadas teses do caminho para o défice zero», como bem lembrou Lino de Carvalho – impediu o Governo de perceber as necessidades da economia real, agravando a crise em todos os domínios.
Sobre o Executivo recaiu igualmente a acusação de ter desprezado o Orçamento e a sua utilização no quadro de uma política anti cíclica (um dos poucos instrumentos de que ainda dispõe) para aumentar o investimento eficiente e reprodutivo e, por essa via, contrariar a crise.
Fraude fiscal
Verberado pela bancada comunista na acção do Governo, noutro plano, foi o facto de este pouco ou nada fazer para aumentar as receitas fiscais.
«Não atacou seriamente a necessidade de alargar a base tributária, designadamente através do combate à fraude e evasão fiscais, especialmente em sede de IVA, IRC e Impostos Especiais de Consumo», exemplificou Lino de Carvalho, antes de condenar o facto de o Governo, em contrapartida, ter agravado a tributação em IRS sobre os rendimentos de quem trabalha e ter aumentado de forma intolerável a tributação sobre as micro, pequenas e médias empresas.
A merecer uma particular atenção da bancada comunista esteve ainda a política de privatizações, a qual, como foi sublinhado, sacrifica o interesse público ao interesse privado. Denunciado foi o facto de o programa de privatizações - abrangendo sectores e empresas tão distintas como a Portucel à água, passando pela TAP até às políticas sociais (na saúde, educação ou segurança social) -, conduzido pelo Executivo em marcha acelerada, estar a levar à liquidação de centros de decisão nacional e à entrega de sectores responsáveis por serviços públicos essenciais à estrita lógica do máximo lucro.

Drama que alastra

Em Abril, segundo números oficiais, o desemprego atingia mais de 420 mil pessoas. O que representou um aumento, relativamente ao mesmo mês do ano anterior, de 26,6 por cento.
Como assinalou no debate o deputado comunista Vicente Merendas, a crise económico-social desenvolve-se por todo o país, parecendo «não haver sector que escape».
Referenciados, a título de exemplo, foram os sectores da «construção» com mais 70,1% de desempregados; as indústrias do couro (mais 64,9%); os correios e telecomunicações (mais 54,2%); as actividades imobiliárias, informáticas, investigação e serviços prestados às empresas (mais 46,6%); os operários e trabalhadores similares da indústria extractiva e construção civil (mais 77,2%); os especialistas de ciências físicas, matemáticas e engenharia (mais 55,8%); os técnicos de nível intermédio da física, química e engenharia (mais 44,8%).
Um dos factores que tem concorrido para a destruição dos postos de trabalho é a deslocalização de empresas estrangeiras.
Empresas, como lembrou o deputado do PCP, que «encerram e abandonam as suas unidades produtivas, desviam equipamentos, deixam de pagar salários, despedem os seus trabalhadores».
Sob forte pressão encontra-se, por outro lado, o sector têxtil, vestuário e calçado, com cerca de 10 mil postos de trabalho destruídos ou em perigo.
Vicente Merendas chamou a atenção para o facto de a concentração de algumas actividades em certas zonas do país deixar antever «gravíssimas dificuldades em alguns distritos e concelhos». Entre outros «casos preocupantes» foi citado, como exemplo, o do distrito de Castelo Branco em que, de Agosto de 2001 até hoje, já encerraram 19 empresas com a consequente destruição de 2.200 postos de trabalho.
E o pior é que tudo aponta, como foi dito, para um «drástico e preocupante agravamento da situação com os salários em atraso a intensificar-se após o final do ano de 2002.
Referido, a este propósito, foi o facto de as duas situações naquele distrito do interior - empresas em laboração com salários em atraso e as empresas encerradas -, atingirem cerca de 3 mil trabalhadores a quem são devidos 6,6 milhões de euros.
Para ter uma ideia mais exacta da dimensão deste problema refira-se ainda que só no distrito de Lisboa (com base numa amostra que abrange 291 empresas) o montante global da dívida dos trabalhadores decorrente de processos de encerramento e falência de empresas atinge mais de 107 milhões de euros, ou seja, mais de 21 milhões de contos.

Opções erradas afundam o País

As opções ultraliberais do Governo em matéria de política económica e social e a sua incapacidade para defender os interesses do País no contexto internacional e comunitário constituem dois eixos explicativos para o quadro de recessão em que Portugal está mergulhado.
Uma ideia exposta no debate pela bancada comunista sustentada, no primeiro caso, no facto de o Executivo tomar as suas decisões sempre em função das estratégias que servem os grandes grupos económicos, em particular os interesses financeiros a eles associados, em detrimento das mais de 200 mil micros, pequenas e médias empresas que asseguram mais de 1,7 milhões de postos de trabalho.
O deputado Honório Novo, em nome da bancada do PCP, acusou mesmo o Governo de «esquecer e desprezar» estes agentes económicos, dando como exemplos dessa atitude, entre outros, o brutal aumento dos pagamentos especiais por conta, a total ausência de apoios à internacionalização das pequenas e médias empresas ou a paralisação do programa (URBCOM) de apoio à modernização do tecido comercial.
Realidade esta que surge por contraposição, lembrou, à colocação da máquina do Estado ao serviços dos grandes grupos económicos e financeiros, como sucede com o «renovado esquema de medidas de política fiscal» em favor dos grandes grupos empresariais ou com os apoios que lhes são exclusivamente concedidos para se promoverem no exterior.
Quanto ao segundo eixo que marca de forma incontornável a política económica do Governo – ausência de firmeza para garantir a defesa dos interesses do País nas instâncias internacionais - , um dos exemplos mais recentes que atesta esse comportamento reporta-se à reforma da Política Agrícola Comum (PAC).
«Em Portugal fala grosso e ameaça "partir a loiça"», mas, depois, em Bruxelas, «aplaina o tom, limita-se, quando muito, a anunciar tímidas oposições», ironizou Honório Novo, antes de lembrar, referindo-se às propostas de revisão da PAC, que «a última versão é ainda pior que a inicial».
Outro exemplo referido pelo deputado comunista diz respeito ao sector têxtil. Também aqui, acusou, a inacção do Governo é intolerável perante decisões comunitárias que pretendem «reduzir para cerca de metade os valores das taxas de importação de produtos provenientes de terceiros».
Face a esta enorme redução de direitos alfandegários, visando antecipar etapas da liberalização do comércio dos têxteis e vestuário prevista para 2005, sem que estejam asseguradas idênticas contrapartidas para as nossas exportações têxteis, urge, pois, na perspectiva do PCP – e foi esse o apelo deixado por Honório Novo – que o Governo levante a questão na cimeira de Setembro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e não se remeta à «apatia de um voto piedoso».

Por melhores salários

Uma das exigências ao Governo expressas no decurso do debate pela bancada do PCP foi a de que seja abandonada a pressão sobre o factor trabalho. Esta tem sido, no fundo, como foi sublinhado, a grande arma que o Executivo tem vindo a utilizar para diminuir as despesas correntes.
Ora sucede que o aumento dos rendimentos do trabalho é condição essencial para animar a procura interna. É o próprio Fundo Monetário Internacional, no seu último relatório, quem o afirma, aliás, valorizando o facto de o crescimento dos rendimentos do trabalho ser uma das condições para evitar o risco de deflação em várias economias, incluindo a portuguesa.
Considerado chocante pela bancada comunista foi, entretanto, o facto de no nosso País, em paralelo com o congelamento de salários dos trabalhadores, se assistir aos maiores aumentos salariais a nível europeu para os administradores, gestores e executivos.

Há outros caminhos

O abandono do «critério estrito do dogma do défice» constitui, no imediato, uma das propostas preconizadas pelo PCP com vista a garantir uma saída para a actual crise em que o País está mergulhado.
Ao aliviar este constrangimento, assevera a bancada comunista, obtém-se uma folga ao necessário aumento do investimento público eficiente e ao incremento dos rendimentos do trabalho, «únicos caminhos que permitirão aumentar a procura interna e assim contribuir para a retoma da economia e a criação de emprego».
A alteração do perfil de especialização da economia portuguesa, na perspectiva do PCP, que vem de há muito chamando a atenção para o problema, é outro dos grandes desafios colocadosao País. Como voltou a ser lembrado no debate, não é possível continuar a apostar, como o Executivo tem feito, num modelo assente em baixos salários, na diminuição dos direitos dos trabalhadores, em actividades subcontratadas ou no «investimento beduíno».
No que se refere ao sistema de segurança social, reiterada é a alteração do seu modelo de financiamento, como o PCP já propôs, por forma a assegurar um sistema que estimule a criação de emprego e alivie as empresas menos produtivas de trabalho intensivo.


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